Sobre o inspirador Meetup de VUI/SP

Billy Garcia
Bots Brasil

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Esta é a segunda parte de um artigo inspirado no 3º meetup da comunidade de VUI Design aqui de SP conduzido pelas fodonas Yasmim Costa e Janaína Pereira.

Não escrevi a primeira parte porque muita gente mais qualificada já o fez antes, cobrindo praticamente todas as perspectivas de usabilidade, boas práticas e métricas de sucesso possíveis na construção dos chatbots. A idéia desse artigo é discutir outros pontos que não estão ligados a interfaces ou resultados, mas conectados a nossa capacidade cognitiva.

A palavra falada é obviamente mais antiga que a escrita — coisa de 95.000 anos — e como consequência disso, a percepção que temos de uma conversa está muito mais ligada ao comportamento do que necessariamente ao que é falado. No meu segmento de trabalho, orientando o desenvolvimento de chatbots basedos em texto, isso faz toda a diferença, visto que a palavra representa apenas 7% da dinâmica de uma conversa entre duas pessoas. O restante todo fica a cargo de expressões faciais (55%) e tom de voz (38%).

Na prática, isso quer dizer que conversas baseadas em voz são teoricamente mais eficazes ( 7% + 38% ) e por isso, em alguns casos, agentes virtuais podem se tornar indistinguíveis para ouvidos menos treinados. Foi nesse ponto do meetup que começamos a discutir duas ou três regras que usamos — sem nos questionar muito — no desenvolvimento de projetos conversacionais, sejam eles baseados em texto ou voz.

Avaliamos questões como:

Porque estamos tão preocupados em criar fluxos de comunicação cada vez mais complexos quando na verdade o engajamento/entendimento acontece justamente por consequência de sentenças simples?

Ann Wylie, que é uma espécie de guru da escrita e front woman da Wilye Communications — responsável pelo planejamento de conteúdo do governo inglês -, publicou pesquisas mostrando que quando o comprimento médio das sentenças escritas é de 14 palavras, os leitores entendem mais de 90% do que estão lendo, com mais de 40 palavras a compreensão cai para menos de 10%.

Somos pretensiosos demais para enxergar a verdade.

Uma pesquisa recente da americana Gladly apontou que cerca de 69% das pessoas se sente apenas “um número” quando se relaciona com as marcas que consome. Detalhe, o foco da estudo é atendimento humano, e coloca em xeque a questão da “empatia humana” que costuma ser um dos principais pontos de resistência na adoção de tecnologias conversacionais. No geral, as melhores estratégias de comunicação somam o agente virtual ao humano, ao invés de simplesmente excluir um deles.

De acordo com a pesquisa — e numa leitura bastante pessoal — essa questão do atendimento humano ser mais empático não passa de “lenda urbana”, sobretudo num país como o Brasil onde o nível de INsatisfação com o atendimento é altíssimo e a lealdade com as marcas baixíssima (8%).

O relatório produzido pela MindMiners em parceria com a NeoAssist no final de 2018, por exemplo, indica que mais de 70% dos entrevistados pagariam mais por um produto ou serviço que ofereça uma experiência de venda mais satisfatória. O mesmo relatório aponta que mais de 80% dos entrevistados usaram chatbots para resolver suas questões, mas apenas 52% desses usuários conseguiu efetivamente resolve-las por este canal, ou seja, o atendimento no Brasil é ruim no digital e no tête-à-tête.

Os consumidores, no geral, estão tranquilos em usar canais conversacionais para interagir com as marcas que consomem, ratificando com surpreendente precisão a previsão da Gartner de que até 2020 cerca de 85% das interações entre consumidor e marcas aconteceria sem o envolvimento de interfaces humanas.

Pra resumir…

A verdade é que atendemos mal. É cultural e se aplica a praticamente qualquer canal, digital ou não.

Enquanto não mudarmos nossa perspectiva sobre a importância de prover boas jornadas de compra aos nossos clientes, me parece que a preocupação em revelar de imediato ou não que o atendimento está sendo realizado de forma automatizada é bastante secundária.

( Tips and Tricks: Pense em montar fluxos em que o diálogo responsável por introduzir a informação de que o atendimento está sendo conduzido por uma entidade computacional receba o mesmo tratamento, por exemplo, das mensagens de erro, que ficam em clusters de informação que somente são acessadas quando relevantes ao usuário. )

Meninos vestem azul, meninas vestem rosa.

Num universo composto por praticamente 100% de entidades com gênero feminino, os agentes virtuais do sexo oposto chegam a causar curiosidade nessa Themyscira virtual, exceto para questões técnicas…”porque nesses casos as pessoas preferem interagir com uma persona de gênero masculino”.

“As pessoas” quem?

Para essas questões que envolvem gênero costumo ser direto e curto:

A diferenciação da capacidade humana baseada em gênero, numa época em que se discute até nossa percepção sobre o que é gênero, é reflexo direto da orientação profundamente machista que está presente em ambientes virtuais ou não, e que aceita-las como status-quo é de uma “bundamolice” sem tamanho numa época em que toda a resistência é necessária.

Só excluo desse espectro de comparação o caso da Lu, da Magazine Luiza, que é um caso de brand tão fora da curva que merece ser — como costuma ser — caso de estudo e inspiração constante.

( Tips and Tricks: Pensa comigo… se te surpreende — em pleno 2019 — uma mulher exercendo um trabalho habitualmente desempenhado por homens, defender o uso de uma persona feminina para entidades que dominam áreas de conhecimento técnicas deve igualmente surpreender seu usuário final.)

O que nos leva ao meu último ponto…
Persona, ou no caso, como e quando ignora-la.

Padrões e métricas que podemos estar perdendo

Dar personalidade aos elementos, inanimados inclusive, é um hábito humano.

Nos identificamos com os seres mais que com as coisas porque somos animais empáticos, tanto é, que nosso hábito de projetar personalidades nas outras pessoas é no geral o motivo das ciladas com que nos deparamos na vida, seja profissional ou romântica.

Nos últimos anos ensinei literalmente centenas de pessoas na maioria das capitais nacionais a criar personas para chatbots, criei inclusive um set de cartas e um método para pessoas sem qualquer experiência anterior estarem aptas a criar essas personalidades de maneira rápida e eficiente… então, quando defendo “outra visão”, pode parecer estranho, mas não é.

Temos exercido nossas avaliações sobre o que são boas práticas conversacionais baseadas em experiências anteriores de comunicação, no geral, nenhuma delas conversacional. O que quero dizer, é que estamos baseando nossas percepções em experiências anteriores, e que eventualmente podemos perder métricas e padrões de comportamento simplesmente porque a ressignificação de um processo para o outro não é eficaz.

Um exemplo prático.

Já estive a frente de diversos projetos de chatbots de qualificação de leads e nunca reparei se existe um volume ideal de interações para obter os dados que preciso, e que no geral são bem poucos, quatro ou cinco informações como nome e e-mail “bom”. Sabemos por experiência que raramente essas cinco informações serão coletadas com apenas cinco balões de — no meu caso — texto, até porque serão necessários pelo menos dois deles para apresentar persona e identificar os domínios de conhecimento ao usuário.

Aposto que você, ao ler esse artigo, vai ter muito mais facilidade em listar os requisitos das boas práticas de ux e ui para criar um projeto conversacional que identificar de pronto — e isso pode ser uma "pusta" métrica ou insight comportamental — quantos ciclos de conversa são ideais para um agente que tem como função, por exemplo, solucionar abandono de carrinho em ambientes de e-commerce.

( Tips and Tricks: Foco no macro e fé na comunidade. )

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