(Onde fica) o toque humano de quem trabalha com chat e voicebots durante o cenário pandêmico de 2021

Janaína Pereira
Bots Brasil
Published in
9 min readJan 20, 2021

Falar de humanidade em bots não é só definir a transferência ou transbordo, não, viu? 😬

#ConteúdoDaImagem: uma trama de bordado estilo ponto cruz com o título "automatizar". Abaixo dela, a mesma trama de bordado, porém com a superfície de trás, mostrando um emaranhado de linhas, com o título "humanizar". Créditos: slide de uma apresentação do Rogério Lourenço.

Se há algo que a pandemia mundial causada pela covid-19 conseguiu nos mostrar é o quanto o toque humano, literalmente, faz a diferença, seja para transmitir/pegar o vírus; causar pequeninos pânicos nos momentos de uso dos serviços essenciais que estão ao menos parcialmente presenciais, como separação de alimentos e coleta de exames médicos, por exemplo; e, vendo o "copo meio cheio", gerar lembrança/saudade na falta do abraço devido ao distanciamento social.

Como teremos uma segunda temporada em 2021 de vários episódios dessa série da vida real — com direito a um novo plot de cunho científico, a etapa de vacinação da população — , senti ainda mais necessidade de explorarmos a questão, porém, entrando no âmbito da tecnologia. Afinal, o mais adequado é deixar a medicina e a biologia para quem entende, não é mesmo? 😏

🤖 Olá, cliente/prospect/público-alvo que está me conhecendo por causa da pandemia, como posso ajudar?

Vamos começar a pensar nisso com o apoio de informações bem importantes dos últimos três anos. Isso foi o que a Gartner falou em 2017:

Um quarto das operações de atendimento a clientes será feito via assistentes virtuais ou chatbots até 2020 e 85% de todas as interações com clientes não exigirão seres humanos nesse mesmo ano.

Repito: 2017, ou seja, sem pandemia. Pra quem curte explorar postagens do Linkedin, essas previsões apareciam quase todos os dias, né? Agora, vamos para uma pesquisa de 2019:

Segundo a MOB INC, uma empresa de consultoria de pesquisa, 40% das pessoas que moram no Brasil já ouviram os termos "inteligência artificial" e "chatbot", mas não sabem conceituá-los e explicar pra que servem.

Aliás, ainda em 2019, a pesquisa da Mobile Time indicava a existência de 60 mil bots no ecossistema brasileiro. 2020 fechou com 101 mil bots — nem todos estão em atividade. Esses gráficos mostram mais alguns dados:

#ConteúdoDaImagem: 10 pessoas desenhadas sem rosto de ambos os gêneros fazendo atividades do dia-a-dia, como andar de bicicleta, passear com o animal de estimação e sentar no banco de um espaço aberto. Dados disponíveis entre as pessoas: 24 mil bots em atividade no país hoje / Por mês, cada bot conversa em média com 8 mil pessoas e troca 92 mil mensagens.
#ConteúdoDaImagem: do lado esquerdo, um gráfico circular mostra que 8% dos bots brasileiros estao no Facebook Messenger, 11% no telefone, 33% em sites na web, 41% no Whatsapp e 7% em outros canais, como Alexa e APPs móveis. Do lado direito, o traço de uma pessoa sem rosto colocando uma mensagem dentro de um celular maior que ela. Possui símbolos de engrenagens.

Um último dado do ano passado: você já parou pra pensar no que acontece em um minuto de interação com as grandes empresas de consumo digital do mundo? De acordo com o que encontrei na "aldeia global", como diria McLuhan com a mais absoluta certeza, é mais ou menos isso aqui:

#ConteúdoDaImagem: círculo colorido com 17 fatias e “60 segundos” no centr. Possui uma marca grande porte em cada fatia e um número relevante para a empresa, sendo a grande maioria na casa dos milhões. Criado por @ LoriLewis e @ OfficiallyChadd

E comparando os dados de 2016 até 2020, ano após ano, vemos o real movimento da internet…

Partindo dessas premissas, podemos concluir que:

  • já existia uma tendência voltada para a digitalização com bots;
  • os bots do Brasil estão majoritariamente no canal com mais troca de mensagens (o Whatsapp);
  • um mar cheinho de oportunidades pode ser gerado via presença digital; e
  • uma parte considerável de quem mora no Brasil utiliza bots e inteligência artificial sem nem saber que está fazendo isso.

E cá entre nós, pergunto: essas pessoas deveriam saber? Provavelmente, quem usa bots acaba se situando sobre o tema quando uma mensagem de texto ou voz se repete igualzinha (“O meio é a mensagem”, McLuhan mais uma vez!) ou quando escutam uma voz robótica. Sim, na hora da experiência! Quer outro exemplo, mas surpreendentemente positivo? Quando não precisam ir até a agência bancária para trocarem a senha do cartão.

Apesar desses e outros cenários serem possíveis antes mesmo da pandemia e, de um jeito ou de outro, recorrentes em algumas experiências por aí, dependendo de como cada negócio entende o paralelo de contextos no qual acontece cada interação entre equipe e cliente através do bot, essas situações podem ter um significado ainda mais profundo durante essa crise sanitária.

Mas antes de explorarmos esses efeitos, vamos ouvir quem possui papel na elaboração do bot — garanto que a visão fica mais interessante ainda! O que está acontecendo com as equipes que produzem experiências como essas?

👩🏿‍💻 Oi, empresas e profissionais da indústria de bots, como vocês pensaram e pensam o mercado durante a pandemia?

O Estadão fez uma matéria sobre a CEO Outlook, uma pesquisa realizada em nível global pela KPMG. A edição de 2020 ouviu em dois períodos, entre janeiro e fevereiro, e julho e agosto, 1.300 CEOs de grandes economias mundiais sendo 65 deles brasileiros. Apesar de não tratar diretamente de bots, até pelo nível hierárquico de quem participou, os dados são essenciais para a reflexão que estou propondo. Observem:

67% dos executivos ouvidos afirmaram que a digitalização das operações teve avanços que colocaram o negócio meses e até anos à frente do que eles esperavam; para 20%, o processo de digitalização se manteve como antes da pandemia; e, para apenas 13%, o processo foi atrasado ou inviabilizado por causa da crise.

Para a maioria dos CEOs (87%), também houve aceleração na criação de uma nova força de trabalho, já que a pandemia tornou necessária a contratação de mais funcionários para lidar com os sistemas de automação e inteligência artificial; a minoria (13%) manteve a equipe do mesmo tamanho.

(…) A pesquisa mostra que, em relação a investimentos, 53% dos CEOs brasileiros disseram que pretendem aplicar capital na compra de novas tecnologias e digitalização, enquanto 47% darão prioridade ao desenvolvimento das habilidades e capacidades da força de trabalho.

Trago mais um dado para minha publicação, agora focado em bots:

De acordo com um estudo realizado pela Vanson Bourne, empresa especialista em pesquisa de mercado, 55% dos negócios brasileiros implementaram a tecnologia aos seus centros de atendimento de forma completa. Para chegar a esse resultado, mais de um terço das empresas apostam no uso de chatbots — considerados pelos especialistas como a configuração mais básica de IA.

Por último, a pesquisa “Covid-19 Consumer Study”, do IBM Institute for Business Value (IBV), divulgada em matéria da Época, mostrou que o trabalho remoto agradou à grande maioria de profissionais do nosso país. Mas também fez com que perdessem o sono por diferentes motivos:

Entre os millennials (25 a 39 anos), 69% estão preocupados com sua segurança no emprego e 60% disseram que a pandemia afetou sua saúde mental, uma porcentagem mais alta do que todas as outras faixas etárias. Já os baby boomers (55 a 70 anos ou mais) são os mais pessimistas sobre a recuperação econômica, com sete em cada dez relatando que acreditam que a economia de seu país continuará a sofrer uma desaceleração ou declínio significativo. A geração Z (18 a 24 anos) é a mais otimista em relação à economia, com mais da metade afirmando acreditar que a economia se recuperará ao estado anterior à covid-19 nos próximos meses.

A pesquisa capitaneada pela Bots Brasil junto de outras comunidades do ecossistema também possui dados que contribuem com essa reflexão. Saiba de tudo na íntegra, o relatório saiu hoje!

O que conseguimos captar nestes trechos acima e relacionar com os dados de consumo de bots é bem determinante:

  • a chamada "transformação digital" aconteceu MESMO da noite pro dia, tanto dentro das empresas quanto fora delas;
  • as empresas querem comprar novas tecnologias pra continuar investindo capital no processo de digitalização;
  • metade dos negócios brasileiros voltaram parte do seu quadro de profissionais para a indústria de bots;
  • cada grupo geracional possui preocupações diferentes quanto à pandemia, apesar de aprovar o "home office".

Me parece simples compreender que não foram só as necessidades de quem usa os chat e voicebots que migraram para a solução digital (caso já não estejam!), mas as de quem está nesse mercado também.

Por exemplo: as mensagens de texto ou voz não podem se repetir porque cair nessa situação de reprompt, geralmente, é sinal de que quem usa precisa de ajuda com a interação, porém, propor algo presencial ou sugerir um deslocamento como solução gera medo de contágio. Só quem já prestou atenção na forma de falar de alguém (prosódia) sabe o quanto o ritmo, a velocidade e a entonação podem reforçar positiva ou negativamente o que dizemos. Alterar a senha do cartão presencialmente se tornou perigoso tanto para quem está trabalhando quanto para a clientela pelos mesmos motivos. Um bot quando bem situado nos dois contextos, de quem faz e de quem usa, e tendo amparo tecnológico pode dar conta dos dois casos, mantendo as mesmas medidas de segurança da informação.

Os contextos de todos que se envolvem nessa equação mudaram completamente. Eles se interligam e são paralelos.

Agora, se nessa indústria, estamos todos em uma espécie de existência virtual que deixará seus rastros, sejam eles processuais e/ou psíquicos, como trazer o toque de humanidade para o dia-a-dia no trabalho e, consequentemente, para as experiências com os chat e voicebots que entregamos? Estamos deixando de renovar nossas próprias experiências de interações genuinamente humanas — por uma boa causa! — ou aprendendo na marra como a comunicação digital deve funcionar entre humanos e máquinas?

Touché! 🎯

🙏🏿 O toque humano está na qualidade das informações e interações entre humanos e humanos durante a construção dos robôs para humanos

Essa reflexão me lembrou do seguinte trecho do excelente "Teoria das Mídias Digitais", um dos livros que mais me orgulho de saber que existe:

“Uma característica das interfaces contemporâneas é o que alguns autores, como Bolter e Grusin no livro "Remediation", chamam de “transparência” ou mesmo “invisibilidade”: elas permitem uma interação de tal maneira rápida e dinâmica com os equipamentos digitais que os usuários não reparam na sua existência, mas se concentram nas mensagens e nos conteúdos que chegam a partir das interfaces. (MARTINO, Luis Mauro Sá. 2014, p. 227).

O capítulo que destrincha esse pensamento com maestria se chama “Interfaces: ver, ouvir, sentir a linguagem”.

Um dos caminhos que proponho é esse: verificar se as mensagens e os conteúdos ainda ditam o caminho para o sucesso da experiência, seja ela corporativa (humana-humana) ou de prestação de serviço (robô-humano). Como já disse Rogério Lourenço na última live de 2020 da comunidade VUI Design BR, a humanização das interfaces conversacionais está no processo, não na forma! O processo depende das informações em circulação e vice-versa. E é o resultado do processo que gera o conteúdo da implantação e/ou curadoria dos chat e voicebots. Precisamos d ferramentas de comunicacao e co-criacao? Mais do que nunca! Mas elas devem estar à nossa disposição, nem de logem parecem ser o único fator determinante. Portanto, vamos refletir o que você e eu nos nossos cargos, sejam de analista ou nível executivo e dentro dos nossos limites físicos e/ou psicológicos, estamos fazendo para que as informações cheguem nas pessoas. Você escuta pra responder ou pra compreender? Você escuta ou só espera a sua vez de falar? Batendo de forma resumida na mesma tecla, somente em quem for humano, no significado mais puro da palavra, é que encontraremos o toque humano, característica que pode e deve se estender para as soluções com bot ainda mais nesse 2021. Se notar a humanidade do bot já era um diferencial, agora é uma vantagem competitiva! 😷

Vamos HUMANAR em 2021 — na medida do possível!

Em um feedback mais despojado com um colega de trabalho em Dezembro, conversamos sobre a espontaneidade nesse modelo "remoto first". "Como ser espontâneo só pela ferramenta de chat aqui do trabalho, Jana? Sem nenhuma oportunidade de almoço, café ou visita de mesa em mesa?", disse ele. Eu respondi: "Essa pergunta não tem uma resposta fácil… Acho melhor experimentarmos situações e irmos nos descobrindo. Imagino que ninguém tenha o protocolo de humanização para quem tinha o costume de ver e tocar as mesmas pessoas que agora só aparecem pelo computador e/ou celular."

Aliás, adoraria receber ideias nos comentários e fico à disposição para trocar experiências recentes. 🫂

Por enquanto, sigo esperando pelo dia no qual poderei reencontrar o autor do livro que citei, meu professor de faculdade, para olhar no olho dele sem nenhuma outra interface mediadora, como ele mesmo frisou na mensagem que escreveu, e dizer o quanto seus ensinamentos fazem a diferença na minha vida até hoje.

Também acredito que abordagens como essa ao lado traduzem bem o caminho que comentei: tomar consciência (nunca é tarde!) de que o contexto de pandemia afetou, primariamente, quem faz bot e, consequentemente, de quem usa o bot, é essencial para que consigamos manter o toque humano nas interações ou iniciar a busca por ele.

Por fim, deixo a sabedoria de Maya Angelou, mulher negra e escritora que morreu aos 86 anos: "Se você estiver sempre tentando ser normal, você nunca vai saber o quão incrível você pode ser."

Imagem com “as mãos de uma pessoa em destaque fazendo um bordado em ponto cruz” e o título deste artigo em destaque “(Onde fica) o toque humano de quem trabalha com chat e voicebots durante o cenário pandêmico de 2021”. Foto por Nathana Rebouças no Unsplash

Este artigo faz parte da série 21 em 2021 do Bots Brasil ✨

Compartilhe com pessoas da sua rede, deixe um like, um comentário e para conferir os outros 20 textos da série da comunidade, acesse: https://bit.ly/2021botsbrasil

--

--

Janaína Pereira
Bots Brasil

+9 anos em VUI e Conversational Design. Founder das comunidades VUI Design BR e Women In Voice. URAs, assistentes virtuais, VDAs, voicebots, speakers e gente ❤