Atuesta (colombiano), Cecilio Domínguez (paraguaio), Brenner (brasileiro), Reynoso (argentino), Soteldo (venezuelano) e Piñero (uruguaio), que jogam em equipes diferentes na MLS
Atuesta (LAFC) , Cecilio Domínguez (Austin FC), Brenner (Cincinatti), Reynoso (Minnesota United) , Soteldo (Toronto FC) e Rodrigo Piñero (Nasvhille), são apenas alguns dos sul-americanos atuando na MLS

De estrelas à promessas sul-americanas, a mudança de rota da MLS

Mudanças no perfil das contratações dos clubes da liga refletem incentivos para contratação de jovens atletas

Theodoro Montoto
Box 2 Box
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6 min readAug 9, 2021

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Muitos campeonatos mundo afora possuem posicionamentos bem definidos na cabeça dos torcedores, o que nem sempre é positivo ou verídico. Você provavelmente já deve ter se perguntado onde estará o jogador fulano de tal e concluído consigo mesmo que provavelmente a resposta seria China, “mundo árabe” ou Estados Unidos.

Por vários anos este raciocínio não esteve de todo equivocado, haja vista o fluxo de atletas que caía em esquecimento do público geral e que de fato atuava nestes países. De alguns anos para cá porém, este pensamento já não reflete a realidade, principalmente no caso da liga estadunidense.

A Major League Soccer (MLS) percebida como um retiro de aposentados por abrigar diversas estrelas do futebol mundial prestes a encerrarem suas carreiras, atualmente se tornou um interessante intermediário entre os jovens jogadores que saem da América do Sul e pretendem chegar às principais competições europeias.

Esta mudança se deu principalmente pela expansão da liga e sua crescente atratividade, câmbio favorável e incentivos financeiros indiretos criados pela própria MLS.

Liga em Expansão

Como de praxe no país, a MLS segue um sistema fechado de competição com franquias. Isto quer dizer que não há rebaixamento e sim, a (literal) compra do direito de disputar a competição. A liga que há cinco anos contava com 20 participantes tem hoje 27, e perspectiva de três novos entrantes até 2023.

A próxima equipe a fazer parte da competição será o Charlotte FC que em 2019 pagou o valor recorde de US$ 325 milhões à liga. Alguns anos antes, em 2017, o Atlanta United havia pago US$ 70 milhões, o que representa uma quantidade 4,6x maior em apenas três anos. Esta aumento de preços para que uma equipe faça parte da liga reflete a projeção de ganhos futuros das novas equipes e, o cenário para os próximos anos pode fazer estes valores aumentarem ainda mais.

Isto porque ano que vem teremos uma nova negociação dos direitos de transmissão da MLS, com a expectativa de um aumento considerável em relação aos US$ 90 milhões anuais vigentes. Além disso em 2026 o Estados Unidos serão a principal sede da Copa do Mundo, o que pode impulsionar ainda mais a popularização e desenvolvimento do futebol no país.

Teto de gastos impede atratividade em prol da equidade

Este contexto que seria uma porta escancarada para atrair atletas de alto nível é porém, travada parcialmente pelo próprio ecossistema da liga, já que por lá há um limite de gastos de transferências e pagamentos de salário. Uma franquia pode ter até 30 atletas elegíveis em seu elenco, e teto salarial de US$ 4,9 milhões (que será ampliado US$ 5,2 mi nos próximos anos), sendo US$ 612,5 mil anuais o máximo que um jogador pode receber, distante até dos valores praticados em centros nem tão grandes do futebol.

Para conseguir competir por contratações de alto nível com equipes estrangeiras, a MLS criou então uma categoria chamada de “designated players” (jogadores designados) em que clubes podem pagar salários acima do teto estabelecido, se tornando responsável de arcar com os custos excedentes(entenda mais com vídeo abaixo):

Breve explicação do funcionamento do teto salarial da MLS(fonte: Tifo Football/ Youtube)

Cada franquia pode ter dois designated players(com opção de um terceiro mediante pagamento de US$ 150 mil à liga) com salários contabilizados de diferentes formas de acordo com a idade, graças à uma mudança implementada em 2012.

Os jogadores designados acima de 24 anos entram para a conta de teto salarial da equipe (de US$ 4,9 mi) com o valor individual máximo (US$ 612,5 mil). Já os atletas que se aplicam na categoria young designated players são contabilizados de forma diferente: aqueles entre 21 e 23 anos são registrados com o valor de US$ 200 mil, e os sub-20 são de US$ 150 mil. Ou seja, abre-se espaço na folha salarial do clube.

Além disto, se a terceira vaga de designated player também for ocupada por um jogador sub-23 o clube está isento do pagamento extra, outro incentivo econômico na contratação de jovens promessas.

Estrelas dão lugar à jovens promessas (com foco na América do Sul)

Como consequência, a competição que estava acostumada a abrigar jogadores midiáticos em final de carreira como Didier Drogba, Steven Gerrard, Kaká, Bastian Schweinsteiger, Wanye Rooney que contribuíram muito com sua popularização, muda gradativamente o perfil de contratações.

Além do contexto apresentado, a desvalorização cambial das moedas latinas (veja a comparação com o real no gráfico abaixo) e a qualidade de vida no país faz com que a MLS tenha um poder maior de negociação na contratação de jogadores sul-americanos, servindo de “intermediador” para os principais campeonatos europeus, papel que nas últimas duas décadas é principalmente das ligas holandesa e portuguesa (ainda mais para os brasileiros).

Gráfico da variação cambial do dólar/real de 2012 a 2021 demonstra grande valorização da moeda estadunidense
Conversão Dólar/Real entre 2012 e 2021, por mês. Enquanto em Janeiro de 2012 o dólar era comercializado por R$ 1,75, em julho deste ano, o valor subiu para R$ 5,17.

Segundo apuração própria com base no dados do transfermarkt, em 2012 eram 77 jogadores da América do Sul atuando na liga estadunidense, número que neste ano subiu para 140 (gráfico abaixo), um aumento de 81,8%. Se contabilizássemos também os nascidos na América Central, teríamos quase a metade do aumento: de 148 para 209* (41,2%).

*Os números ainda tiverem ligeira alteração após o fechamento do levantamento. Os brasileiros Luiz Araújo, Léo Chú e Lucas Esteves além de outros sul-americanos como José Mauri, Pedro Vite e Cristian Arango, entre outros também chegaram à liga nos últimos dias.

Gráfico da quantidade de jogadores sul-americanos na MLS de 2012 a 2021 (a cada três anos)
Se a MLS mantiver este ritmo de contratações, teríamos aproximadamente 161 sul-americanos na liga até 2024 (fonte: transfermarkt/ montagem elaborada pelo autor)

Analisando ainda mais estes dados, percebe-se também que houve uma mudança entre as nacionalidades latino americanas. Jogadores de países como Jamaica, Porto Rico e Haiti que antes tinham maior representatividade na liga, deram lugar à argentinos, brasileiros e mexicanos.

Ao longo deste período (2012–2021) a quantidade de jogadores colombianos também teve forte caída. Mesmo assim, é a 4ª nacionalidade mais representada: 20 (antes eram 33), atrás justamente de Argentina(42), Brasil(26) e México(21), países que nunca tiveram tantos jogadores na MLS quanto nesta temporada.

Na temporada 2020/21, 28 atletas destes países desembarcaram para atuar nos Estados Unidos, com destaque para os argentinos, com 17 representantes. Cinco destes se transferiram inclusive, para o mesmo clube, o Atlanta United, o que pode ser explicado em grande parte pela presença do conterrâneo treinador Gabriel Heinze, que deixou o clube recentemente por conta de problemas de relacionamento.

Apenas Marcelino Moreno (ex- Lanús), Santiago Sosa (ex- River Plate), Franco Ibarra (ex- Argentinos Júniors) e Alan Franco (ex- Independiente) custaram € 16,6 milhões à equipe. O 5º hermano, o veterano Lisandro López, chegou de graça, mas também já não faz mais parte do elenco.

Destaque também para venezuelanos e peruanos que tiverem crescentes exponenciais de 3 atletas para 18, e de 1 para 7, respectivamente. Destaque para a compra de Soteldo, ex-Santos, que custou € 5,9 milhões ao Toronto FC. Veja mais no gráfico abaixo:

Gráfico que demonstra quantidade de jogadores argentinos, brasileiros, mexicanos, venezuelanos, colombianos, jamaicanos, haitianos e porto-riquenhos na MLS entre 2012 e 2021
Principais alterações de jogadores latino americanos de acordo com suas nacionalidades entre 2012–2021 (fonte: transfermarkt/ montagem elaborada pelo autor)

A baixa média de idade mostra justamente a tendência de contratação de jovens jogadores, fomentado em grande parte pela categoria de young designated players. Dois brasileiros recém contratados por franquias estadunidenses assinaram sob esta condição: Brenner (que foi para o Cincinnati) e Talles Magno (que se transferiu ao New York City).

O recente relatório publicado pela CIES Sports Intelligence confirma esta tendência: a média de idade dos jogadores que atuavam na América do Sul quando contratados para a MLS é de 23,4 anos, diferentemente do perfil dos que estavam na Europa (26,7 anos), Ásia (27,4 anos) ou até dentro da Concacaf (26,3 anos).

A presença latina não se faz presente apenas em promessas, mas também figuram no topo da lista dos jogadores mais bem pagos da liga, divulgada anualmente pela associação de jogadores. No ano de 2018 por exemplo, três dos dez primeiros da lista eram latinos (dois mexicanos e um argentino), enquanto neste ano o número subiu para sete (três mexicanos, três argentinos e um venezuelano).

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Theodoro Montoto
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Formado em Administração pela FAAP-SP. Escrevo sobre gestão e marketing esportivo