No Middle Man e o fenômeno das marcas “direct to consumer”

Julia Resende
Brand Sessions
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4 min readSep 12, 2019

Nos últimos anos tenho observado o surgimento de algumas marcas “direct to consumer”, ou seja, marcas que vendem direto para seus consumidores finais, sem intermediários. E, inspirada por um site que descobri há pouco chamado No Middle Man (neste contexto, algo como sem intermediário), resolvi escrever esse texto.

Embora seja uma leitora ávida, ao longo da minha trajetória profissional foram poucos os livros de teoria de negócios que eu li, mas dos poucos que li, um deles me marcou profundamente e foi “A Cauda Longa”, do Chris Anderson. O livro, publicado no início dos anos 2000, explica basicamente a estratégia de algumas empresas com base na curva de Pareto, ou regra do 80/20, em que 20% de algum produto é responsável por 80% dos resultados.

O livro explora bastante o case da Amazon. E confesso que me marcou muito a ideia de existir um varejo que permitisse uma distribuição de uma quantidade impensável de produtos de nicho de uma forma que fosse rentável tanto para o varejista intermediário (Amazon) quanto para o produtor daquele produto (exemplo: uma pequena editora, por exemplo).

O principal fator que contribui para um modelo de cauda long é o custo do armazenamento e distribuição do inventário. Quando estes custos são insignificantes, como no caso de produtos digitais, como Ebooks, por exemplo, se torna economicamente viável vender produtos de nicho.

Na época que li o livro — há mais de dez anos — não me chamou atenção, mas outro case abordado é o da Netflix, que também produz conteúdo digital, ou seja, com um custo de distribuição/armazenamento infinitamente mais baixo que as antigas locadoras.

Sendo assim, o cenário digital permitiu o uso vantajoso da teoria da Cauda Longa pelas grandes marcas da última década — não só Amazon e Netflix, como Apple, Google etc.

Corta para 2019, ou seja, para o final da segunda década dos anos 2000.

Pouco mais de dez anos após a publicação d’A Cauda Longa, nos encontramos em um cenário em que as marcas que se apropriaram deste princípio estratégico viraram grandes corporações (as maiores do mundo), muitas vezes às custas do crescimento dessas empresas de nicho.

No vídeo acima, Stephan Aarstol, fundador do “No Middle Man” conta um pouco da proposta desse diretório de empresas “direct to consumer”. A ideia com esse site é aproveitar essa tendência de marcas que vendem direto para seus consumidores a atuar como um espaço onde os consumidores podem procurar marcas que sejam “certificadas” como tal.

De acordo com Aarstol, a grande vantagem para os consumidores seria pagar menos (o que é ótimo, especialmente em época de crise econômica), uma vez que as empresas teriam a possibilidade de cobrar menos, uma vez que não precisariam repassar parte da verba para intermediários, como a Amazon, por exemplo.

Mas uma coisa que ele não fala é do potencial de ser uma marca “direct to consumer” no longo prazo. Além do valor transacional, ou seja, da marca conseguir ter uma margem maior em cima de cada venda, uma marca que vende direto para seus consumidores tem diante de si um bem imaterial que vale mais do que barras de ouro, que é a informação desse consumidor.

Não à toa, vemos cada vez mais empresas de setores que tradicionalmente têm um intermediário, como o setor de Beleza, surgirem com esse novo modelo e propor experiências que se relacionam mais e melhor com seu público, como é o caso da Glossier, que se tornou este ano um unicórnio.

E sob o ponto de vista de Branding, o resultado é uma experiência que realmente conecta a proposta da marca nos diferentes pontos de contato com seus consumidores de forma consistente e integrada.

Embora ainda estejamos vivendo uma era de poucas grandes empresas (FAANGS), vemos um cenário novo se desenhando, diferente do final da última década.

No Brasil, também no setor de beleza, ao mesmo tempo que vemos a Natura & Co. surgindo com diversas marcas com modelos de negócio diferente (um desafio no ponto de vista de gestão de dados), vemos marcas que surgiram neste ambiente digital, como a Sallve com uma pegada de troca com seus consumidores até na hora de formular seus produtos.

Vamos ver como vai ser o desenho da próxima década e como esses dois modelos vão conviver — se é que vão. De toda forma, espero que as marcas saibam explorar as novas possibilidades do mundo digital sem esquecer que no final das contas as pessoas buscam mesmo conexões e relevância.

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Julia Resende
Brand Sessions

Designer, leitora e curiosa. Escreve aqui sobre design e cultura material e mostra suas criações no @julia_____resende