Realização de partidas no exterior, contratação de jogadores, programas de fidelização e conglomerado de clubes são algumas das formas que clubes e ligas têm de internacionalizarem suas marcas (montagem elaborada pelo autor)

Como clubes e ligas de futebol buscam a internacionalização de suas marcas?

Feita de diferentes formas, a internacionalização depende da estratégia de cada instituição

Theodoro Montoto
Published in
8 min readNov 15, 2021

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É evidente as mudanças que a tecnologia e o rápido acesso à informação acarretam na sociedade. Muitas pessoas compartilham as mesmas roupas, alimentação, gosto musical, etc. mesmo vivendo em polos opostos do mundo e por isso marcas globais conseguem um papel de destaque em um contexto em que produtos/serviços necessitam de menos adaptações entre mercados.

Especificamente no contexto do futebol, o maior acesso à partidas e informações permitem que a nova geração de “Enzos” tenha acesso facilitado a clubes de diversos países com os quais passam a externar simpatia, e às vezes até mesmo passam a se declarar torcedores de clubes estrangeiros.

Esta realidade, porém, também é fruto de diversas ações que os próprios clubes e ligas passaram a adotar para alcançar novos públicos. O processo de internacionalização é abrangente, pois pode ser alcançado de várias formas, desde as mais complexas, como parcerias estratégicas entre times, até uma simples tradução de meios de comunicação dos clubes.

Internacionalização

A internacionalização se dá com a expansão de uma marca através do contato com o exterior. Este movimento ocorre geralmente para buscar novas fontes de recursos, informações e clientes, o que geraria economias de escala, vantagens de localização, expansão do público-alvo e certa proteção de riscos e incertezas do mercado doméstico (burocracias, questões econômicas, sociais, políticas, etc.).

Para internacionalizar uma marca, uma empresa, de uma forma geral, poderia começar exportando seus produtos, licenciá-los, elaborar alianças estratégicas e adquirir novas empresas. Segundo o livro “Estratégias e Processos de Internacionalização”, há quatro estratégias para uma marca se lançar no exterior: exportação, multidoméstica, transnacional e global, demonstrada na imagem abaixo de acordo com necessidade de adaptação do produto e custos:

Estratégias Corporativas Internacionais (fonte: adaptação de Manuel Maçães)

De forma simplificada, a estratégia de exportação foca em seu mercado doméstico e exporta esporadicamente seus produtos, que não precisam sofrer grandes alterações. A estratégia global busca uma competição global e economias de escala, mas por serem atuações mais frequentes custam mais do que a estratégia anterior. Já as empresas que adotam medidas multidomésticas, customizam seus produtos às condições locais e por isso, requer altos investimentos e por último, uma estratégia transnacional seria um “meio termo” entre a global e a multidoméstica por buscar aliar eficiência e condições locais.

Internacionalização no futebol (clubes e ligas)

Comunicação

Buscando aplicar estes conceitos no mercado esportivo de futebol, começa a ficar mais claro quais caminhos seguem alguns clubes e ligas. A adaptação de canais oficiais das entidades esportivas é uma das tarefas mais simples a serem implementadas. Grandes marcas se acercam do torcedor estrangeiro se comunicando através de seu idioma local.

Os sites de Real Madrid e Bayern de Munique, por exemplo, são disponibilizados em 9 idiomas, o que abrange a possibilidade de acesso e relacionamento com diversas pessoas ao redor do mundo. Mais do que isso, alguns clubes dão um passo adiante e adaptam sua comunicação e usam expressões, gírias, imagens e até memes específicos de cada cultura/língua. Como exemplos interessantes, os perfis do Monaco, Ligue 1 e Wolfsburg (publicação abaixo) no Twitter cumprem muito bem este papel.

O clube alemão customiza não apenas o idioma, mas também a forma de se comunicar de acordo com as idiossincrasias de cada cultura (fonte: Perfil oficial do Wolfsburg em português no Twitter)

Interações com outros públicos não ficam restritos aos gigantes do futebol mundial como nos exemplos acima, e tampouco apenas aos clubes europeus. Nosso vizinho, o River Plate elaborou um vídeo desejando feliz ano novo chinês que contou com a presença de jogadores do elenco principal e de Lyu Sunhao, chinês das categorias de base do clube (vídeo abaixo):

Expansão da marca no futebol não é uma tarefa exclusivamente de gigantes europeus (fonte: Youtube/ Reprodução)

Jogadores

Este relacionamento entre clubes e países estrangeiros é facilitada e legitimada quando há laços que os unem (como no caso do River Plate que tem um jogador chinês em sua base). Por isso a contratação de determinados atletas não têm apenas benefícios esportivos, mas também comerciais já que podem atrair interesse de outros mercados.

Em texto publicado recentemente, vimos como a contratação de Takashi Inui (e posteriormente de Yoshinori Muto) fez a diferença para aumentar direta e indiretamente as receitas comerciais do Eibar e a audiência da La Liga no Japão.

No começo da temporada passada, o Everton também se estruturou para explorar a chegada de um superstar ao time. O anúncio da contratação de James Rodríguez, na época a 8ª personalidade esportiva com mais seguidores no mundo, contou com a projeção de elementos em sua alusão em diversos pontos do mundo, como Miami, Nova York e Bogotá (imagem abaixo):

A Torre Colpatria, ponto turístico de Bogotá, foi projetada com número de James e as cores do Everton (fonte: MKT Esportivo)

A campanha segundo o próprio clube, alcançou mais de 400 milhões de pessoas, alinhada com a estratégia de internacionalização do clube, que pretende abrir um escritório nos Estados Unidos. Concomitantemente, o Everton também lançou redes sociais oficiais em espanhol e português.

O diretor de marketing, comunicação e comunidade do clube, Richard Kenyon demonstrou a importância da contratação de James:

“O anúncio do James Rodriguez como jogador do Everton é, obviamente, um grande momento para nós em termos de crescimento de nosso perfil internacional, principalmente nos Estados Unidos e na América do Sul. (…) Para marcar a chegada de James — e construir uma plataforma forte para atividades futuras — precisávamos garantir que criaríamos um grande impacto global e usamos uma série de táticas para fazer isso (…). O Everton é um grande clube com grandes ambições a nível global e ter James a bordo irá, sem dúvida, nos ajudar a alcançá-las mais rapidamente.”

Na temporada 2017/18 a La Liga seguiu por este mesmo caminho em uma parceria institucional com o governo da Arábia Saudita para fomentar a chegada de jogadores árabes para a competição. A ideia era de consolidar o campeonato no país asiático que, em contrapartida, esperava ter retorno esportivo com diversos atletas treinando e jogando em alto nível.

Na época, nove jogadores (foto abaixo) foram emprestados a sete clubes espanhóis todos de graça, durante seis meses. Além de terem os atletas cedidos sem custos, as equipes ainda tinham direito a receber bônus financeiros por acordos de patrocínio que chegassem a realizar, como aconteceu no caso do Levante com a marca Jawwy.

Três clubes da primeira divisão, Levante, Villarreal e Leganés, e quatro da segunda, Valladolid, Numancia, Sporting e Rayo Vallecano receberam sauditas para suas equipes principais e equipes B (fonte: CIC — Saudi Arabia)

Eventos e produtos

Outra estratégia é levar as próprias instituições esportivas à outras localidades. As competições internacionais de pré-temporada (e nos últimos anos até em partidas oficiais como as supercopas da Itália e da Espanha) se tornaram praxe na última década. Dentre estas, a Premier League Asian Trophy é uma das mais antigas, realizadas a cada dois anos desde 2003. O torneio conta com partidas de ao menos três equipes inglesas no continente asiático, a última disputada em 2019 contou com Manchester City, West Ham, Newcastle e Wolverhampton.

Neste mesmo ano, foi realizada a Bundesliga Experience Brasil, evento que contou com várias atrações relacionadas ao futebol alemão na cidade do Rio de Janeiro, como um telão que exibiu o clássico Bayern de Munique x Borussia Dortmund ao vivo, cabine de fotos com o troféu da Bundesliga, e presença de ex-atletas brasileiros que atuaram na Alemanha.

Há outras formas de se relacionar com outros países e de forma ainda mais constante e profunda. O Villarreal, situado em cidade de apenas 50 mil habitantes, tem escolinhas de futebol em cinco países, oito apenas nos Estados Unidos. Já o Paris Saint-Germain lançou há alguns anos um programa de sócio torcedor exclusivo para brasileiros, o MyParis Brasil (foto abaixo). Os planos dão direitos a acessar o conteúdo da TV oficial do clube, sorteios de brindes, descontos em produtos, e viagens à França.

Programa de ST do PSG pretende explorar um relacionamento maior com o torcedor brasileiro (fonte: Globo Esporte)

Na temporada passada, o Wolverhampton, que conta há várias temporadas com grande influência portuguesa (na atual Premier League, 9 jogadores além do treinador), lançou seu terceiro uniforme que não por coincidência tinha as cores da seleção portuguesa (foto abaixo).

Rúben Neves, volante português com a terceira camisa dos Lobos (fonte: Wolves)

Parcerias

Atrelar uma marca à uma ideia também é uma forma de expandir seu alcance. Um dos pilares do slogan “Mais que um clube” do Barcelona se deu com a parceria com a UNICEF em 2006 por demonstrar uma preocupação global do Barça com problemas sociais e colaborar solidariamente para amenizá-los.

Na Premier League, diversos clubes são patrocinados por empresas de apostas esportivas asiáticas. Mais do que isto, estampam em seus uniformes o nome das companhias em mandarim, como o caso de Burnley, Newcastle e do próprio Wolverhampton da foto acima.

Multi-Club Ownership

Um dos estágios mais avançados e complexos de uma internacionalização é quando vários clubes fazem parte de uma rede controlada por um mesmo dono, também conhecidos como Multi-Club Ownership (MCO). Logo de cara os casos mais conhecidos são os do City Football Group (foto abaixo) e do Red Bull (leia mais aqui).

Além dos dez clubes na foto, o Grupo City também possui o Bolívar, da Bolívia, como parceiro(fonte: CIES Sports Intelligence)

Ambos se beneficiam de compartilhar informações e métodos de gestão e treinamento, além de proteção de “incertezas do mercado doméstico” citado no começo do texto. Um exemplo esportivo-burocrático que representou uma vantagem de fazer parte de uma rede de clubes foi um caso entre as equipes Red Bull.

Em 2014 quando atuava pelo Rapid Viena, o atacante Sabitzer chamou a atenção do grupo, mas um negócio direto entre os clubes austríacos (Rapid e Red Bull Salzburg) envolveria altos valores. Como o jogador tinha uma multa rescisória para equipes estrangeiras de apenas por €2 milhões outra “franquia” do grupo, o Leipzig exerceu sua cláusula de compra, e o emprestou imediatamente ao Salzburg, onde conquistou o campeonato e a copa austríaca, com participação direta em 48 gols (27 gols e 21 assistências).

Seja criando uma rede social em outro idioma, ou comprando uma dezena de clubes, há diversas formas de internacionalizar uma marca, mas o mais importante é alinhar estas medidas com as estratégias dos clubes e ligas. A pergunta natural que surge é: cabe no Brasil? Este é tema para o próximo texto.

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Theodoro Montoto

Formado em Administração pela FAAP-SP. Escrevo sobre gestão e marketing esportivo