Robôs que cooperam com a gente 🤜💥🤛 — Parte 1

Roc de Castro
Bots Brasil

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Como evoluir usando o Cooperative Principle na vida, em chatbots e assistentes de voz.

Não importa se você é dos tempos do onça, do modem, do mobile. Ou do Black Mirror. A evolução acontece aos trancos e barrancos. O que nós somos hoje tende a ser o resultado de ciclos de design e redesign da nossa versão 1.0, para melhor ou para pior, de momentos de descoberta, frustração e adaptação.

No episódio anterior da série Robôs, conversamos sobre algumas regras implícitas que regem interações humanas em forma de conversas. Esse artigo aprofunda o papo sobre um dos sistemas mais estudados entre essas regras: o Princípio Cooperativo. O plano dos próximos textos é trocar algumas ideias, referências e dicas práticas sobre:

  • Como evoluímos a partir da linguagem.
  • Como aplicamos essas estratégias nas conversas que travamos diariamente.
  • Como fazer um redesign em interações conversacionais que violam os princípios cooperativos.

Aviso legalzão: os exemplos do antes e depois que vou usar aqui foram inspirados livremente em experiências profissionais em que bati a cabeça na tentativa de aplicar os princípios de cooperação. Confesso que nem sempre consegui por limitações dos projetos mesmo. Muito da missão do designer de conversas é, além de tudo, argumentar sobre os seus pontos e convencer outras áreas sobre a importância de testar suas hipóteses a partir de rodadas de testes com usuários reais.

E a ideia desse texto surgiu a partir do incentivo, conversas e comentários de colegas que trabalham com chatbots e VUI. Valeu, Sueliton Ribeiro, Ariana Dias Neves e Caio Calado ❤. Estamos sempre compartilhando uma tonelada de referências. Se você também quer entrar pro bonde do bot, vem pro grupo da comunidade Chatbot Brasil no Facebook, vem.

A teoria da fofoca é o máximo. Digo, uma máxima.

Nossa linguagem evoluiu como uma forma de fofoca. De acordo com essa teoria, o Homo sapiens é antes de mais nada um animal social. A cooperação social é essencial para a sobrevivência e a reprodução. Não é suficiente que homens e mulheres conheçam o paradeiro de leões e bisões. É muito mais importante para eles saber quem em seu bando odeia quem, quem está dormindo com quem, quem é honesto e quem é trapaceiro.” — Yuval Noah Harari

Esse trecho do livro Sapiens: Uma Breve história da Humanidade faz uma ponte com o Princípio Cooperativo e suas aplicações. Vou tomar a liberdade de roubar um exemplo do vídeo Applying Built-in Hacks of Conversation to Your Voice UI, registrado durante o Google I/O ’17. Amém again, James Giangola.

“Noite passada, eu vi nosso amigo Chris num restaurante com uma mulher”.

Como animais conversacionais que somos, podemos concluir que essa mulher não deve ser a esposa do Chris. Isso acontece porque o sentido das frases nas nossas conversas raramente é literal ou superficial. Temos o hábito peculiar de fazer implicações e projetar sentidos sobre o que vemos, ouvimos e falamos o tempo todo. E buscamos nossas inferências num repertório de conhecimentos baseados em pequenos mundos compartilhados, uma bolha que contextualiza todas as nossas conversas.

No caso da fofoca sobre o flagra do Chris, se a mulher em pauta fosse a sua companheira (o fato do Chris ser comprometido é um conhecimento compartilhado), o interlocutor poderia ou deveria fornecer essa informação. Com isso, a conversa seguiria adiante mais sussinha, e sem mal-entendidos.

De acordo com a primeira máxima do Cooperative Principle, a Máxima da Quantidade, uma pessoa oferece ao seu interlocutor o tanto de informação necessária para a conversa seguir adiante a partir de um propósito compartilhado. Mas sem informação em excesso. E qual é a medida certa? Já vamos falar sobre isso.

BotDoc, o médico de robôs: paciente 1

Tirem seus Google Home e outros assistentes virtuais da sala. Desligue o microfone do celular. Os exemplos a seguir são de fazer o mais frio e pragmático replicante da Skynet levar as mãos à cabeça e perguntar: o que eu fiz nas minhas versões passadas para merecer isso?

Para não envergonhar ainda mais os fatigados algoritmos dos meus pacientes chatbóticos, vou omitir seus nomes e as firmas para quem eles trabalham. Podemos chamar o Bot N° 1 de “o profissional de telemarketing cansado a serviço de uma telecom.”

Contexto: a pessoa tem pressa para fechar uma assinatura de banda larga e, como é nativo digital, prefere conversar com um chatbot do que ficar pendurado no telefone. (Lead quente, não?)

DESIGN

Bot N° 1: Olá! Sou o assistente virtual da Telecom e vou te ajudar a montar um plano. Pode me informar seu CPF, por favor?

Pessoa: Quero uma internet bem rápida pra jogar meu Fortnite sem lag.

Bot N° 1: Desculpe, você digitou um CPF inválido. Lembre-se, esse é um canal exclusivo para novas vendas.

Pessoa: Valeu, robô lixo! Vou fechar pelo site mesmo.

Diagnóstico

Antes de mais nada, não culpo o/a colega designer anterior. Quantas vezes eu já não esbarrei em regras de negócio tipo: “sem CPF, não sabemos se o usuário já é cliente e não podemos deixá-lo seguir no fluxo”.

Então, como podemos fazer um diagnóstico dessa conversa e aplicar algumas máximas do Cooperative Principle para melhorar a experiência?

Primeiro: a pessoa não digitou CPF algum. Identificar isso não é tão difícil para um Bot todo empoderado com processamento de linguagem natural. Não vou entrar em detalhes sobre NLPs e NLUs hoje, mas você pode entrar aqui e aqui para ficar por dentro.

Segundo: “canal exclusivo para novas vendas” é um termo nem um pouco simpático do ponto de vista do usuário. No vídeo que indiquei no início da nossa conversa, eles falam de tech-splaninig, mas nesse caso vou chamar de engenheiro-splaining ou marketing-splaining. Que tal algo simples como: “Comigo, você pode fechar novos planos”, ou “Tô aqui pra fecharmos a internet mais rápida das galáxias”, e por aí vai ?

E, terceirão: com uma forcinha, podemos convencer o pessoal das regras de negócio que, se a pessoa está na fase de consideração para decidir sobre as melhores opções de internet e preços, e não quer informar o CPF… Misericórdia! Porque não, gente? Podemos oferecer a opção de seguir sem CPF, mostrar os produtos e, quando nosso lead pensar “shut up and take all my money” pedir o bendito do CPF.

REDESIGN

Bot N° 1: Olá! Sou o assistente virtual da Telecom. Me conta: você já é cliente, ou quer comprar um plano?

Pessoa: Quero uma internet bem rápida pra jogar meu Fortnite sem lag.

Bot N° 1: Internet, certo! Para te ajudar mais rápido, pode me passar o seu CPF? Agora, se quiser ver nossas superofertas de banda larga sem CPF, sem problemas também! Como prefere seguir?

[Seguir sem CPF]

A teoria da coisa toda

No redesign acima, usei alguns princípios de cooperação com nomes bem bonitos. Você pode saber mais e se aprofundar sobre: “The Informative User”, “Déja VUI”, “Prompting for trouble”, “Informative disconfirmations” e “VUI kitsh”, só para citar alguns insights geniais, no vídeo do James Giangola. Além de outros exemplos e redesigns astronomicamente mais competentes. Sério, vai lá. Hoje vou ficar por aqui e conversamos sobre as outras máximas do Cooperative Principle no próximo episódio. Hasta la vista!

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Esse artigo é o terceiro de uma série sobre mais de 10 chatbots que desenhei em 2018. Um deles é o RocBot, um meta-robô tagarela que nasceu pra fazer um workshop sobre robôs tagarelas. Ah, e você pode ler o primeiro artigo aqui. Até o próximo 👋.

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