Mano Menezes optou por ser apresentado como treinador do Palmeiras com o número 9 (fonte: Palmeiras/ Reprodução)

Relações Públicas em coletiva de apresentação, o caso Mano Menezes-Palmeiras

Comunicação de crise implementada pelo Palmeiras contribuiu para amenizar parte da grande rejeição da torcida ao ex-técnico do rival Corinthians

Theodoro Montoto
Published in
5 min readSep 3, 2021

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Imaginemos que a empresa em que você trabalha acaba de contratar um profissional que enfrente muita rejeição por um dos seus principais stakeholders e você como funcionário da área de relações públicas — que gere a comunicação nas organizações com o público interno e externo — é o responsável por limpar a barra de seu novo colega.

Em 2019 isto aconteceu com a contratação de Mano Menezes como novo técnico do Palmeiras. A grande rejeição de boa parte da torcida tomava conta das redes sociais e dos debates esportivos na época, que aguardavam a primeira coletiva de imprensa para averiguar como o gaúcho que recém havia se desligado do Cruzeiro se comportaria.

O que prometia ser uma desconfortável apresentação, se mostrou afinal, extremamente proveitosa do ponto de vista do cuidado com a imagem. O departamento de comunicação do clube fez com que as respostas, e outras ações do treinador, fossem muito inteligentes, ponderadas e bem vistas pelos receosos palmeirenses. Os responsáveis pela coletiva acertaram em cheio e demonstraram como se gere uma espécie de “mini gestão de crise” (antes mesmo do funcionário começar a trabalhar) algo praticamente visto apenas nos esportes.

Comunicação de crise

Mas afinal o que é uma crise e como ela pode ser administrada? João Forni, que atuou como diretor de comunicação do Banco do Brasil por quase duas décadas, define estas questões em seu livro “Gestão de Crises e Comunicação”.

De uma forma simples, uma crise seria um evento que afeta ou tem o potencial de afetar a reputação de uma organização e seus envolvidos (funcionários, stakeholders etc.). Sua gestão então, se trata do conjunto de ações voltadas para evitar ou diminuir possíveis danos (imagem abaixo).

Elementos-chave no processo de gestão de crises (fonte: livro “Gestão de Crises e Comunicação”)

Dentre estas ações está a comunicação de crise que é a resposta da empresa (aqui no caso, do clube) ao evento negativo, que busca criar uma espécie de “narrativa” positiva para circular entre as pessoas.

Caso Mano Menezes

Após ter sido campeão brasileiro em um histórico segundo turno invicto comandado por Felipão em 2018, o Palmeiras passou a degringolar depois da parada para a Copa América no ano seguinte. Com as eliminações da Copa do Brasil e da Libertadores, além de uma sequência negativa também no Brasileirão, no dia 2 de setembro foi oficializada a saída de Scolari. Apenas um dia depois a diretoria alviverde escolheu o polêmico nome para o cargo: Mano Menezes, com grande identificação com o maior rival, Corinthians (por onde teve duas passagens, 2008–2010 e 2014).

O trabalho anterior com o Cruzeiro também não ajudava na sua imagem, demitido após conseguir apenas uma vitória nos últimos 18 jogos. Além disto, já era taxado como um técnico defensivo, principal crítica feita ao antecessor, Felipão, principalmente pela qualidade do elenco palmeirense. Estes foram os principais fatores que fizeram sua chegada ao clube ser vista com muita desconfiança.

Enquetes realizadas na época ratificaram a rejeição da torcida, que chegou a colocar a #ForaMano como terceiro lugar nos trending topics brasileiros algumas horas depois do acordo. O clima estava tão quente que até o presidente do Conselho Deliberativo do próprio Palmeiras criticou a contratação pouco antes da oficialização, caracterizando a ação como “burrice” do presidente (Maurício Galiotte) em áudio vazado:

“Sem dúvida, se vier o Mano Menezes seria o caos para nós. Espero que o Maurício (Galiotte, presidente do Palmeiras) não faça essa burrice. Se fizer essa burrice é o enterro do resto do mandato dele”, disse Seraphim Del Grande na época.

Coletiva

Com tanta pressão de diversos lados o que prometia ser uma coletiva incômoda serviu como uma espécie de ponto de inflexão para, se não mudar completamente o descontentamento do torcedor, ao menos apaziguá-lo e melhorar a imagem do novo treinador.

O processo de “convencimento” na verdade, começou antes da coletiva com dois tweets do próprio Mano Menezes que não realizava nenhuma postagem desde 2017. Com tom pacificador, as mensagens citaram um trecho de uma das canções cantadas pelos palmeirenses (“Sou Palmeiras, sim senhor!”), além de fazer um apelo para que o torcedor não o enxergasse como inimigo, tudo isto usando termos na primeira pessoa do plural (nós) — demonstrando pertencimento e união — e finalizou ainda com outro trecho cantado pelos torcedores (“daria a vida inteira para ser campeão”) (publicação abaixo).

(fonte: Mano Menezes/ Twitter Reprodução)

Na coletiva (veja na íntegra aqui) o técnico também já se comunicava com o torcedor sem sequer abrir a boca. Ao invés de ser apresentado com roupa social como de costume com outros treinadores, Mano optou por chegar à sala de imprensa já trajado com o uniforme do Palmeiras (calça e casaco). Já na tradicional fotografia de apresentação posando com a camisa do clube, Mano escolheu o número 9 (foto de capa da publicação), tradicionalmente usada pelos atacantes nos times de futebol, tentativa de se desvincular da imagem de “retranqueiro”:

“Eu pedi a 9 que é para os jogadores não ficarem preocupados que seria mais um concorrente, porque já temos bastante atacante. Eu sempre penso que essas questões são apenas simbólicas. O mais importante é o que está por vir, o que nós vamos fazer”, declarou Mano Menezes.

Durante as perguntas o técnico gaúcho se mostrou muito inteligente e ponderado no teor das respostas e em algumas palavras escolhidas. Em determinado momento se referiu ao Palmeiras como “maior campeão do Brasil”, espécie de slogan do clube, e posteriormente se mostrou conhecedor da história palmeirense ao citar treinadores históricos como Filpo Núñez e Oswaldo Brandão (leia mais aqui).

Posteriormente ainda minimizou o fato de ter comandado o Corinthians ao argumentar que muitos profissionais já haviam feito esse caminho e que pretendia seguir esse trajeto com sucesso (leia outros trechos da entrevista aqui). Depois, ressaltou que sua intenção inicial após a saída do Cruzeiro era a de não comandar nenhuma equipe até o final da temporada. O que fez com que Mano aceitasse o convite então? Segundo ele, o Palmeiras representava uma situação especial, tudo o que qualquer torcedor (e pessoa) gostaria de ouvir.

Após um começo positivo de sete jogos de invencibilidade (5V 2 E) que fez com que sua aprovação aumentasse nas redes sociais, o treinador foi demitido em dezembro, 90 dias após sua chegada, depois de perder três partidas seguidas, a última uma derrota contundente no Allianz Parque contra o Flamengo, por 3x1.

Com um alto aproveitamento (63,3%) em 20 jogos comandando o Palmeiras, Mano Menezes havia perdido apenas uma partida nos primeiros 17 confrontos antes de entrar na sequência negativa que culminou em sua saída. Apesar de ter demonstrado uma comunicação exemplar e resultados positivos, diminuindo sua rejeição, parece que ironicamente, o último grupo a não ser convencido a segurá-lo no cargo, foi o mesmo responsável por sua chegada: os dirigentes palmeirenses.

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Theodoro Montoto
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Formado em Administração pela FAAP-SP. Escrevo sobre gestão e marketing esportivo