(montagem elaborada pelo autor)

O que um bom programa de sócio torcedor deveria fazer?

Entenda mudanças nos programas de sócio torcedor no Brasil e suas possibilidades para o futuro

Theodoro Montoto
Published in
8 min readMay 23, 2022

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No final de 2020 apresentei minha Tese de Conclusão de Curso (também conhecido por outros nomes como TCC, ou “Deus me livre disso aí”) para a graduação do curso de Administração na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP-SP). O trabalho, que você pode ler na íntegra clicando no link ao final do texto, pretendia entender e comparar os principais modelos de fidelização do torcedor de futebol: season ticket e sócio torcedor.

Desde então, e ainda mais nos últimos meses, vários clubes brasileiros fizeram reformulações em seus programas associativos, como caso de São Paulo, Vasco, Coritiba, Cruzeiro e Botafogo, buscando atender novas tendências de comportamento e consumo do torcedor.

Mas afinal o que essas mudanças pretendiam resolver e como um programa de sócio torcedor deveria ser estruturado? Para tentar ajudar a responder essas perguntas, resumo e adapto uma parte do trabalho.

Fidelização

Em uma estratégia de relacionamento, os clientes costumam percorrer os seguintes níveis abaixo:

Estratégia de Relacionamento (Fonte: Livro Fundamentos de Marketing de Relacionamento)

Um cliente potencial é aquele que atende todas as condições (econômicas, geográficas, comportamentais, etc.) de adquirir um bem/serviço. Vamos pensar que pessoas de classes C e D não são clientes potenciais de marcas de luxo, como Louis Vuitton ou Gucci, assim como analfabetos e intolerantes à lactose não são os alvos de livrarias ou marcas de iogurte, por exemplo.

Sem entrar em detalhes, depois o cliente pode se tornar eventual, regular e preferencial antes de chegar ao estágio com maior envolvimento entre consumidor e empresa: o de cliente fidelizado.

Vantagens de ter um cliente fidelizado

Ter clientes fiéis é importante para qualquer empresa porque representam ganhos econômicos, e de imagem. Compram produtos da mesma marca por mais tempo (Life Time Value maior, para os administradores de plantão), é mais propenso a comprar outros produtos da marca (Vendas Cruzadas) e de gastar mais em média em cada compra(Up Sell).

Também se tornam uma espécie de embaixadores da marca já que a divulgam de forma espontânea. Isso pode ajudar a dar credibilidade já que algumas pessoas tendem a valorizar opiniões de pessoas próximas ao invés de publicidades nos meios de comunicação de massa, por exemplo.

Por fim, o histórico de compras (dados) dos clientes atuais pode demonstrar tendências a serem aproveitadas pela empresa para servir para segmentar melhor os consumidores, antecipar suas necessidades/desejos, e buscar atenuar problemas, como o abandono de clientes.

Ou seja, reter um cliente representaria receitas futuras, além de menores custos para empresa que não precisaria gastar com campanhas publicitárias para atrair novos clientes, já que um cliente fiel é pouco sensível às ações da concorrência.

Programas de fidelização

Para gerir esses clientes foram criados os programas de fidelidade, muito comuns em setores como os de passagens aéreas, hotéis, cinemas e de cartões de crédito.

Eles buscam recompensar (com descontos, brindes, sorteios, etc.) aqueles que compram com frequência e em grande quantidade, os desencorajando a trocar de marca, e fornecem uma sensação de exclusividade.

A fidelização porém, tem aspectos subjetivos já que depende da percepção de valor e satisfação de cada um. Enquanto uma empresa pode entender que tem um produto muito bom, o cliente pode ter outra perspectiva. Por isso, um programa que abranja diversos tipos de consumidores, é muito importante.

Suas aplicações no mercado esportivo são parecidas, por isso, tudo que você leu até aqui com os termos “cliente” e “consumidor” pode substituir por “torcedor” quase todos os casos. Mas claro, temos algumas diferenças específicas.

O principal deles é um mercado muito abrangente: quem é um torcedor em potencial de um clube de futebol? literalmente todo mundo. O futebol não exclui nenhum tipo de pessoa (como nos exemplos lá de cima de outros mercados), um dos motivos que o fazem um esporte tão maravilhoso.

Outro tópico importante nesta comparação é sobre a “consumir algo da concorrência”. Dificilmente vemos torcedores trocarem de equipe quando há uma quebra negativa de expectativa. O que acontece, porém, é um menor envolvimento dele com o time.

Quer ler outro texto sobre fidelização? Entenda como a Atalanta busca angariar torcedores em uma região dominada por Inter e Milan, no texto abaixo:

Sócio torcedor: o que são

No futebol brasileiro os clubes buscam alcançar a fidelização do torcedor com os programas de sócio torcedor, que oferece ao associado benefícios como desconto ou gratuidade de ingressos, descontos em lojas associadas e experiências exclusivas, mediante a pagamentos periódicos (mensais ou anuais).

Hoje 19 dos 20 clubes da Série A oferecem este tipo de produto (com pitada de serviço), segundo recente levantamento do ge, que somam mais de 812 mil torcedores associados (tabela abaixo):

Números do Athletico são anteriores à maio, enquanto programa do Atlético-GO é diferente dos outros (fonte: Globo Esporte/ Design adaptado)

A única exceção é o Atlético Goianiense que até ano passado não tinha nenhum tipo de produto de fidelização. A justificativa do presidente Adson Batista era de que o torcedor goiano não tinha o perfil de aderir a tal iniciativa, citando os programas de Goiás e Vila Nova como exemplo. Neste ano o clube lançou o “Passaporte Dragão”, que é estruturado de forma muito semelhante ao season ticket, e não como um programa associativo.

Hoje os planos de sócio torcedor são construídos prioritariamente para incentivar a presença de do público nos estádios, oferecendo preferência e descontos/ gratuidade de ingressos.

Para o clube isso representa mudanças no perfil das suas receitas em três frentes: as tornam maiores, antecipadas, e menos voláteis. A presença de mais torcedores também representa ganhos indiretos já que dão aos clubes maior poder de barganha para negociarem com mídia e patrocinadores.

Apesar de todas estas vantagens, um programa construído quase inteiramente sob esse aspecto, perde relevância na parte do ano em que não há realização de partidas.

Sócio torcedor: como deveriam ser

Para ser visto como algo que valha a pena pelo torcedor, um bom programa de sócio torcedor deveria gerir principalmente cinco aspectos: preço, benefícios, segmentações, confiabilidade e criação de comunidade.

Preço: ofertar planos que claramente encorajam o torcedor a se associar, do ponto de vista econômico. Há alguns anos, um estudo do Itaú BBA, mostrou que muitos deles simplesmente não traziam vantagem financeira na compra de ingressos.

Foi estipulada a quantidade mínima de jogos que um torcedor deveria comparecer para que o plano de sócio torcedor fosse fosse mais barato do que se ele comprasse todos os ingressos individualmente. Enquanto o corintiano precisava comparecer a 12 partidas no ano para chegar a esse “Ponto de Equilíbrio”, os associados de São Paulo, Atlético-MG e Palmeiras, deveriam comparecer em ao redor de 50 jogos (nenhum deles realizou este tanto de partidas como mandante naquele ano).

Benefícios: além das vantagens na compra de ingressos, os clubes normalmente oferecem desconto em produtos oficiais e em lojas parceiras, experiências (participar de coletivas, eventos com ex-jogadores, etc.) e sorteios. Benefícios não tão comuns, mas muito importantes, são a participação na vida política do clube (votação) e acesso a conteúdos exclusivos (pré-jogos, entrevistas, etc.).

Diminuir a centralidade do benefício relacionado aos ingressos foi um dos pontos centrais para a mudança do programa Camisa 7, do Botafogo, ressaltado pelo CEO, Jorge Braga:

“O novo modelo irá privilegiar o estímulo ao crescimento de receita através do desenvolvimento de novas ofertas e experiências, e não somente em desconto de ingressos. Neste novo cenário, o programa pretende ser uma das receitas mais importantes receitas do Botafogo nos próximos anos, revertendo parte das perdas de sócios registradas recentemente”

Segmentações: um dos fatores mais importantes para a elaboração de um plano associativo é a formatação de ofertas, baseada no perfil do torcedor. Isso inclui levar em conta centenas de variáveis que vão desde renda, local de residência e idade, até grau de envolvimento com o clube.

Um programa que proporcione encontros com ex-jogadores, por exemplo, pode fazer sentido para o torcedor fanático e mais velho, enquanto conteúdos produzidos pelo clube com melhores momentos da partida ou entrevistas exclusivas, pode se alinhar mais com o torcedor mais jovem e casual. O Coritiba buscou abranger diferentes perfis de torcedores em seus novos planos:

“Nossa ideia é possibilitar uma ampliação maior do acesso a todas as classes e poderes aquisitivos potenciais dentro da nossa torcida. Estamos criando planos com mais flexibilidade, plano voltado a pessoas com menor poder aquisitivo, um plano mais econômico, com caráter social, que terá benefícios; e outros que vão graduando até chegar a um plano premium que possa oferecer mais benefícios e amplitude de alternativas de comodidade ao nosso torcedor”, declarou o presidente Juarez Moraes e Silva.

Confiabilidade: um dos aspectos que o torcedor considera antes de se associar é para onde seu dinheiro irá parar. Um programa confiável passa majoritariamente pela transparência sobre a alocação da verba recebida. No plano “Norte a Sul” do Vasco, por exemplo, toda a receita era destinado às categorias de base do clube (publicação abaixo). Esta é uma medida importante para gerar valor para o torcedor que é identificado com a grande tradição do cruzmaltino em revelar jogadores.

Saber que o dinheiro arrecadado vai para algo considerado valioso pelo torcedor, é algo muito importante nos programas de sócio torcedor (Fonte: Vasco da Gama/ Twitter)

O São Paulo fez a quase a mesma coisa quando reformulou seus planos. O presidente Julio Casares na época ressaltou que 100% do valor recebido seria investido no futebol do clube, fato que poderia ser fiscalizado pelo torcedor através de um extrato mensal.

Criação de comunidade: se segmentação é um dos fatores mais importantes, a criação de comunidade talvez seja “o” mais importante. Dar ao torcedor (seja ele fanático ou casual) senso de pertencimento ao clube e aos próprios torcedores, é essencial. É importante que o associado se sinta mais próximo do clube, e parte de um grupo exclusivo de torcedores. Criar comunidade é um dos principais desafios para clubes com muitos torcedores que vivem fora da cidade onde a equipe é sediada.

E no futuro?

Com o avanço de plataformas envolvendo novas tecnologias, não será surpresa se algumas dessas mudanças chegar nos programas associativos. Uma possibilidade é que eles sejam ofertados utilizando ingressos como NFTs e benefícios como tokens, por exemplo. Dentre suas vantagens (vídeo abaixo) poderia solucionar um dos principais problemas da venda de ingressos de forma geral: a falta de controle do mercado secundário.

Benefícios de ingressos em NFT são citados acima (Fonte: MarketSquare/ YouTube)

(Os exemplos abaixo foram levantados e explicados em texto de Felipe Ribe)

Como os Non Fungible Tokens armazenam dados em blockchain, a autenticidade dos ingressos estaria garantida, assim como quem o possui. Se um torcedor não quiser, ou não puder comparecer a um jogo, pode revender seu ingresso. Para o detentor do plano então, isso representaria uma possibilidade de ganho financeiro. Já o clube, além de receber uma parte deste valor de revenda (royalties), conseguiria controlar os preços máximos e mínimos desta revenda e saber quem é o novo dono do ingresso.

Os benefícios ofertados por um plano de sócio torcedor, como por exemplo, direito a visitar o museu do clube, x vezes ao ano, seriam representados por um token de utilidade. Assim, o torcedor poderia negociar este direito separadamente, vendendo tokens individualmente.

Impressos em papel, enviados via e-mail, ou NFT, se os programas associativos seguirem esses cinco passos, devem ter vida longa e serem valiosos, tanto para clubes, como para seus torcedores.

  • Leia o estudo “Fidelização do torcedor de futebol: um estudo comparativo entre os modelos de sócio torcedor e season ticket” completo clicando aqui

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Theodoro Montoto

Formado em Administração pela FAAP-SP. Escrevo sobre gestão e marketing esportivo