Dinheiro negro nas mãos de pessoas negras

Como o Movimento Black Money tem buscado emancipação da população negra por meio da economia e do empreendedorismo

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O número de pessoas que se autodeclara pretos ou pardos aumentou drasticamente de 2012 para 2018. De acordo com levantamento divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil, a população que se autodeclara preta representa cerca de 19,2 milhões de pessoas, são 32,2% a mais que em 2012, e no total representa mais de 54% da população brasileira.

Apesar desse aumento, esta mesma população segue sendo o rosto da desigualdade social do país quando se trata de desemprego, desigualdade salarial, violência, sistema carcerário e feminicídio. Mesmo assim, um estudo do Instituto Locomotiva, mostra que a população negra e parda movimentam, em renda própria, R$ 1,7 trilhão por ano. O Movimento Black Money (MBM), criado por afroempreendedores, busca trazer uma emancipação desta população fazendo com que esse dinheiro retorne para a comunidade negra, através do consumo de produtos e serviços oferecidos e produzidos por negros, de forma que o dinheiro circule entre a comunidade afrodescendente por mais tempo, gerando consciência social, econômica e financeira, que não é o que acontece atualmente.

Feira Preta realizada no final de 2018 (Foto:Coletivo Alma Preta)

De acordo com o SENAC, entre 2002 e 2012 houve um crescimento de 27% de empreendedores negros no Brasil, porém a sócia fundadora do MBM, Nina Silva, em entrevista para o programa Mundo S/A da GloboNews, fala sobre e abre a questão de que esses afroempreendedores, em sua maioria possuem um faturamento inferior a três milhões, sendo que apenas 9% desses empregam pessoas, conseguindo ou tendo no máximo uma sociedade, assim mantendo a população negra como 63,7% da massa desempregada.

A análise do Instituto Locomotiva trás ainda o perfil dos empreendedores negros no país:

29% dos negros que trabalham têm o seu próprio negócio,

Totalizando 14 milhões de empreendedores que movimentam, aproximadamente, R$ 359 bilhões em renda própria por ano.

82% dos empreendedores negros não têm CNPJ

Frente a 60% dos empreendedores não negros

57% deles acreditam que pessoas negras sofrem preconceito quando tentam abrir seu próprio negócio no Brasil.

Cenário atual de mercado das pessoas negras. (Fonte: retirado da apresentação empresarial da Rede Negras Plurais)

Pensando nisso, e com a ideia do Movimento Black Money em mente, o empresário José Eduardo Silva desenvolveu ,há um ano, a Afrocard, uma startup de serviços financeiros, que atua como operadora de cartões de crédito, possuindo até mesmo máquina de cartão. José Eduardo que também é presidente da Associação de Empresários e Empreendedores para Fortalecimento do Afroempreendedorismo (ASCENDA) em Goiânia, criou a empresa com o objetivo de atender empreendedores negros, tendo plataformas econômicas que fizessem com que o poder consumidor da população negra voltasse para ela e não para a mão das grandes empresas lideradas por pessoas brancas as quais não os contratam.

Os mesmos grupos econômicos para quem pagamos pelas máquinas de cartão, são os que nos dificulta abrir conta nesses bancos, nos dificulta entrar na porta giratória do banco, que querem nosso dinheiro, mas não nos tratam com respeito, muito menos com dignidade. Por quê não temos uma plataforma financeira nossa? (José Eduardo, CEO Afrocard e Presidente da ASCENDA)

Assim como ele, outras iniciativas nichadas foram criadas na perspectiva de mudar essa realidade, como a Negras Plurais, Feira Preta, Afroempreendedor, Das Pretas, Casa das Pretas e Afrobusiness que usam o que a tecnologia e os espaços para melhor para compartilhar conhecimento a respeito de empreendedorismo para outras pessoas negras e assim tornar o dinheiro mais circular entre esse grupo. Todas essas empresas tem como foco auxiliar empreendedores negros a administrarem seu negócio, ter um local para mostrar seu trabalho, ter cursos que ajudem a utilizar as ferramentas como marketing digital e economia criativa para desenvolver dinheiro e fazer ele circular entre as pessoas negras.

A Negras Plurais, que é uma rede de fomentação de negócios entre mulheres negras atua para dar visibilidade e impulsionar negócios e incluí-las no mercado econômico. os encontro envolvem tecnologia, marketing e as ajudando a trazer seus propósitos para seus próprios negócios. A empresária, idealizadora, mentora e CEO da rede, Carolline Moreira, acredita que apesar de serem grande parcela dos empreendedores do Brasil as mulheres negras têm uma certa dificuldade para compreender o seu negócio como uma empresa.

Elas se viam como quebra-galho, não divulgam porque não gostam, não sabem o que é um mídia kit, ou não se preocupam em ter fotos de qualidade, não sabem cobrar, não sabem dar um preço justo, ou seja, não sabem se vender, não entendem de mercado, então por esse motivo criei essa rede para que entendamos sobre tudo e ninguém nos passe a perna e consigamos monetizar. (Carolline Moreira, CEO Negras Plurais)

Para Carolline, existem diversos problemas na hora de empreender, os quais a rede idealizada se propõe a ajudar, como por exemplo, esses empreendedores não se verem como mercado e potência, fazendo com que a uma de suas maiores dificuldades seja cobrar pelos seus serviços. E também não entender que apesar do público alvo ser os negros, não se pode deixar de vender para os não-negros, pois dinheiro não tem cor e o poder aquisitivo ainda está nas mãos da população branca.

A pesquisa realizada pelo Instituto Baobá de Igualdade Racial com o Instituto Feira Preta, em 2015, aponta esses avanços e desafios dos empreendedores no que tange à gestão do negócio, processo produtivo e acesso ao crédito. O que ratifica as questões apontadas tanto pela Carolline, quanto pelo José Eduardo.

“A pesquisa sinalizou que houve avanços na forma como os negros lidam com o processo de empreender e como isso impacta na condução de seus empreendimentos, mas, ao mesmo tempo revelou que há muitas ações a serem feitas para melhorar e fortalecer o cenário para o empreendedor negro brasileiro” (Dipreto, pesquisador do estudo)

O racismo institucional ainda é um barreira, entretanto o empreendedorismo negro se tornou uma fonte de emancipação crescente para a comunidade que cada vez mais tem buscado nesse meio uma forma de gerar não só dinheiro, mas um espírito de coletividade entre esse grupo específico.

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Stephanie Araújo
Ynova: Empreendedorismo e Criatividade

curitibana (mas nāo muito) descobrindo o melhor, e o pior, da vida. viajante por vício, jornalista por profissão, militante por sobrevivência.