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Por que somos conversacionais?

Yasmim Costa
Bots Brasil
Published in
4 min readJun 15, 2018

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Esse texto nasceu da ideia de um outro texto. Há um tempo, estou pensando em escrever sobre os detalhes que fazem um diálogo realmente ser conversacional (no sentido de ser mais parecido com como as pessoas se comunicam no português brasileiro falado). Porém, antes de mais nada, surgiu a necessidade de explicar por qual motivo defendo esse tipo de diálogo.

Vale lembrar que estou usando o termo “conversacional” para se referir a diálogos que usam (ou tentam usar) a metáfora da conversa humana (voz gravada em estúdio, marcadores de discurso, entonações de voz características de uma interação humana, textos quebrados (no caso de chatbots) etc).

A primeira coisa que precisamos pontuar é que não queremos parecer humanos. Parecer humano, na verdade, pode ser pouco vantajoso quando tratamos, por exemplo, de reconhecimento de voz para grupos da população que ainda não estão acostumados com automação — as pessoas tendem a interagir de uma maneira que fica impossível prever a conversa, diminuindo as chances de reconhecimento.

Porém, mesmo com alguns desafios, advogo por “falar a mesma língua” que os usuários e usuárias, porque isso nos traz benefícios “cerejas de bolo”, costumo dizer. E é bom para a experiência como um todo. Os benefícios “cerejas de bolo” são aqueles que são intangíveis, que são difíceis de mensurar em números, mas que fazem com que as interações criem vínculos e conexões importantes e positivas com as pessoas.

Tentei listar 5 bons e principais motivos para a pergunta:

Por que conversar?

1- A gente conversa nesses canais porque é natural para as pessoas conversarem nesses mesmos canais

As nossas interfaces dominaram alguns canais dos quais as pessoas já estavam acostumadas a conversar umas com as outras, como conversas ao telefone, conversas no Messenger etc. Ir para esses canais sem ser conversacional é quase como retroceder ao padrão de interação que essas pessoas já estão familiarizadas e isso pode ser negativo para a experiência delas como um todo.

2- Se conversarmos, as pessoas não vão se preocupar em serem entendidas pela interface

Se a gente fala do jeito do usuário, ele tende a achar a aplicação mais fácil, porque parte do pressuposto que a máquina entenderá sentenças comuns aos dois.

Alguns usuários e usuárias, com “medo” da aplicação, tendem a dar respostas incomuns e robóticas, por exemplo:

- Você já pagou?

- “EXATO”

Esse é o típico caso do usuário que não sabe o que falar para a máquina porque se preocupa com o que ela pode ou não reconhecer.

“Falar o mesmo português” que o usuário e “conversar” com ele ajuda a minimizar esses casos e melhora a experiência do usuário, já que ele não vai precisar se preocupar em “adivinhar o que a máquina está programada para reconhecer”.

3- A gente só conversa porque todo mundo pode conversar

A fala é uma coisa incrível, todo mundo tem um jeito de falar. Porém, existem algumas características do português falado que são comuns à maioria (e são os linguistas que dizem isso!).

Se usarmos essas abordagens, estaremos atingindo o maior número de pessoas e não “limitando” a interação.

Uma senhora de 60 anos tem que poder conversar com a máquina e um adolescente de 18 anos também. O público-alvo precisa ser levado em conta, mas as interfaces precisam ser intuitivas para todos — isso é muito mais realidade quando trabalhamos com agentes virtuais ativos (nunca se sabe quem vai atender a ligação de um telefone fixo).

4- A gente precisa conversar porque diálogos conversacionais são mais dinâmicos e menos cansativos

- “já paguei”

-Não entendi. Pode repetir?

- “já paguei”

-Não entendi. Pode repetir?

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Diálogos conversacionais tendem a ser mais dinâmicos, porque se baseiam no jeito que as pessoas falam e a fala é dinâmica, tem entonações e jeitos de falar diferentes. Em uma fala entre dois humanos, o diálogo acima não existiria (pelo menos não com a mesma entonação ou energia de voz).

5- Conversar é importante porque diálogos conversacionais são mais fáceis de serem entendidos cognitivamente

No livro “A frase na boca do povo” do autor Hudinilson Urbano, tem um trecho que diz o seguinte:

“…na conversação diária, grande parte do que é dito é entendido até mesmo antes de ser completado.”

Isso significa uma coisa simples: que temos o cérebro preguiçoso! Sim, o nosso cérebro é preguiçoso, mas não é por mal, é só um jeito que ele tem de poupar energia. Ele faz isso identificando e reconhecendo padrões.

Então, quando falamos a mesma língua que os usuários, tende a ser mais fácil para eles processarem a fala e a informação cognitivamente.

Você já conversou com alguém que tinha um vocabulário muito rebuscado e usava palavras que não eram comuns ao seu vocabulário? Apesar de ter sido enriquecedor, poderíamos dizer que foi cansativo para o seu cérebro, que não estava acostumado com as palavras.

Imaginemos o cenário em que eu te ligo e falo:

- Alô, eu gostaria de falar com a Maria, é você?

-Não tem ninguém aqui com esse nome

- Ah, então desculpa, foi ___________.

Antes mesmo de eu finalizar a frase, o seu cérebro já completou a sentença com a palavra. Isso acontece porque eu usei uma expressão comum à maioria. Isso torna o meu diálogo “cognitivamente mais fácil”.

Bom, conversar é um caminho sem volta, a gente não para nunca mais. Daqui para frente, é só evolução de contexto e interação. Lembram de mais motivos?

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Yasmim Costa
Bots Brasil

From Brazil - Having a degree in Social Communication, I've always written. Nowadays, conversation design www.linkedin.com/in/yasmimcosta/