Ingressos para partida de Liga Europa do Viktoria Plzen da República Tcheca (fonte: Viktoria Plzen)

O dilema da precificação dinâmica nos ingressos de futebol

Modelo que já é aplicado em outros setores ajuda a maximizar receitas, mas pode também prejudicar relação com o torcedor

Theodoro Montoto
Published in
6 min readOct 11, 2021

--

Quanto você estaria disposto à pagar para ir a uma partida de futebol do seu time? A reposta provavelmente será: depende. Muitas variáveis são levadas em conta quando torcedores (de diferentes graus de envolvimento) decidem ou não ir ao estádio. Um clássico em um final de semana provavelmente chama mais atenção do que uma partida protocolar em uma quarta-feira chuvosa, e justamente por isso os preços que as pessoas estão dispostas a pagar são diferentes.

Por outro lado, precificar um produto/serviço também é uma tarefa complexa que assim como o ato de comprar, considera vários fatores. No caso, o preço final não reflete apenas um valor maior que os custos que no final das constas gera lucro. A etiqueta de um produto também informa o seu posicionamento como o que acontece com produtos “premium”, por exemplo, sejam eles joias, carros, roupas etc. que cobram mais por buscarem ser associados com qualidade, exclusividade e status.

Uma prática já estabelecida em vários setores de negócios que surge como possível solução para “afinar” oferta/demanda também na indústria esportiva, é a chamada precificação dinâmica.

Precificação Dinâmica

Diferentemente do que estamos acostumados na precificação estática (que, como o nome já diz, tem o preço fixo — gráfico à esquerda), a precificação dinâmica (gráfico à direita) ajusta o valor cobrado de um bem ou serviço de acordo com a demanda, normalmente ao longo do tempo.

Precificação Estática x Precificação Dinâmica (fonte: Economics Help)

No setor de hotelaria e compra de passagens aéreas esta prática é mais consolidada. Quem procura um voo com antecedência, tende a pagar muito menos do que aquele que deseja viajar amanhã, porque, em teoria, possuem sensibilidades diferentes ao preço. Ou seja, quem posterga a compra para a última hora toparia pagar um valor um pouco acima da média para o mesmo produto, seja por opção ou por urgência.

Precificação Dinâmica no esporte

Nos esportes o San Francisco Giants, do beisebol foi um dos expoentes ao implementar o sistema em 2009. Naquela temporada o clube testou a precificação dinâmica em 2 mil dos 41,5 mil lugares em seu estádio (menos de 5% da capacidade) gerada por um algoritmo que ajustava automaticamente o valor dos ingressos de acordo com diversas variáveis. Após uma amostra de 17 jogos as vendas aumentaram em 20% nas seções testadas, o que resultou em uma receita adicional de meio milhão de dólares.

Já o Derby County da Inglaterra, foi o primeiro clube de futebol a adotar a precificação dinâmica no ano de 2012. Um estudo publicado no European Sport Management Quarterly, que avaliou os preços dos ingressos na temporada 2013/14 mostrou que o clássico contra o Nottingham Forest foi a partida mais cara da temporada. Já os confrontos com equipes menores como Yeovil Town e Bolton tinham preços menores (imagem abaixo).

Faixas de preço das partidas do Derby County na temporada 2013/14 (Kemper & Breuer, 2016)

O estudo também demonstrou a escalada de preços de um mesmo ingresso ao decorrer do tempo. Os ingressos vendidos com 27 dias de antecedência se mostraram em média 20% mais baratos do que os comercializados no dia do jogo, enquanto a véspera das partidas registrava o maior aumento de preços: 4,8% (gráfico abaixo).

A viabilidade deste tipo de precificação em que o ingresso para uma mesma partida possui preços diferentes porém, depende fundamentalmente que a demanda para uma partida seja maior que a oferta. Ou seja, que haja mais torcedores querendo o ingresso do que ingressos disponíveis à venda. Por isto poderia ser considerada de difícil implementação em uma grande maioria dos clubes brasileiros, por exemplo, além dos custos de tecnologia, claro.

Média dos preços dos ingressos do Derby County de acordo com a antecedência das partidas (Kemper & Breuer, 2016; montagem elaborada pelo autor)

O Arsenal também discrimina o preço das partidas para os detentores de season tickets (carnês para todos os jogos da temporada), porém de forma um pouco diferente. De acordo com “níveis anteriores de demanda e interesse”, os jogos são agrupados em cinco categorias: A,B,C, EL4 e EL3 (leia aqui). Os mais importantes, como clássicos, eram de categoria A, enquanto partidas contra equipes como Huddersfield e Burnely eram de categoria C.

Além do “nível de interesse” das partidas, como visto no caso dos clubes ingleses acima, outras variáveis também podem ser levadas em conta ao precificar um ingresso:

  • Clima (calor, chuva etc.)
  • Dia de semana (final de semana x meio de semana)
  • Horário (manhã, tarde, noite)
  • Dia do mês (provavelmente no final do mês muitas pessoas já terão gasto uma boa parte do salário)
  • Setor do estádio (ambiente e distância do gramado)
  • Performance recente da equipe (vem em uma série de vitórias ou perdeu as últimas partidas…)
  • Incerteza de resultado (torcedores tendem a gostar mais de partidas imprevisíveis por considerarem ser mais emocionantes)

Várias destas variáveis foram propostas em outro estudo, desta vez publicado no Axioms, revista científica especializada em matemática, em 2017 sobre uma proposta de abordagem de precificação dinâmica em ingressos no futebol.

Economia (curto prazo) x Relacionamento (longo prazo)

Do ponto de vista econômico parece bastante razoável a implementação da precificação dinâmica já que tende a maximizar a receita de bilheteria dos clubes. A vida real, porém implica em uma análise mais ampla da situação e para isso recorri para alguns pontos da economia comportamental.

Uma das piores coisas para o consumidor é a sensação de que está sendo explorado. Richard Thaler, Nobel de economia, escreveu em seu livro “Misbehaving” um capítulo inteiro dedicado ao assunto: “O que parece justo?”. Para o consumidor seria justo pagar mais por um vasilhame de álcool em gel no começo da pandemia, por exemplo?

Na frieza dos números, quando há muita demanda por um produto, a resposta seria “sim”: é justo cobrar mais por algo que é mais procurado (lei da oferta e da demanda).

No caso da Uber a precificação dinâmica calculada por algoritmos leva em conta variáveis como quantidade de carros disponível (oferta), clima e até porcentagem de bateria do celular. Um cliente que tem pressa em um dia de tempestade com poucos motoristas à disposição e, ainda pior, com pouca bateria, teria uma gigantesca pré-disposição (vulgo “desesperado”) a aceitar qualquer valor mostrado no aplicativo.

Mas para diversas empresas, e principalmente para clubes de futebol, o relacionamento com o consumidor/torcedor deve ser levado em conta. No contexto esportivo em que identidade e senso de comunidade são imprescindíveis, até que nível a precificação dinâmica seria benéfica economicamente sem prejudicar a relação com o torcedor?

Um clube que se propõe a gerar valor em longo prazo rejeitaria veementemente o risco de ser visto como “injusto” ou “ganancioso” por fazer cobranças excessivas (charge abaixo). Isto porque o ganho de curto prazo afetaria diretamente a percepção que o consumidor tem da marca.

Charge critica os preços dos ingressos para a final da Copa do Brasil de 2014 entre Atlético-MG e Cruzeiro (fonte: Rafael Sete)

Esta dicotomia maximização do lucro x relacionamento poderia ser amenizada com personalização, diferenciação, ações de comunicação do produto e, principalmente bom senso dos gestores, para que o preço do ingresso não acabe custando a insatisfação do principal ativo de um clube: seu torcedor.

Me siga para acompanhar outras análises do mercado esportivo:

--

--

Theodoro Montoto

Formado em Administração pela FAAP-SP. Escrevo sobre gestão e marketing esportivo