MÚSICA BRASILEIRA

A valorização da música brasileira

Geração Z, formada por jovens de 15 a 24 anos, tem consumido cada vez mais a produção nacional nas plataformas de música

Daniela Lacerda
Brasil à vista

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Diferentes formas de consumir música pela Geração Z. Reprodução: Cottonbro / Pexels

Diante de encontros de gerações e a ascendência de canções antigas por meio de aplicativos de celular, como o TikTok, o consumo da música brasileira entre os jovens do país vem ganhando protagonismo.

A década passada, marcada ainda pela era do rádio, tinha outras preferências musicais. A terceira edição do relatório “O que o Brasil ouve”, produzido pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição dos direitos autorais das músicas aos seus autores (Ecad) apontava um favoritismo dos jovens de 2011 pelo gênero internacional. Essa realidade muda quando se analisa o ano de 2020. Das canções mais reproduzidas do top vinte das rádios, quatorze delas são do gênero nacional.

Capu, apresentador da Rádio Mix de Porto Alegre e DJ desde os 13 anos, analisa essa visibilidade das músicas do país e acredita que o “x” da questão é o acesso. “Hoje tu podes estar descobrindo quinze, vinte, trinta bandas num dia. Tu abres o teu Spotify e tens acesso a vários tipos de estilos musicais diferentes, deixando que o próprio algoritmo te indique. A internet democratizou tanto a produção musical quanto a curiosidade [do ouvinte]”, reflete.

O apresentador comenta que ao ter mais acesso a variados tipos de música, as pessoas têm um leque maior de opções e um repertório maior de gostos. “Os próprios eventos já se adaptaram. Tu vês uma festa que tem um DJ, uma banda de rock, uma banda de pagode e o sertanejo depois.”

Encontro de gerações

Outro fenômeno que concorre para a valorização da Música Popular Brasileira (MPB) é o encontro de filhos e netos de artistas da MPB com a produção de seus pais e avós. Eles passaram a se inserir no cenário musical de hoje e estão fazendo com que a juventude desperte o interesse de ouvir não só suas músicas, mas também as canções de outras épocas.

A série da Prime Video “Em casa com os Gil” retrata esse encontro inter geracional fomentado pela música brasileira. A banda Gilsons — formada por filhos e netos de Gilberto Gil — está fazendo com que essa nova geração tenha contato com a música do artista baiano por meio de seu próprio som.

Encontro de gerações da música na família de Gilberto Gil. | Foto: Divulgação Prime Video Brasil no Youtube.
Internautas elogiam a série e são influenciados a voltar a consumir Gilsons | Reprodução: Twitter

É o que acontece com Giovana Tanaka, de 20 anos, que mora em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, e cursa relações públicas. Ela diz que se aproximou da música brasileira por conta da sua família. “A gente saía para viagens de carro que eram muito longas, meus pais colocavam na rádio pra gente escutar. Eram cinco horas de viagem, então tinha muita música para escutar”.

Com o tempo, Giovana começou a escutar MPB por vontade própria. “Acho que, durante tempos em que eu estava em casa, eles cantavam as músicas, elas ficavam na minha cabeça e, às vezes, eu botava pra escutar”. Giovana explica também que ouvir música brasileira a faz se conectar com a casa onde morava com sua família, em São José dos Campos, no interior de São Paulo, antes de se mudar para Santa Maria. “Acho que é basicamente saudade de casa”, diz.

“Tem vários artistas novos trabalhando com pessoas de outras gerações”, diz Isabel Nogueira, professora.

A compositora e professora do Departamento de Música do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Isabel Porto Nogueira, acredita que, durante a pandemia, muitas pessoas passaram a escutar músicas mais antigas numa tentativa de se conectar com o mundo como ele era antes, mais tranquilo. Por isso, acabaram ficando mais nostálgicas.

Isabel percebe esse resgate de músicas de outras épocas até entre os próprios cantores. “Tem vários artistas novos trabalhando com pessoas de outras gerações”, reflete. Ela destaca que um dos gêneros que está sendo resgatado é a bossa nova.

Cantoras internacionais e que são referências para a Geração Z entraram nesse regaste. Billie Eilish, usou inspiração do movimento musical nos seu disco novo enquanto que Alessia Cara no ano passado viralizou ao cantar, em português, músicas de João Gilberto e Toquinho no Tiktok.

Facilidade de acesso

Para Isabel, um outro elemento que cativa a Geração Z é a possibilidade de acesso a conteúdo diversificado a partir do TikTok. Ela percebe que a facilidade de acesso aos artistas nas redes sociais faz com que a juventude se interesse em consumir as obras desses cantores. A professora percebe que as pessoas se sentem fazendo parte de uma rede ao conhecer músicas brasileiras novas.

Na sua perspectiva, a Geração Z acaba se sentindo parte dessa comunidade pelo acesso ao modo de produção das obras musicais, ao saber quem são as outras pessoas que interagem com essa mesma obra que acabam influenciando esse público também e ainda quais festivais essas outras pessoas frequentam. Isso tudo acaba por interferir nessa nova procura musical dos jovens e cria um novo padrão de interesses e de modos de consumo.

Identificação que aproxima

Isabel acredita que as composições brasileiras têm explorado temáticas que interessam aos jovens, como é o caso das questões de gênero. “Porque isso é um elemento que faz com que a gente consiga lidar com a diferença, e são temas que aparecem nas músicas”, reflete.

Ou seja, para ela, as músicas geram uma identificação no público, e este se sente representado. Ainda segundo a professora, embora os aplicativos exerçam certa influência no direcionamento do que o usuário vai ouvir — em decorrência da lógica dos algoritmos –, essa geração tem o mérito de estar cada vez mais questionadora e interessada na história do país. E isso acaba contribuindo para promover uma aproximação desses jovens com a música nacional.

*Reportagem produzida para a disciplina de Fundamentos da Reportagem do curso de Jornalismo da FABICO/UFRGS.

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Daniela Lacerda
Brasil à vista

Estudante de Jornalismo e interessada no que ainda não descobri