Voz masculina ou voz feminina?

Yasmim Costa
Bots Brasil
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4 min readAug 25, 2019
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Nas conversas com novos clientes, é normal aparecerem dúvidas, algumas delas são recorrentes.

Uma que sempre surge é:

“qual voz eu posso colocar na minha aplicação, Yasmim, feminina ou masculina?”

Bom, eu resolvi escrever um pouquinho sobre a minha opinião, baseada nas minhas experiências diárias com interfaces de voz (tanto consumindo como desenvolvendo).

Só antes de continuar, gostaria de pontuar que não estarei me referindo às assistentes ou “interfaces devices” (Alexa, Google Home etc), esse seria um outro tipo de discussão, já que, em sua maioria, possuem a voz feminina como default, mesmo que a masculina já esteja disponibilizada em alguns devices.

Bom, vamos lá:

Toda vez que leio alguma matéria sobre preferências em relação à vozes, me pergunto qual metodologia foi usada para a pesquisa. Abaixo, inseri três recortes de matérias, que, apesar de antigas, vão nos ajudar a ilustrar bem o texto:

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Na matéria intitulada “Centrais de atendimento agora têm voz masculina” que saiu na Folha de São Paulo (Cotidiano) no dia 08 de maio de 2010, logo no começo do texto, temos as seguintes sentenças:

“A razão: pesquisa da operadora aponta que a maioria prefere ouvir um homem -61%, entre cem entrevistados. Bastou para a operadora de celular aposentar a voz feminina.

“Os clientes ficam mais confortáveis ao interagir com a voz masculina e com a entonação que demos”, afirma Tomas Spedaletti, diretor de projetos de call center da Net.”

De novo, como não tive acesso à metodologia da pesquisa, fico me perguntando como ela foi realizada. Será que os pesquisados tiveram chance de ouvir mais de 15 vozes masculinas e mais de 15 vozes femininas (a quantidade de vozes citada é apenas um exemplo) para chegarem a uma opinião efetiva de preferência?

Gosto da parte que Spedaletti fala “com a entonação que demos”, isso pode dar a entender que eles se basearam não só no gênero da voz, mas talvez, em características sonoras mais complexas (abordagem, entonação, energia, volume, timbre etc).

O final do texto traz a seguinte afirmação:

“Mas há diferença entre a voz masculina e a feminina? “O tom mais grave da voz masculina denota mais seriedade. A voz aguda transmite imaturidade”, diz Sandra Pereira, especialista em telemarketing da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia.”

Será que isso é uma verdade universal? Quantas vezes você já ouviu homens com tons de voz mais graves que pareciam imaturos? E quantas vezes você já ouviu mulheres (com tom agudo) que transmitiam muita seriedade? Uma voz adolescente (masculina ou feminina) soará mais imatura do que uma voz madura (masculina ou feminina)?

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Em uma outra matéria (“Qual é a melhor voz para uma máquina?”, publicada pelo Correio Braziliense no dia 19 de outubro de 2012), é mostrado um estudo americano que usou várias vozes masculinas e femininas (que bom!) para descobrir a preferência de um público e o resultado foi que, em sistemas de URA, as vozes masculinas foram consideradas mais “usáveis” (com mais usabilidade), mesmo que os dois gêneros tenham sido considerados “confiáveis”.

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Recentemente, fizemos, na Olos Tecnologia e Sistemas (empresa onde trabalho atualmente), um teste A/B, comparando 1 voz masculina e 1 voz feminina em uma aplicação específica (a quantidade de vozes foi proposital para só analisarmos o gênero).

Não chegamos a nenhum resultado conclusivo sobre a preferência dos usuários sobre o gênero e, mais uma vez, me deparei com o que venho respondido há algum tempo aos clientes:

Temos que considerar que a voz carrega características além do gênero apenas. Timbre, tom, entonação, idade da voz, tudo isso compõe uma personalidade sobre aquele “robô” do outro lado da linha.

Pensando em cultura, claro que temos que levar em conta os papéis que tiveram homens e mulheres em nossa sociedade até hoje, como foi imposto o papel colaborativo, afetivo e acolhedor às mulheres (consequentemente, às vozes femininas) e o papel objetivo, assertivo e especialista aos homens (consequentemente, às vozes masculinas).

Mas isso não quer dizer que, se a sua aplicação roda bem com uma voz masculina, ela terá os mesmos resultados com qualquer voz masculina. E isso também não quer dizer que, se você quer passar um tom acolhedor na sua aplicação, você terá que usar uma voz feminina.

Então, proponho a reformulação completa da pergunta e, a partir de agora e da próxima vez, a dúvida será:

“qual voz eu posso colocar na minha aplicação, Yasmim, uma que transmita credibilidade, simpatia, acolhimento, mas de que tipo, em qual timbre, em qual tom, em qual abordagem, em qual entonação, em qual harmonia, em qual idade etc etc etc?”

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Não prometo responder de primeira. Levaria um tempo considerável para fazer estudos específicos a cada nova aplicação (e são muitas entrando em produção todos os meses). Por isso, a estratégia é ter na manga vozes que já são bem sucedidas em seus arquétipos, composições e interações e ir distribuindo de acordo com o objetivo de negócio de cada interface (é o que fazemos atualmente).

Mas também não prometo acertar de primeira, cada público é um público e antes da interação real com o usuário, tudo é teoria.

O mais importante é acompanhar os resultados periodicamente para se adaptar às necessidades de negócio e preferências emocionais de cada grupo, atualizando a cartela de vozes, fazendo sempre questionamentos complexos para desconstruir o senso comum e, assim, evoluir cada vez mais nas nossas interações Humano ❤ Robô.

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Yasmim Costa
Bots Brasil

From Brazil - Having a degree in Social Communication, I've always written. Nowadays, conversation design www.linkedin.com/in/yasmimcosta/