Ana Paula Xongani

Discursos para vestir

Mariana Castro
bradesco
Published in
7 min readDec 3, 2018

--

Um discurso para vestir. É disso que se trata o negócio de Ana Paula Xongani. De um lado, uma marca de roupas e acessórios que leva o sobrenome da família, carregada de significado e ancestralidade, cujo pilar é a cultura afro. De outro, um canal na internet em que a empreendedora, de fala rápida e sorriso largo, amplifica sua mensagem: que, a partir da moda, cada pessoa, cada mulher negra, encontre sua autoestima e, consequentemente, suas maiores potencialidades.

foto: arquivo pessoal

Ana Paula tem propriedade no assunto. Sua mãe, Cristina, faz as roupas que a filha usa.

“Na minha casa, moda sempre foi uma forma de ativismo. Minha mãe enfeitava meu corpo para que eu pudesse enfrentar o mundo lá fora.”

Foi nesse contexto que em 2008, ao se formar na faculdade de Design de Moda na Belas Artes, Ana Paula desembarcou em Moçambique. A ideia era continuar a pesquisa sobre cultura afro que havia começado paralelamente à graduação. A viagem rendeu. Lá, ela se deparou com uma enorme variedade de estampas. Desenhos e combinação de cores diferentes de tudo que já tinha visto por aqui.

Ana Paula Xongani e sua mãe Cristina

Foram os tecidos que a inspiraram a ligar para a mãe e fazer um acordo com ela. Para trazer as peças, precisava deixar para trás o próprio guarda-roupa. A condição era que Cristina providenciasse um novo para a filha. Feito!

Começava assim a primeira coleção da Xongani. Com a missão de refazer um guarda-roupa e uma mala recheada de tecidos de Moçambique, mãe e filha trabalharam juntas. Ana Paula desenhava e Cristina costurava. As peças começaram a fazer sucesso entre amigas e conhecidas e as duas viram ali que existia uma enorme demanda no mercado. Mais que isso.

Ana Paula conta que aquele era um momento em que as mulheres negras estavam ampliando a sua voz, ampliando seus acessos socialmente.“Havia todo um ecossistema propício ao nosso redor. Gostamos de vestir os nossos discursos.”

De Florianópolis a Belém

A marca Xongani tomou corpo. Começou com um investimento pequeno, como o da viagem. As roupas eram feitas no ateliê na casa da família. Para estruturar o negócio, Ana Paula lembra que aproveitou todos os recursos disponíveis, como serviços do banco e apoio para importação de tecidos.

No melhor espírito mão na massa, foi entender, entre outras coisas, como o controle financeiro é fundamental para que o negócio deslanche e quanto o aprendizado contínuo faz diferença. Ela e a mãe não param de fazer cursos. É assim até hoje.

Com a empresa organizada, Ana Paula, a mãe e o pai entraram em um carro e viajaram o país para levar as peças Xongani — de Florianópolis a Belém. Foram três anos frequentando feiras e expondo os produtos da marca. O negócio crescia à medida que as peças eram apresentadas visualmente, com um apoio de venda na web.

Por exemplo: além da loja on-line, alguém que comprasse um turbante em Belém poderia chegar em casa e não saber como usá-lo. No canal da Xongani, havia tutoriais sobre como usar a peça.

Depois da maratona de viagens e trazendo na bagagem muita experiência, boas histórias e uma série de aprendizados, Ana Paula abriu o ateliê da Xongani em São Paulo. Segundo ela, a loja física virou um espaço de acolhimento.

“Foi quando eu percebi como é importante o olho no olho.”

Mas, se as feiras popularizaram os produtos da Xongani e o ateliê proporcionou um ponto de encontro entre a empreendedora e seus clientes, foi a internet que fez chegar a milhares de pessoas o propósito da marca.

Vendendo histórias

A internet sempre esteve presente na trajetória da Xongani. Primeiro como loja on-line, depois como apoio de venda. Mas, quando Ana Paula começou a publicar, além dos tutoriais, conteúdos sobre o processo criativo da marca, o canal do YouTube ganhou um público novo. De diferentes perfis. “Entendi que a moda que fazemos é muito significativa. Está totalmente ligada a valores sociais. Vendemos roupas. Mas também vendemos histórias.”

Já são cerca de 60 mil seguidores no canal Ana Paula Xongani. Ali, a empreendedora fala de política a comportamento, passando por música, moda e beleza. Se o sucesso da marca de roupas não surpreendeu Ana Paula, que rapidamente identificou uma demanda no mercado, a repercussão de seus vídeos nas redes sociais causou surpresa.

Sua experiência como empreendedora está ajudando outras mulheres negras a abrir seus negócios. Para ela, um dos maiores aprendizados de sua jornada empreendedora que faz questão de compartilhar tem a ver com a capacidade de realização. Ana Paula ressalta que ser uma mulher preta é complexo, já que a sociedade não a estimula como pessoa. Muito pelo contrário. Mulheres negras têm seus potenciais negligenciados.

Ana Paula Xongani e as também criadoras de conteúdo Alexandra Gurgel, Mariana Torquato e Julia Tolezano. foto: instagram.com/anapaulaxongani

Por isso, ela aposta na capacidade transformadora da autoestima. E é exatamente aí que o seu negócio se conecta com a sua história: a moda como instrumento de valorização da cultura negra. “É assim que a marca empodera mulheres enquanto as mulheres empoderam a marca.”

Mais prancheta, menos leões para matar

foto: instagram.com/anapaulaxongani

Hoje, Ana Paula divide o tempo entre a Xongani marca de roupas e o que se tornou a empresa de conteúdo a partir de seu canal no YouTube. Com sua mensagem forte entre estampas coloridas, a Xongani veste de atores globais a quem vive nas periferias. O trabalho no ateliê agora está mais personalizado e já caminha de forma independente.

Saiu de lá, por exemplo, o vestido para uma noiva que queria mais do que uma roupa. Queria trocar alianças usando um Xongani, cheio de significado. Também é no ateliê que cliente passa a ser coautora das peças, por meio de sugestões e feedback.

Enquanto isso, Ana Paula tem sido mais solicitada para levar a mensagem que começou no canal do YouTube para outros lugares. Ela brinca que agora é uma espécie de empreendedora ao quadrado, já que, além de empresária, é influenciadora e consultora de grandes marcas.

Aliás, foi só quando começou a ser ouvida por outras empresas — e a ser procurada por elas para estabelecer um diálogo com mulheres negras — que Ana Paula se deu conta de que a produção de conteúdo que ajudava a levar a mensagem da Xongani havia se transformado em um negócio com vida própria.

Mas, para a felicidade dos fãs que a acompanham, e que Ana Paula apelidou de Xongs, ela continua alimentando sua página de boas histórias. Algumas mais engraçadas, outras mais comoventes, mas todas com a mesma pegada ativista que herdou da família. E que ela deve passar adiante.

Uma das maiores atrações do canal, garantia de sucesso, são os vídeos que Ana Paula faz com a filha de 4 anos, Ayoluwa, ou Ayo, como prefere ser chamada. O nome significa “alegria da família”. Além do sonho de espalhar ateliês da Xongani em vários cantos do país, outro grande desejo da empreendedora é que a jornada da filha seja mais fácil do que a sua.

“Tenho que me preocupar com tantas questões sociais que, até conseguir chegar à minha prancheta para criar, preciso matar vários leões por dia. Espero que minha filha possa dedicar mais tempo criando. E menos tempo matando leões.”

De empreendedor para empreendedor: “A gente tem mania de valorizar o que está distante. Tem que saber valorizar o que está próximo. E, para isso, é preciso estar atento”.

*Conteúdo produzido em parceria com o Bradesco.

Conheça mais um pouco sobre a Xongani.

O Bradesco acredita no Empreendedorismo Brasileiro.
Nada de complicação, tudo pra você dar certo.

Temos produtos e serviços que vão
te ajudar muito a administrar sua empresa.
Confira mais: mei.bradesco

Mariana Castro é jornalista e autora do livro Empreendedorismo criativo ‑ Como a nova geração de empreendedores brasileiros está revolucionando a forma de pensar conhecimento, criatividade e inovação, publicado pelo selo Portfolio/Penguin, da Companhia das Letras.

Empreendedorismo criativo e novas economias são temas de suas aulas na pós-graduação do Istituto Europeo di Design, o IED. É sócia da rede de produtores de conteúdo F451, que publica veículos como Gizmodo Brasil e Outra Cidade.

Como jornalista, trabalhou no Grupo Estado e na Editora Abril, antes de ir para o jornalismo on-line. Foi editora-chefe do Último Segundo e editora-executiva de Política, Mundo, Cidades e Educação.

--

--

Mariana Castro
bradesco

Jornalista. Autora do livro Empreendedorismo Criativo. Sócia da F451, que publica o Gizmodo Brasil. Professora de Empreendedorismo e Novas Economias no IED.