Episódio 20

Samuel De Carvalho Hernandez
brainstormfell
7 min readMar 17, 2021

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O Palacete Luxuoso e o Vale da Madeira.

Hoje nós não subimos na ilha de Highfell, mas, nem por isso o dia foi menos agitado. Como de costume, logo pela manhã, encontrei um grupo de aventureiros dispostos a arriscar a cabeça por ouro em frente a Taverna do Salto. Juntei-me a Titano, Carrara, Merry, Billy e Dravoer, e esperamos Saulo abrir o estabelecimento que já exalava o característico aroma do café da manhã mais famoso de Thatchum.

Aparentemente, Merry, o halfling, havia encontrado problemas na taverna do passado e sido banido, ficando pra trás, no frio, fazendo companhia para Carniça e Cachaça (eu já comentei que comprei dois adoráveis vira-latas de guerra, diário?), enquanto entrávamos para tirar a barriga da miséria. O coração mole de Saulo, porém, não suportou ver o pequenino tremendo e faminto, e deu-lhe uma segunda chance, avisando que a reincidência em criar confusão lhe renderia problemas mais graves do que um simples banimento.

Após o recente sucesso na empreitada da Guilda da Torre Mística a Highfell, estava ansioso por ostentar minha riqueza aos aventureiros pés-rapados que costumam se unir na Taverna, porém, aparentemente, eu não era o único, já que, rapidamente, meus companheiros chamaram o taverneiro e disseram as palavras que este sempre ansiou em ouvir: desce uma rodada de coelho. Com lágrimas nos olhos, o gentil Saulo serviu o mais famoso e menos requisitado prato para o grupo, e, devo dizer, ele não despontou! Não saberia dizer o que estava mais saboroso, se o coelho embatatado ou as batatas encoelhadas, mas há tempos eu não fazia uma refeição tão deliciosa!

Como outro companheiro se apressou em pedir uma rodada de bebidas para todos, precisei me conformar em comprar a sobremesa do grupo, meia dúzia de suculentas maçãs verdes, que comemos enquanto assistíamos a uma apresentação artística divertida e mágica, durante a qual um dos meus colegas teve alguns objetos pessoais surrupiados. É por isso que digo: nunca confie em artistas.

Com uma marmitinha de sobras de carne para Carniça e Cachaça, saí da taverna com os meus associados do momento, e decidimos ir até a torre do mago Wannistol, para saber mais sobre o serviço que estava oferecendo naquela manhã. O velho disse estar nos esperando (para a frustração de outro grupo de aventureiros que aguardava para pegar a missão caso não aparecêssemos), e nos informou que o serviço consistia em escoltar uma caravana importante de Thatchum até o Vale da Madeira, e que pagaria 1000 PO para cada um de nós ao chegar na cidade.

Aceitamos o serviço e partimos após comprar alguns suprimentos com o mago. A caravana era grandiosa! Liderada experiente cavaleiro Bernardo, que comandava uma dezena de soldados do reinado, transportávamos algo de muito valioso, acompanhados de dois senhores com vestes estranhas e luxuosas, que falavam algum idioma humano que nunca havia escutado, e pelo próprio Wannistol.

A primeira metade do caminho correu tranquilamente, a maioria de nós viajou dentro da caravana, até chegarmos a um terreno mais acidentado a nordeste de Thatchum. O chão rochoso oferecia um desafio sério para a passagem dos cavalos e da caravana e, como se não bastasse, a área era famosa por abrigar perigosos escorpiões nessa época do ano. Sugerimos que os soldados de Bernardo providenciassem tábuas para calçar o solo pedregoso e facilitar a passagem da caravana, enquanto fomos averiguar os entornos para prevenir possíveis riscos, uma missão que se mostrou mortal para parte de nosso grupo.

Encontramos um buraco que aparentemente era um dos ninhos dos escorpiões, e pensávamos em como lidar com isso quando percebemos que algumas das criaturinhas estavam em nossos pés! Pegos de surpresa, tentávamos nos livrar dos aracnídeos quando Titano e Carrara foram picados e caíram! Merry e Billy se apressaram em usar óleo para criar um perímetro flamejante e nos proteger da ameaça, enquanto o resto do grupo tentava livrar nossos colegas dos escorpiões.

Mas foi em vão… rapidamente a vida se esvaiu de nossos companheiros, e presenciei, sem entender nada, Merry pegar a adaga de prata que pertencia a Titano e, aparentemente, prender dentro dela a alma de seu antigo portador (?)! São tempos estranhos, e, desde que cheguei a Thatchum presencio coisas que não fazem sentido para mim, mas busco apenas aceitar e, se possível, manter minha distância dessas bizarrices.

Pois então, diário. Estávamos desorientados. Aparentemente nos livrávamos dos escorpiões que se encontravam mais próximos, mas permanecíamos no meio de um círculo de fogo, com mais criaturas perigosas possivelmente nos aguardando fora de seu perímetro. Foi então que fomos socorridos por dois viajantes que passavam e nos ajudaram a sair dessa enrascada. Alena e Marrone apareceram na hora certa!

Em relativa segurança, observei de coração partido enquanto Alena reconhecia o falecido Titano, seu antigo amigo, o qual ela estava indo visitar em Thatchum. A moça, no entanto, exibiu força inabalável ao secar suas lágrimas e seguir em frente, junto ao grupo, que transportou os corpos dos falecidos aliados de volta para a caravana, para oferecer um rito funerário digno depois.

Ao retornarmos ao comboio, vimos que o calço de madeira havia sido providenciado. Para nos protegermos de mais ataques de escorpiões, improvisamos tochas com óleo e tomilho, que, queimando, deveria criar uma fumaça de cheiro forte e manter as criaturinhas afastadas.

Fomos surpreendidos, porém, por uma centopeia gigante, mas que não representou grandes ameaças, já que se dispôs a atacar um grupo de experientes combatentes, e foi esmagada pela maçã de Alena.

Sem maiores obstáculos, chegamos ao Vale da Madeira era quase meio-dia. Foi nos portões da cidade que vi algo que me deixou apreensivo. Os guardas da entrada se preparavam para nos abordar, quando Wannistol estendeu, para fora da caravana, uma bandeira com um símbolo sinistro, velho conhecido dos membros da Guilda da Torre Mística. Não tenho muita certeza sobre o que isso significa, porém começo a ver que o velho Wannistol pode não ser flor que se cheire…

Mas sou um profissional, e segui minha missão até o fim. Seguimos a um luxuoso palacete no meio da cidade. Enquanto Wannistol entregava o que quer que fosse que tivéssemos escoltado para Apollo, dono do lugar, conversei um pouco com o Capitão da Guarda, Bernardo. Indaguei porque a guarda do reinado teria sido destacado para proteger Wannistol, no que Bernardo me disse que “esses velhos barbudos” costumam ser conselheiros da família real, e, portanto, gozar de poder e privilégio. Me contou também que não sabe se hoje em dia quem manda mesmo é o rei ou o príncipe, e que não bota muita fé na magia, já que é sabido que os magos sempre acabam morrendo pelo aço. Antes que essa conversa chegasse aos ouvidos dos guardas de Apollo, resolvi encerrá-la, e aguardamos Wannistol voltar e pagar nosso devido espólio.

Depois de recebermos, nos despedimos do mago, que seguiu apressado para outro destino. O grupo dispersou por um momento. Enquanto alguns de nós fomos até o banco depositar nosso pagamento, outros foram cuidar de assuntos pessoais. Billy sumiu por algum tempo, dizendo que iria atrás de uma tal de Malha Negra, mas logo retornou, parecendo chateado. Não conversamos muito, mas acho que ele não recebeu o acolhimento que esperava daquelas pessoas.

Sem tempo a perder, contratamos um mateiro, Alvarenga, para nos guiar em segurança de volta a Thatchum. O velho parecia saber do que falava, mas fiquei desconfiado quando disse que deveríamos ir por um caminho diferente daquele pelo qual viemos. Achei que podíamos cair numa emboscada, mas meus companheiros quiseram confiar no senhor, então pagamos o que ele nos pediu e voltamos por um caminho alternativo, contornando uma montanha a sudoeste, ao invés do caminho de pedras à sudeste.

Mal havíamos começado a viajar e fomos atacados por um Yeti! O susto foi grande, mas, mais uma vez, percebi o valor da companhia com a qual viajava. Com poucos e certeiros golpes conseguimos derrubar a criatura, aumentando assim o moral do grupo de maneira definitiva!

Seguimos por um tempo se mais conflitos, mas logo o cansaço se abateu sobre nós. Era o meio da tarde, e em pouco tempo ficaria escuro, mas precisávamos descansar. Alimentei Carniça e Cachaça, e descansamos no frio relvado por um tempo, retomando a viagem quando começava a escurecer.

Já devíamos imaginar que poderia ser perigoso. Fomos emboscados por alguns goblins, sedentos por sangue e pelo nosso outro e equipamentos! A escuridão não nos favorecia, e a batalha teve mais duas baixas: Marrone caiu, seguido de Alena, que partiu para o além, onde, espero, poderá encontrar seu querido amigo Titano.

Sem tempo para chorar os companheiros mortos, continuamos a combater os perigosos goblinoides. E conseguimos derrotá-los, com a decisiva ajuda de Carniça e Cachaça, que estraçalharam duas das criaturas. Por mais que desejássemos dar um final digno para Alena e Marrone, não podíamos ficar por mais tempo na escuridão, à mercê de mais perigos, e precisamos seguir, deixando seus corpos junto aos dos goblins massacrados.

Cansados após todo um dia de tretas e viagens, chegamos a Thatchum no meio da noite. Convidamos o velho Alvarenga para nos acompanhar à taverna do Salto e ter um banquete digno do final de uma grande jornada bem sucedida. Brindamos aos parceiros que pagaram com a vida por esse sucesso, reconhecendo que, sem sua ajuda, poderíamos ser nós apodrecendo sob o luar.

RIP: Titano, Carrara, Alena, Marrone.

“Caminhei sozinho pela rua

Falei com as estrelas e com a Lua…”

Texto por Gabriel Baptista

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