Você não vai resolver tudo com um bot
Mas isso não significa que eles não sejam muito úteis, ora
Desde que o termo chatbot atingiu o status de ultimate buzzword do mercado digital, muita dissonância tem contaminado os discursos que envolvem esta tecnologia: alguns mais céticos, de pura objeção, outros tantos mais deslumbrados. São justamente estes últimos os que predominam, criando por aí a falsa sensação de que agentes virtuais são a nova pedra filosofal capaz de entregar resultados corporativos como num passe de mágica. Os com Inteligência Artificial, então, vish! A expectativa com esses daí vive lá em cima e, cá entre nós, todos nós sabemos que grandes expectativas são a raiz das grandes decepções, né?
Vamos lá: Chatbots são super legais, mas são interfaces como quaisquer outras e devem ser compreendidos como tal. São facilitadores de soluções! Não meios novos, mas meios distintos de se estabelecer contato com um usuário e ajudá-lo a chegar de outro lado de uma jornada. Eles não vão resolver todos os seus problemas, porém são capazes de ajudar muito. Só que, para isso, precisam ser montados direitinho e com uma boa dose de estratégia.
Ter percepção aguçada a respeito do tipo de dor que está sendo tratada por um bot é o jeito mais eficiente de se montar alguma coisa com consistência. Aplicar metodologias de UX design e de facilitação de discovery de produtos, como a lean inception, é uma boa forma de bater um pouco de cabeça antes de se chegar numa solução redondinha. Entender quais são as diretrizes da sua marca, o que e como você planeja comunicar para as pessoas que conversarem com seu robô (tons de voz, guias de estilística e descrição de uma persona ajudam bastante!) e o que você espera que elas recebam de volta são estratégias de sucesso na construção de boas interfaces.
Foi assim, por exemplo, que uma gigante do ramo de smartphones resolveu investir, no início de 2017, não num robô que realizasse vendas de aparelhos, para economizar custos com vendedores de shoppings, mas sim num chatbot que ajudasse os humanos a performar melhor. Ao entender que a tecnologia cognitiva não teria como substituir um vendedor de loja, com todos os seus trejeitos e simpatias, nem performar melhor que um marketplace, com todos os seus recursos visuais já de bons resultados, a empresa optou por contratar um bot que fosse parceiro dos lojistas, conferindo se todos estavam afiados em relação aos produtos que vendiam; garantindo que todo o estoque estivesse sempre renovado e funcional; servindo como interface de onboarding para novos colaboradores; e servindo sempre de apoio com dúvidas a respeito de características de aparelhos. O resultado? 92% de taxa de engajamento, 100% de ganho de performance em conhecimento de produtos e metas anuais de vendas superadas em mais de 4 vezes. Tudo graças ao simples processo de entender a fundo o que poderia ser resolvido com cada tipo de interface.
E o que falar de uma companhia de aviação, pioneira no uso da implementação de processamento de linguagem natural no WhatsApp, que não se afobou em sair vendendo passagens pelo canal, mas teve a presença de espírito de olhar para dentro e perceber que seu callcenter interno estava sobrecarregado de demandas estúpidas e triviais, deixando soterrados problemas mais graves? Imagine você: sua empresa tem monitores de voo precisando de apoio de um profissional dedicado, que não pode atendê-los porque está resetando senha de e-mail do pessoal do marketing? É de doer, não? E foi em cima dessa percepção que, em um mês, 120% dessas demandas estavam devidamente automatizadas, com queda do tempo médio de atendimento de 14 minutos para 30 segundos. Não é pouca bobagem. E, tenham certeza, pode ter resolvido a vida de muita gente de maneira indireta.
Esses foram dois exemplos de casos abertos e resolvidos aqui no Brasil, de forma simples, barata e prática. A gente sabe fazer isso, e muito bem, por sinal. Vivo pensando que devíamos aproveitar um pouco melhor nossa propensão natural a falar pelos cotovelos.
Por isso, antes de olhar com deslumbre para toda mística circundando os chatbots e seus potenciais de magia negra, que tal olhar com objetividade e de maneira curta e grossa para nossos problemas reais? Talvez, assim, consigamos reduzir nossas taxas de objeção às novidades para extrair o melhor que elas têm a oferecer.