Nubank, a marca queridinha de todos os empreendedores

Guta Tolmasquim
Brand Gym

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É impossível falar de branding e empreendedorismo de marcas brasileiras e não pensar no Nubank. A gente brinca na Brand Gym que deletamos o roxo do computador de todos os designers, porque não dá mais para criar marcas roxas. É uma brincadeira, sim, mas tem um fundo de verdade. E você já sabe qual é.

Muita gente ainda acha que marcas fortes se constroem por meio do design. Parte disso é verdade, porque sei do valor que o design tem e reconheço que é por meio dele que as pessoas enxergam as marcas — e existem pesquisas que mostram que cor é o principal elemento de reconhecimento. Porém, o ponto do branding é que o território visual precisa representar a personalidade da marca.

Considero o Nubank uma inspiração de branding para todos. Mas fazer igual não quer dizer só copiar a cor.

Mercado complexo

A marca chegou em um território muito competitivo: o mercado financeiro. Dinheiro é uma questão complicada, porque envolve medo. É preciso muita credibilidade de marca para ter um banco. Duas soluções para isso: 1) construir uma marca nova, o que leva muito tempo; 2) começar dando crédito — o Nubank emprestava dinheiro para as pessoas em vez de pedir o dinheiro delas.

O nome já indicava os planos de expansão da empresa: Nubank já se chamava banco antes de ser banco.

E falando em naming

Em geral, para facilitar o lançamento, vejo marcas usando nomes bastante literais. Isso facilita o processo de reconhecimento e posicionamento nos primeiros meses, mas, depois, isso vira uma amarra que não deixa a empresa crescer. Imagina se o Nubank se chamasse EasyCard ou algo do tipo… Seria muito mais difícil expandir a oferta no futuro. Eles foram pro lado contrário: colocaram um nome que poderia criar uma falsa promessa no início, pois eles não eram banco ainda, mas que permitiu à empresa o crescimento alcançado.

O que mais o “bank” do nome fez pela marca? Trouxe credibilidade e distanciou a marca daquelas empresas de cartão de crédito, como os varejistas. Se fosse NuCard, a gente poderia confundir com um cartão da C&A? Talvez. Nubank me coloca direto na mentalidade de um concorrente de um grande banco.

A cara de um banco

A tese dos fundadores é de que o mercado financeiro era bastante complicado e difícil para o consumidor. O David Velez, fundador e CEO, não é brasileiro e conta sua saga com bancos. Em toda a comunicação existe um ar verdadeiro. Não é um grande banco falando contra a burocracia; é um sujeito comum que resolveu ir atrás de um grande problema brasileiro.

Desde o início, o Nubank luta contra a burocracia. É interessante ver como isso é representado visualmente. O produto é super simples e fácil de usar. Nada burocrático. Pela primeira vez, vi uma instituição financeira usar o branco em grandes volumes. O Nubank também foi uma das primeiras marcas a usar ilustrações em vez de fotos. No mercado financeiro, as fotos remetem à linguagem publicitária que ninguém acredita mais — fora que clicar fotos é bem caro.

O design do cartão é clean e não traz muita informação. É super simples, sem grafismos, sem burocracia, e criado para ser instagramável, já que a experiência ao recebê-lo é um convite ao compartilhamento nas redes sociais.

Finalmente, eu chego no roxo. Uma cor que por si só diz “eu sou diferente”. Ninguém usava roxo no mercado financeiro. Era quase o oposto da credibilidade. Os bancos usam laranja, vermelho, amarelo e azul — cores que destacam suas fachadas quando a gente anda na rua. Mas, nesse caso, a gente não precisava mais de fachada, já que estamos falando de uma marca 100% digital.

E o valor dos diferenciais

O atendimento foi muito importante para as pessoas conhecerem a marca Nubank. Diversos casos de atendimento fora do comum foram espalhados nas redes sociais por consumidores satisfeitos. Essa foi e é uma estratégia superimportante.

Enquanto os bancos têm a imagem de frios, burocráticos e de só pensarem em si mesmos, uma marca que faz diferente é aquela que escuta você e resolve seus problemas.

O time de atendimento foi o primeiro (reconhecido) no Brasil por quebrar os padrões de atendimento. Ou seja, não era uma pessoa que seguia um script ou que queria desligar o telefone. Para aumentar o raciocínio crítico e a autonomia no atendimento, muitos atendentes eram estudantes de ensino superior ou já tinham completado a faculdade, além de falarem outras línguas. Esse time foi um grande investimento do Nubank no início. E provavelmente continua sendo.

Repare que existe um caminho para se ter um bom atendimento. Quando eu paro para analisar os cases de atendimento que ficaram famosos, não encontro nenhum de cartão clonado, por exemplo. Um caso que os bancos sempre foram bons em resolver. Ou mesmo nenhum case de segurança. Isso o Bradesco, o Itaú, o Banco do Brasil sempre fizeram bem. Os casos que eu via eram aqueles completamente surpreendentes, que um grande banco nunca teria resolvido: o cachorro comeu o cartão; a pessoa não tinha limite para pegar Uber e por aí vai. Um presente enviado ao cliente não era um pedido de desculpas, mas sim uma celebração pela satisfação do cliente. E foi assim que o Nubank conseguiu que as pessoas conhecessem exatamente alguns casos que o diferenciavam dos grandes bancos.

O valor da cultura e da consistência

Eu nunca trabalhei com o Nubank, nem dentro do Nubank, mas é nítido que as pessoas lá trabalham da mesma forma. É impossível ter uma marca forte como essa, que não para de crescer, sem ter uma cultura tão forte quanto. Por quê? Porque chega um ponto em que é impossível controlar. O time de marketing cria comunicação; o time de produto constrói o produto e cria mensagens; o time de atendimento atende muita gente em um dia. Em um certo ponto, é preciso saber que as pessoas vão passar adiante tudo o que a empresa é e o que ela representa. Para isso, mais do que regras, é preciso ter cultura forte. Tenho certeza de que os fundadores do Nubank dedicaram (e ainda dedicam) muito tempo a isso.

Existe outro ponto que, somado a se preocupar com branding desde o início, também é responsável pela força da marca Nubank: consistência. E repare que consistência não é repetição. O Nubank luta contra a burocracia desde o início, fala de simplicidade desde sempre, preza pela transparência desde que nasceu, mostra que existem pessoas por trás da marca e dentro da empresa, quer que o sistema bancário seja menos complexo.

Essas ideias estão sendo repetidas desde o início.

Eu, que stalkeio os founders, vejo a Cris como responsável por garantir que o discurso da marca esteja alinhado em todos os pontos de contato. Além de pensar em branding desde o início, a empresa tem uma fundadora que garante que isso seja implementado no dia a dia.

Ninguém acorda no Nubank e fala “Sabe o quê? Chega de roxo!”. “Por que a gente não segue essa tendência agora de usar laranja? Por que a gente não cria algo super complexo e elaborado?” Parece até engraçado falar assim, mas até que isso não esteja na cultura, é muito importante que alguém na liderança coloque a marca de volta nos trilhos toda vez que alguém tenta puxar para outro lugar.

Na prática, quando você está construindo uma marca nos seus primeiros dias, ela tem tão pouco tempo de vida que ninguém a conhece ainda. Não é má intenção quando um bom profissional, alguém criativo e com visão crítica propõe um tom diferente, uma mensagem que foge da história da marca achando que está ajudando a construí-la. É normal criar comunicação que reflete a nós mesmos. O difícil é refletir uma marca que a gente ainda não conhece bem.

Hoje, provavelmente é mais fácil. A gente já sabe o que o Nubank significa. Mas a gente só sabe disso porque tivemos contato com a mesma história por muitos anos.

De novo: não estou falando em repetição. As marcas têm que evoluir. Elas precisam se renovar e amadurecer, mas nunca perder sua essência.

A cereja do bolo na construção de uma marca forte

Faltou falar do produto sensacional, é claro. Até porque marca sem produto não se sustenta. A maior força de marca do Nubank é ter um produto excelente. Construir uma marca que acompanhe esse produto e fazer as pessoas reconhecerem essa excelência são consequências. E é aí que elas passam a defender a marca e a compartilhar seu amor por ela.

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Guta Tolmasquim
Brand Gym

Empreendedora e especialista em branding, descobrindo como medir marcas de forma eficiente. Founder da Brand Gym e atualmente CEO do Purple Metrics.