Verônica do Faxina Boa

Inspiradora digital

Mariana Castro
bradesco
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7 min readDec 3, 2018

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Verônica é tatuada, curte punk rock e fala japonês. Entre o programa de aceleração para mulheres empreendedoras do qual participa no Google Campus e a faculdade de Marketing onde estuda, lê Nietzsche que leva na bolsa. Também aproveita para fazer um post e outro em suas redes sociais, em que é seguida por milhares de pessoas. De vez em quando é parada na rua: “Você não é a menina do Facebook?”. Não faz muito tempo, começou a dar palestras. A de estreia foi para produtores de conteúdo, no Twitter.

No fim do dia, ela pega a condução de volta para casa. Quando chega, olha o caderno do filho mais novo, portador de TEA (Transtorno do Espectro Autista). Deixa para ele post-its espalhados pela casa com algumas orientações, para o tempo em que ele fica sozinho, antes de a mãe chegar. Apesar da ajuda da filha mais velha, ainda faz comida, lava roupa e organiza tudo para o dia seguinte. Às vezes, consegue dormir só por uma hora. Embora esteja a pouco mais de 45 minutos até chegar “pra lá de Itaquera”, na Zona Leste de São Paulo, onde mora, a distância entre os dois mundos que frequenta é astronômica.

foto:instagram.com/faxinaboa

Com seu 1,50 metro de altura, Verônica é gigante. E é um tapa na cara dos estereótipos comumente atribuídos a uma faxineira. Depois de uma crise depressiva e uma tentativa de suicídio, a idealizadora da página Faxina Boa, sucesso na web, deu mais que uma volta por cima. O que ela fez com o próprio destino está mais para um triplo mortal carpado.

“Quando dizem que sou faxineira e digital influencer, eu penso: ‘Fui fazer uma faxina pra comprar comida! Não quero influenciar ninguém. Prefiro ser uma inspiradora digital’.”

Mulher-gato dos móveis como musa inspiradora

Em 2016, Verônica foi demitida do emprego de operadora de telemarketing. Sem dinheiro para pagar o aluguel da casa onde vivia com os dois filhos, entregou o imóvel e foi morar com uma amiga. Pouco tempo depois, a amiga deixou o país e Verônica acabou se mudando com os filhos para uma pensão, onde alugava um quarto de madeira de três metros quadrados. Prometeu aos filhos que aquilo seria temporário.

Verônica conseguiu um emprego em que ganhava um salário mínimo. O quarto da pensão custava R$ 500,00. Com o pouco que sobrava, tentava se virar para dar conta de sustentar a família. Ela e os filhos chegaram a ficar três dias só comendo pipoca para driblar a fome. Era o que dava para comprar. Brincaram de cada um escolher o que comeriam se tivessem dinheiro. O filho escolheu temaki. A filha, pizza. Verônica queria mesmo um prato de arroz, feijão e carne.

Apesar das brincadeiras, Verônica teve uma crise de depressão que a levou a uma tentativa de suicídio. Precisou ser internada e, ao sair da UTI, ouviu dos médicos que deveria arrumar uma ocupação que a ajudasse a sair de onde estava.

Foi parar na casa de uma amiga que a hospedou e para quem resolveu fazer uma faxina. Pelo belo trato na casa, recebeu R$ 150,00. Junto com o pagamento, veio o “clique”: se conseguisse fazer uma faxina por dia, ganharia bem mais do que como operadora de telemarketing.

Faxina Boa

Na época, ela tinha 300 amigos em sua página pessoal no Facebook. Como estava afastada do trabalho por conta da internação, pensou em fazer faxina enquanto não voltava ao emprego. Traçou a meta de transformar cada amigo em um cliente. Precisava para isso de uma estratégia matadora. Lembrou do dia em que, ao zapear a TV ainda em sua casa, ficou 25 minutos assistindo a uma mulher que vendia móveis vestida de mulher-gato. “A Sylvia Designer é minha musa inspiradora”, brinca Verônica, antes de dar sua risada contagiante.

foto: instagram.com/faxinaboa

Ela queria divulgar o serviço de faxineira de um jeito assim, bem diferente. Teve a ideia de publicar cartazes de filmes e séries em que, no lugar do protagonista, aparecia como estrela. No card de Pulp Fiction, tomou o lugar de Uma Thurman. O card de Better Call Saul virou Better Call Verônica.

A estratégia deu certo. Em uma semana, sua página pessoal no Facebook passou de 300 para 3 mil amigos. E ela começou a fazer faxina não só para conhecidos, mas também para quem nunca tinha visto na vida. Por segurança, antes de chegar à casa de um estranho, dava uma stalkeada básica. Entre uma faxina e outra, abastecia a página no Facebook com boas histórias sobre as experiências que estava vivendo.

Em uma delas, chegou a uma casa abandonada. Estava fechada havia dois anos, cheia de pó e teias de aranha. A pessoa que morava lá também estava descuidada. Vivia ali com um amigo que morreu no lugar. Desde então, o morador nunca mais conseguiu mexer em nada. “Conversei com o moço e ele começou a chorar. Fiz ele tomar um banho, pedi para ele dar uma volta e, quando voltou, duas horas depois, a casa já era outra.” Quando vai embora, ela costuma deixar uma carta para os clientes.

Na época em que estava vivendo de fazer faxina, Verônica estava sem casa. Vivia no quartinho de pensão com os filhos. Foi nessas condições que conheceu a coleção de 900 pares de tênis de um homem que atendeu. O quarto para acomodar os calçados era bem maior do que o espaço que ela dividia com os filhos para dormir. Também esteve em uma casa de cinco banheiros onde morava apenas um casal. Na pensão em que vivia, ela e os filhos compartilhavam o banheiro com outras 40 pessoas.

Em meio à enxurrada de mensagens de gente solicitando os seus serviços, ela resolveu pesquisar para ver se encontrava outras páginas desse tipo na web. Páginas que conectassem diarista procurando trabalho a quem precisa do serviço. Não achou. Em novembro de 2016, criou a marca Faxina Boa e abriu uma página só para isso. Até então, continuava usando sua página pessoal. E nunca mais voltou para o emprego que havia deixado na época de sua internação.

Verônica queria mesmo era escrever um livro só para contar algumas das tantas histórias que viveu ao entrar na casa das pessoas como faxineira. Mas, na falta de tempo, foi postando tudo ali, na página do Faxina Boa no Facebook. Além das histórias, há os posts de Verônica que tratam desde política às dificuldades de uma educação inclusiva para o filho.

Um passeio com os filhos

Hoje, já são mais de 15 mil seguidores que acompanham a jornada da empreendedora. De alguns deles, Verônica ganhou cursos, como o de social media, de produção de conteúdo digital, de design, bolsa na faculdade onde estuda Marketing e o convite para participar do programa no Google Campus. Também foi um seguidor que tomou a iniciativa de fazer uma vaquinha para que ela pudesse resolver os trâmites burocráticos e se mudar da pensão. Como havia prometido aos filhos, alugou em fevereiro de 2017 a casa “pra lá de Itaquera”, onde ainda mora.

foto:instagram.com/faxinaboa

Entre a faculdade, as palestras e outros compromissos como empreendedora, sobra pouco tempo para fazer faxina. Mas, de vez em quando, Verônica ainda trabalha como diarista para ajudar na renda. Ela está tentando tirar do papel a ideia de montar uma rede de diaristas, em que poderá atuar como administradora. Quer repassar os clientes para outras meninas e viver da comissão pelo serviço.

Ela espera poder ajudar cada vez mais gente a encontrar emprego. Sente o maior orgulho de estar empoderando tantas mulheres que vivem como diaristas e outras que, assim como ela, em algum momento quase perderam a esperança. Quer escalar o Faxina Boa e espalhar essa rede por outros estados do país. Está, neste momento, levantando fundos para tornar o projeto realidade.

Quando pensa sobre o que ainda gostaria de conquistar com o Faxina Boa, Verônica diz que quer morar perto de uma estação do metrô. “Pode ser na Zona Leste mesmo. Não precisa ser na Fradique Coutinho. Já estão até me chamando de burguesa safada!”, brinca. “E pensar que fui fazer uma faxina para ter o que comer!”

Com aqueles R$ 150,00 que recebeu da amiga em sua estreia como faxineira, levou para os filhos um temaki, uma pizza e seu prato de arroz, feijão e carne. Cada um pegou um pouquinho do outro e, apesar dessa mistura parecer estranha, garante que uma refeição nunca foi tão gostosa. Agora, Verônica sonha em ter a chance de tirar cinco dias para descansar.

“Quero passear com meus filhos. Nunca fizemos isso. Não tenho grandes pretensões. Quero fazer essas coisas que para mim pareciam impossíveis.”

De empreendedor para empreendedor:“Vi uma oportunidade de negócio quando percebi que podia ajudar outras pessoas”.

*Conteúdo produzido em parceria com o Bradesco.

Conheça mais um pouco sobre a Faxina Boa

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Mariana Castro é jornalista e autora do livro Empreendedorismo criativo ‑ Como a nova geração de empreendedores brasileiros está revolucionando a forma de pensar conhecimento, criatividade e inovação, publicado pelo selo Portfolio/Penguin, da Companhia das Letras.

Empreendedorismo criativo e novas economias são temas de suas aulas na pós-graduação do Istituto Europeo di Design, o IED. É sócia da rede de produtores de conteúdo F451, que publica veículos como Gizmodo Brasil e Outra Cidade.

Como jornalista, trabalhou no Grupo Estado e na Editora Abril, antes de ir para o jornalismo on-line. Foi editora-chefe do Último Segundo e editora-executiva de Política, Mundo, Cidades e Educação.

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Mariana Castro
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Jornalista. Autora do livro Empreendedorismo Criativo. Sócia da F451, que publica o Gizmodo Brasil. Professora de Empreendedorismo e Novas Economias no IED.