(imagem elaborada pelo autor)

Em time que está perdendo não se mexe: o caso (quase estatístico) do Fortaleza de Vojvoda

Remando contra maré, diretoria do Fortaleza optou pela continuidade do treinador argentino

Theodoro Montoto
Published in
6 min readNov 9, 2022

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Demitir quatro professores durante um ano letivo, quatro ministros da saúde durante uma pandemia ou quatro treinadores durante uma temporada. Independente do contexto, qualquer um desses acontecimentos demonstraria grande incompetência (se não pela demissão, pela própria contratação) da pessoa encarregada em tomar essas decisões.

No futebol brasileiro os gestores porém, mantêm a prática ano após ano. Tanto a Série A como a Série B aparecem no top10 de competições com menor tempo de permanência de seus treinadores: 120 dias (9°) e 104 dias (7°), segundo estudo da CIES Football Observatory, que analisou 126 ligas ao redor do mundo.

Mas ao contrário dos que muitos podem imaginar, manter um treinador, mesmo que em uma má sequência de resultados, pode ser melhor do que sacá-lo. Tudo começa pelos motivos que levam os clubes a demitirem seus treinadores.

Causas das demissões

Um estudo publicado na Sport, Business and Management buscou pesquisar os principais motivos das demissões dos treinadores no Brasileirão entre 2003 e 2018, e suas principais consequências.

1.Rendimento esportivo numa janela de 4 jogos sequenciais (curtíssimo prazo)

Em um período de quatro partidas, a cada ponto desperdiçado pela equipe, a chance de um treinador se manter no cargo na principal competição nacional diminui entre 15,2%(3° jogo anterior) a 33,1% (jogo anterior).

2. Expectativas (superestimadas)

Utilizando algoritmos históricos de casas de apostas profissionais, o estudo concluiu que “as expectativas por resultados positivos aparentam ser superestimadas entre os dirigentes dos clubes participantes”. Dentro de um período de 3 jogos em sequência, quando um clube tem previsão de ao menos conseguir um empate no primeiro e último jogo, a probabilidade de demissão entre 38,1% a 61,6% se os resultados forem negativos.

3. Desempenho em competições paralelas (torneios eliminatórios)

Se um treinador for eliminado da Libertadores, a probabilidade de manutenção no cargo foi drasticamente reduzida para entre 182,4% a 560,6%. O mesmo, porém, não se aplicaria para a Copa do Brasil e Sul-Americana.

Consequências

As consequências das demissões, porém, mostram pouco resultado. No primeiro jogo após a saída do treinador, uma equipe tem chances relevantemente maiores de conseguir ao menos um empate: 27,2%. Depois disso, não houve comprovação científica de melhora no desempenho esportivo nas próximas cinco partidas. Já no 7º confronto os treinadores de fato, aumentam de forma considerável chances de vitória,(30,8%) ou ao menos de conseguir um ponto (40,7%).

Depois do marco da sétima partida, porém, a situação parece se estabilizar e a contribuição do novo treinador volta a não surtir efeitos significativos entre o oitavo e o décimo jogo.

Na contramão deste ciclo vicioso há clubes que decidem manter seus treinadores por mais tempo, mesmo com resultados negativos ao longo do caminho. Casos do Mirassol, em um escalão menor, que não demite um técnico há incríveis 12 anos e irá disputar a Série B em 2023 após dois acessos consecutivos (veja mais), e do Fortaleza, na elite do futebol nacional.

Fortaleza e desempenhos opostos

Após o melhor ano de sua história, capitaneado pelo argentino Juan Pablo Vojvoda, o Fortaleza começou 2022 com grandes expectativas. Iria jogar sua primeira Libertadores, investia em contratações como nunca havia feito antes com a maior compra do atacante Renato Kayzer, a transferência mais cara da história do futebol cearense, e já em abril se sagrava campeão da Copa do Nordeste.

A partir deste ponto, as coias começaram a oscilar. Tentando balancear energias entre Libertadores, Brasileirão e Copa do Brasil em um calendário desafiador, para dizer o mínimo, o clube viu seu desempenho despencar. Sua primeira vitória na Série A veio apenas na 9ª rodada e, apesar de avançar nas copas, a má fase na competição, irritou alguns torcedores do Fortaleza que chegaram a agredir jogadores no desembarque após mais uma derrota. Se mantivesse seu desempenho do primeiro turno, a tendência era que o clube terminasse a Série A com 35 pontos, pontuação de rebaixado.

Tendência de pontuação do Fortaleza caso o clube mantivesse seu desempenho do primeiro turno (imagem elaborada pelo autor)

Para piorar, um dos principais jogadores da última temporada, Yago Pikachu, foi vendido logo depois, para o futebol coreano, o que aumentou ainda mais a preocupação do torcedor. Como consequência, diversos torcedores pediram a saída do treinador, o que não foi concretizada.

Porém, como em um passo de mágica, a virada de turno serviu para mostrar que a diretoria cearense tomou a decisão certa. Além de manter Vojvoda, o clube liberou alguns jogadores, inclusive o próprio Renato Kayzer, e trouxe reposições importantes como Thiago Galhardo, Brítez e Pedro Rocha.

Da primeira rodada do returno, 20ª do campeonato, até a 34ª (última rodada disputada antes do fechamento deste texto), o Fortaleza tem uma campanha de Libertadores, a 4ª melhor da competição.

Regressão à média

Esta melhora súbita, além dos fatores já citados, também poderia ser entendido através da estatística? Uma passagem (adaptada) do livro “O andar do bêbado: Como o acaso determina nossas vidas” do físico Leonard Mlodinow esclarece um pouco a situação:

“Em meados dos anos 1960, Kahneman, deu aulas a um grupo de instrutores de voo da Aeronáutica israelense sobre os pressupostos convencionais das mudanças de comportamento e sua aplicação à psicologia do treinamento de voo. Ele deixou clara a ideia de que a estratégia de recompensar comportamentos positivos funciona bem, ao contrário da de punir equívocos. Um de seus alunos o interrompeu: “Muitas vezes elogiei entusiasticamente meus alunos por manobras muito bem executadas, e na vez seguinte sempre se saíram pior, e já gritei com eles por manobras mal executadas, e geralmente melhoraram na vez seguinte. Minha experiência contradiz essa ideia.” Os outros instrutores concordaram. Para Kahneman, a experiência deles parecia genuína. Por outro lado, ele acreditava nos experimentos com animais que demonstravam que a recompensa funcionava melhor que a punição. E então se deu conta: os gritos precediam a melhora, porém, ao contrário do que parecia, não a causavam. Como era possível? A resposta se encontra num fenômeno chamado regressão à média. Isto é, em qualquer série de eventos aleatórios, há uma grande probabilidade de que um acontecimento extraordinário seja seguido, em virtude puramente do acaso, por um acontecimento mais corriqueiro. Funciona assim: cada aprendiz possui uma certa habilidade pessoal para pilotar jatos de caça. A melhora em seu nível de habilidade envolve diversos fatores e requer ampla prática; portanto, embora sua habilidade esteja melhorando lentamente ao longo do treinamento, a variação não será perceptível de uma manobra para a seguinte. Qualquer desempenho especialmente bom ou ruim será, em sua maior parte, uma questão de sorte. Assim, se um piloto fizer um pouso excepcionalmente bom, bem acima de seu nível normal de performance, haverá uma boa chance de que, no dia seguinte, essa performance se aproxime mais da norma — ou seja, piore. E se o instrutor tiver elogiado, ficará com a impressão de que o elogio não teve efeito positivo. Porém, se um piloto fizer um pouso excepcionalmente ruim, haverá uma boa chance de que, no dia seguinte, sua performance se aproxime mais da norma — ou seja, melhore. E se seu instrutor tiver o hábito de gritar “Seu jegue estabanado!” sempre que algum aluno tiver um desempenho ruim, ficará com a impressão de que a crítica teve efeito positivo. A partir de tais experiências, os instrutores concluíram que seus gritos constituíam uma eficaz ferramenta educacional. Na verdade, não faziam nenhuma diferença.”

Ou seja: confiar no processo de bons profissionais tende, a dar bons resultados. É o que mostra a estatística… e o Fortaleza de Vojvoda.

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Theodoro Montoto

Formado em Administração pela FAAP-SP. Escrevo sobre gestão e marketing esportivo