A queda da avioneta e a torre dos Congregados

Ricardo Peixoto
Braga de outros tempos
3 min readMay 1, 2018
Basílica dos Congregados, 2017 (©Ricardo Peixoto)

Faz parte da memória comum dos Bracarenses um episódio que relata a queda de uma avioneta, no centro da cidade. Mais especificamente, sobre a Igreja dos Congregados, resultando na morte do seu ocupante, conhecido por ser, na época, director do Cemitério Municipal. Foi em 14 de Julho de 1944, havendo relatos de curiosos que se aperceberam de que a avioneta fazia várias acrobacias cada vez mais perigosas, incluindo alguns loopings, até à sua queda/choque, depois de já ter razado algumas das tílias que existiam nessa altura na Avenida Central. Faz parte também dessa memória o derrube da torre contra a qual a avioneta teria chocado, antes de cair no terraço de umas das habitações vizinhas. No entanto, não é possível que a avioneta tenha derrubado essa torre.

Basílica dos Congregados, até 1958

A construção da Basílica dos Congregados iniciou-se em 1703, sendo o local ainda denominado como Campo de Santana, sendo da autoria do Arquitecto local André Soares e seguiu-se à construção do Convento dos Congregados, cuja obra se iniciou no final do Séc. XVII. A fachada da Basílica foi executada entre 1761 e 1766, embora tenha ficado incompleta, visto que a torre nascente (torre esquerda de quem se encontra voltado para a frente da Basílica) foi erigida sem ser terminada a cúpula e que da torre poente apenas se erigiu cerca de metade do alçado. Só em 1958 se iniciaram os trabalhos para concluir as torres, sendo a torre poente terminada em 1964.

Basílica dos Congregados, Anos 60

O que aconteceu?

O Diário do Minho, na época fixado num edifício vizinho da Basílica, relata o que o seu pessoal assistiu: uma avioneta do Aéro Club de Braga sobrevoava a Avenida Central, fazendo várias acrobacias, tendo chamado a atenção de diversos habitantes e passando diversas vezes por cima do terraço do jornal. O piloto fazia loopings, numa “luta que tanto pôde ser considerada de heróica como de louca, dada a presença de espírito ou domínio de si mesmo do piloto que a conduzia”, conforme o relato da edição do dia seguinte deste jornal. Em novo sobrevoo da Avenida, “a avioneta acabara de fazer novo «looping» e desaparecia para voltar pouco depois, mas desta vez para a morte. Atravessara a Avenida e, a tão baixa altura, que as rodas tocavam nas folhas das tílias, derrubando algumas. Como uma flecha, meteu rumo aos Congregados e, quando todos julgavam que ia de encontro à igreja do extinto Convento, apenas roçou na tôrre e deixou ali parte de uma aza. Seguidamente, perdida a direcção e como uma ave ferida de morte, veio cambaleando e sem govêrno de encontro à parte inferior da chaminé do «Diário do Minho» que, por ser de granito, suportou bem o choque, para se estatelar no pequeno quintal da casa vizinha”. O pessoal do jornal tentou ainda extinguir o fogo que se apoderou da avioneta, com os extintores disponíveis do edifício, não conseguiram dominar o fogo a tempo de salvar o piloto.

Extracto da 1ª página do Diário do Minho de 15 de Julho de 1944.

Portanto, a avioneta despenhou-se depois de ter batido na torre nascente, mas não a derrubou. As memórias e consequentes histórias passadas de geração em geração foram atraiçoadas pela falta da torre poente em 1944, permanecendo o mito popular do derrube da torre por causa do choque da avioneta.

Fontes: Diocese de Braga; Wikipedia; Diário do Minho (Edição de 15 de Julho de 1944); blog Braga Maior; Grupo do Facebook “Memórias de Braga”. Citações retiradas do Diário do Minho encontram-se escritas conforme a grafia original.

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Ricardo Peixoto
Braga de outros tempos

Professor e investigador em Psicologia. Curioso sobre vários outros assuntos. Professor and researcher in Psychology. Curious on several other subjects.