O que desejo para 2021 é mais atenção para como nos comunicamos

Luigi Parrini
Bots Brasil
Published in
8 min readJan 20, 2021
Foto de um telefone com a tela quebrada e partido ao meio. Fonte: Alexander Andrews (Unsplash)

Acho que tanto eu como você estamos cansados de ler textos sobre como 2020 foi disruptivo, que desafios se tornam oportunidades e que foi um ano ótimo para as empresas do chamado Big Tech ou outras da área de tecnologia.

Esse tom de euforia parece bem descolado da realidade enquanto todo mundo (de todo o mundo) teve que aprender a lidar com o medo de ser infectado pela COVID-19, se adaptar ao muitas vezes desconfortável privilégio de poder trabalhar em casa enquanto muitas empresas e setores simplesmente sumiam, e ainda seguir em frente com a vida e os planos, inclusive relacionados ao mercado de trabalho.

Infelizmente, 2021 não começa muito diferente de 2020, e recentemente a OMS divulgou que a tão desejada imunidade de rebanho, aquela que nos tiraria da pandemia, parece pouco provável antes do ano que vem. Até por isso, quando pensei nesse tema para o Dialograma, página do Medium que edito lá na Mutant, não me arrisquei a pedir para os meus colegas um prazo tão imediato; afinal, qual previsão sobre o que seria 2020 foi realmente acertada quando estávamos em janeiro do ano passado?

Admito que fui conservador e joguei a previsão para uma década, o que, no fim das contas, pode ajudar tanto a acertar tendências mais amplas como se distanciar totalmente de um cenário do futuro.

Naquele exercício muitas linhas de raciocínio surgiram, e vou trazer algumas delas, em combinação com outros exercícios mais próximos que eu vi por aí já pensando em 2021, e com cujas vozes eu concordo.

Este ano nos parece mais previsível, pois vai se desenhando como uma versão 2.0 de 2020, mas o cruzamento de tantas mudanças drásticas no planeta pode levar a gente mais uma vez para águas desconhecidas. Sendo assim, essas são as tendências no mercado de tecnologias conversacionais, com foco nas soluções de voz, que vejo mais fortes para 2021.

A voz pode vir com tudo, mas não vem sozinha

Os dados ainda crescentes de adoção de smart speakers, impulsionados pelo poder logístico da Amazon, e as restrições sanitárias que nos obrigaram a tentar viver na realidade mais touchless possível criaram uma empolgação planetária sobre a adoção de jornadas voice-only ou voice-first nos mais diversos campos, para além das tradicionais URAs, que já são voice-only before it was cool.

Fonte: Giphy

O trabalho remoto me permitiu acompanhar daqui do Brasil discussões entre especialistas no mundo todo em relação ao mercado de voz, por meio do VoiceLunch, iniciativa dos poloneses Michal Stanislawek e Karol Stryja. Nos encontros semanais por Zoom, esses profissionais discutem assuntos pertinentes à área, desde monetização e discoverability de skills e actions até teorias de design conversacional.

O ano de 2020 foi muito rico em discussões nesse fórum, com um claro espírito de empolgação e “agora vai” em relação ao mercado de IA conversacional. O primeiro encontro de 2021, por outro lado, teve o tema “Why voice sucks? (“Por que voz é ruim?”, em tradução livre e comportada). O artigo que suscitou essa discussão foi escrito por Ahmed Bouzid, um experiente profissional da área, e questiona a ideia de que qualquer caso de uso é adequado para a adoção de interação por voz.

Ao que parece, 2021 vai ser o início do fim da euforia com as Alexas brotando nos cômodos mais diversos de parte do planeta — mas não em todos, afinal, muitas línguas com número significativo de falantes ou presentes em grandes mercados ainda não estão disponíveis para o dispositivo, como holandês, russo e uma infinidades de línguas indianas. Este me parece outro empecilho para a adoção global das iniciativas voice-only que precisa ser superado neste ano.

Gif com uma mulher falando “Alexa, defina privilégio” em Inglês. Fonte: Giphy

Tal cenário nos leva a algumas questões cruciais: como fazer o uso de dispositivos de voz se tornar um hábito? E como ganhar dinheiro a partir disso? Alguns especialistas apostam no incremento de assistentes de voz dentro de apps em 2021, permitindo o desenvolvimento de sistemas multilíngues e autônomos ao duopólio Alexa-Google Assistant, como é o caso do CEO da empresa Slang Labs, Kumar Raganjaran, que falou ao site voicebot.ai as suas perspectivas para este ano junto a outros 49 líderes da indústria de voz.

Nessa mesma pesquisa, tanto Jan König, co-fundador da Jovo, quanto Sarah Andrew Wilson, CCO da Matchbox.io, apostam na multimodalidade. König diz que

a conversação vai mudar de voz para multimodal. Mesmo que a maioria dos dispositivos de voz hoje apresente uma tela ou outras possibilidades de interação, o design dessas modalidades vem geralmente a reboque da voz. Em 2021, mais companhias vão pensar sobre como entregar experiências realmente multimodais. “Context-first”, não “voice-first”.

Já Wilson afirma que

para 2021, minha previsão entediante mas realista é que o público geral vai ficar mais acostumado com escolher voz como uma das inúmeras maneiras de interagir com um produto. Dentro do mesmo produto, as pessoas vão descobrir que às vezes é mais fácil falar, enquanto em outros momentos é mais fácil tocar ou digitar. Elas vão perceber que a voz e a opção de usar voz não são só uma novidade. E o resultado é que vão existir cada vez mais produtos que permitirão às pessoas interagir do modo que for mais adequado para elas.

A linguagem importa

Se essas previsões sobre a multimodalidade das plataformas se confirmarem, precisaremos cada vez mais de profissionais que saibam diferenciar gêneros discursivos para fazer transições seamless entre texto escrito em suas diversas modalidades, texto falado também em suas diversas modalidades, linguagem de sinais e linguagem não verbal.

O desafio não está só na integração das tecnologias ou na construção das jornadas, mas também em como fazer o usuário sentir que saiu da skill, foi para o app, passou pelo chatbot e terminou no telefone dentro de uma mesma jornada. Não faz sentido falar em um assistente virtual multimodal se reproduzirmos na jornada o ping-pong entre diferentes vozes e tratamentos presente nos piores atendimentos, aqueles que remetem ao telemarketing mais desagradável ou a qualquer outro processo extremamente burocrático.

Gif com o Han Solo, personagem do Star Wars, atirando em um dispositivo e uma texto aparecendo “conversa chata de toda forma” . Fonte: Giphy.

Para isso, o design conversacional precisa dobrar sua aposta em seu aspecto CONVERSACIONAL. Nem toda conversa é longa, nem toda conversa se encerra em um meio de comunicação só, e até a necessidade da fala nessa conversa pode ser questionada.

Na retroalimentação desse processo, ao abrirmos a cabeça para o que uma conversa pode significar, também ficamos mais abertos às possibilidades de design que podem ser empregadas para a resolução do problema do usuário — afinal, é para isso que todas essas conversas servem.

Inclusão e ética

Pensar na conversa que estamos criando, e convidar o usuário a entrar nela, implica pensar em um cenário que abranja o maior número de possíveis clientes daquele produto. Nesse sentido, vejo a crescente e saudável preocupação com a aplicação de uma linguagem inclusiva.

Essa linguagem não deve passar apenas pela importante reavaliação do uso dos gêneros gramaticais e sua relação com a representação de todas pessoas de uma sociedade, mas também pelo acesso a uma linguagem clara, ou plain language em inglês, língua onde o movimento surgiu.

O princípio da plain language, defendido pela organização internacional PLAIN, aponta que

uma comunicação está em linguagem clara quando o texto, a estrutura e o design são tão claros que o público-alvo consegue encontrar facilmente o que procura, compreender o que encontrou e usar essa informação.

Esse princípio deverá nortear cada vez mais as decisões não só do designer de conversas, mas de todos os stakeholders responsáveis pelo produto. Ou seja, devemos cada vez mais, como designers, ser evangelizadores da linguagem inclusiva e clara, e bancarmos decisões que levem esses aspectos em conta, sob o risco de alienarmos nossos usuários ao não aplicar tais princípios, especialmente em um país com 29% de analfabetismo funcional.

Essa defesa também deve passar pelo pensamento das jornadas como um todo; semântica, arquitetura da informação e lógica devem ser pensadas em integração com questões sociolinguísticas e pragmáticas, aquelas do nível mais granular da linguagem.

Para garantir a efetividade dessas práticas, a pesquisa em UX deve ser cada vez mais central nos nossos processos, sendo incorporada desde a concepção do produto, o que sabemos ser um grande desafio no dia a dia de entregas sempre para ontem.

Além disso, não pode faltar a compreensão de que, por exemplo, uma solução em voz não deve ser apresentada ao cliente como um texto escrito para ser validado, e esse alinhamento precisa ser compartilhado por todos os stakeholders: é como aprovar um filme pelo roteiro, ou aprovar uma arte pelo sketch. Decisões do tipo reforçam a falta de entendimento das características que garantem o sucesso da comunicação em cada um desses suportes.

Outra discussão crucial que deve estourar daqui para frente, pressionada por uma necessidade de avanço ético e social no setor empresarial (indicado por iniciativas como o conceito ESG, em crescente adoção), é pensar acessibilidade tendo em vista a discussão sobre o que seria um produto voice-only ou no-voice. Estamos pensando em quais usuários quando chegamos a conclusões sobre o acesso ao produto?

Os mesmos critérios de usabilidade valem para uma pessoa cega e para outra com visão baixa em um mesmo produto? E para uma pessoa surda, como adaptamos um produto pensado só para voz? Como pensar qual tipo de interação deve ser priorizada a partir desses dados? É possível um produto ser 100% inclusivo? Penso que as tecnologias conversacionais vão ter que lidar com essa questão bastante espinhosa à medida que pretendem atingir um público cada vez maior com suas soluções.

Por fim, a adoção de uma interface conversacional humanizada deve levar em conta o quanto é ético parecer humano sem ser humano de fato, assim que as tecnologias de produção e compreensão de linguagem natural avançarem a ponto de as confusões entre o humano e o robô ficarem cada mais frequentes para os usuários.

Os produtos que desenvolvemos e desenvolveremos lidam com dados sensíveis à privacidade e ao direito de esquecimento, e o avanço das legislações que abordam o tema em muitas partes do mundo impõem mais uma camada de complexidade ao desafio que é construir uma solução conversacional em 2021 e além.

Meus palpites para onde vai caminhar 2021 passam, portanto, pelo amadurecimento de todos os conceitos que permeiam a construção da linguagem nas plataformas, aspecto central para a constituição de produtos que atendam às necessidades do usuário e das empresas.

Imagem com “um telefone com a tela quebrada e partido ao meio” e o título deste artigo em destaque “O que desejo para 2021 é mais atenção para como nos comunicamos”.

Este artigo faz parte da série 21 em 2021 do Bots Brasil ✨

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