SAÚDE

AVC: os rastros da reabilitação tardia

O processo de recuperação do AVC é dificultado pelo Sistema Único de Saúde no RS e prejudica a qualidade de vida populacional

Rafaellabrina
Brasil à vista

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Cadeira de rodas emprestada, utilizada por paciente pós-avc do SUS | Rafaella Gonzalez/

Uma em cada seis pessoas vão sofrer com essa doença ao longo da vida, é o que diz a Organização Mundial do AVC. O Acidente Vascular Encefálico (AVE) ou Acidente Vascular Cerebral (AVC) é a segunda maior causa de mortes no Brasil, perdendo apenas para o ataque cardíaco.

No Brasil, somente no primeiro semestre de 2022, de janeiro a junho, o Sistema Único de Saúde (SUS) recebeu 87 mil internações pela doença, segundo os dados divulgados pelo Datasus.

No Rio Grande do Sul os números crescem a cada mês. No primeiro semestre de 2022 houveram cerca de 6 mil internações pelo Sistema, ou seja, parcela desconsiderando os casos particulares e internações através de planos de saúde

Cerca de 70% das pessoas afetadas apresentam algum prejuízo funcional

Essa doença apesar de ser momentânea, pode deixar sequelas graves nos pacientes. Cerca de 70% das pessoas afetadas apresentam algum prejuízo funcional ou dificuldade de locomoção após o acidente.

Sobre a doença

O Acidente Vascular Cerebral consiste na falta de passagem de sangue oxigenado para alguma parte do cérebro durante um significativo período de tempo. Essa falta de oxigenação caracteriza o avc em dois tipo: isquêmico, quando provocado pelo entupimento de vasos direcionados à uma região cerebral; e hemorrágico, quando ocorre pela ruptura de algum vaso, causando sangramento interno.

Ao apresentar sintomas como fortes dores de cabeça, dificuldade de fala e falta de força nos membros, o paciente deve ser encaminhado ao hospital. Lá, é tratada somente a causa do ocorrido. A reabilitação das funções afetadas são tratadas após o período de internação, quando a paciente retorna para casa.

”A maioria dos pacientes fica com déficit cognitivo — falta de memória, dificuldade de leitura e aprendizagem –, além de dificuldade de engolir, rigidez motora e desajuste na fala”, Carla Moro, neurologista e membro da Organização Mundial do AVC

As sequelas que permancem

A médica aponta outras sequelas que prejudicam a vida dos pacientes, como dores do corpo e epilepsia. Ela afirma que há uma queda da qualidade de vida de quem sofre com as consequências de um AVC.

Os profissionais de fisioterapia são os mais requisitados para o processo de reabilitação.| Reprodução: Freepick

Segundo a Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul, 60% dos pacientes que sofrem AVC necessitam de algum tipo de reabilitação. Em geral, fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, toxina botulínica (tratamento para rigidez muscular) e medicamentos são os meios de tratar as sequelas. Além de envolver profissionais multidisciplinares, o processo se torna caro sem auxílio do sistema de saúde.

Esse é o caso de dona Beatriz Milani, de 57 anos, que foi vítima de um AVC hemorrágico e gastou, em média, R$1.5 mil por mês em fisioterapia durante um ano.

“Eu fazia fisioterapia três vezes por semana, porque o AVC paralisou totalmente o lado esquerdo do meu corpo, incluindo a minha boca. Tive que reaprender a caminhar e movimentar meu corpo”, contou.

Além de fisioterapia, dona Beatriz faz tratamento psiquiátrico até hoje, para tratar a depressão causada pela doença.

Além do apoio multiprofissional, a doença demanda auxílio recorrente da família, e algumas pessoas acabam se tornando dependentes de cuidadores. As decorrências do AVC podem acabar limitando os pacientes na realização de funções diárias, como comer ou caminhar. Essas pessoas podem necessitar de ajuda para desempenhar funções vitais para a sobrevivência — até mesmo para respirar.

A demora pelo Atendimento

A espera é longa na fila do SUS.| Tânia Rego/ Agência Brasil

O processo de reabilitação pelo SUS é lento. O problema é a falta de agilidade no serviço de agendamento profissional, que demora em média nove meses para ser realizado. Fatores como a falta de transporte até centros de reabilitação ou a falta de informação, auxiliam nessa demora.

“A gente espera muito tempo por atendimento. Eu coloquei o nome lá, encaminhei a requisição e a secretária ficou de me ligar para confirmar a consulta”, conta Raquel Oliveira sobre o processo de agendamento de profissionais pelo SUS, posterior à alta hospitalar do filho Fabrício, vítima de AVC.

Fabrício Barbosa Oliveira, de 34 anos, sofreu um AVC em maio de 2022. A doença paralisou o lado esquerdo de seu corpo, e hoje ele se locomove de cadeira de rodas pela casa. O homem, que era pedreiro, hoje é auxiliado pela mãe, pela avó materna e pela prima. Após 33 dias internado na capital gaúcha, ele retornou para casa no município de Tapes (RS), com encaminhamento médico de atenção primária.

De acordo com o Ministério da Saúde, o Serviço de Atenção Primária é uma política nacional do SUS, indicando que as unidades básicas de saúde de referência do paciente devem prestar os primeiros auxílios após a alta hospitalar. Estes locais têm a obrigação de agendar consultas médicas, encaminhar exames e incluir o paciente em programas governamentais se necessário.

O médico indicou para Fabrício sessões de fisioterapia, para a reabilitação da parte motora, e atendimento psiquiátrico. Mesmo assim, 57 dias depois do retorno para casa, o paciente ainda não recebeu nenhum dos tratamentos de reabilitação solicitados além dos remédios.

De acordo com o auditor do SUS no RS, Bruno Naundorf, é dever do Sistema auxiliar nesse processo de reabilitação. No caso de Fabrício, a falta de informação dos profissionais de saúde do município pode ser a causa da longa espera.

As reclamações sobre a demora de atendimento profissional pelo sistema de saúde não são recentes. Segundo pesquisa realizada pela VEJA, 45% dos pacientes recebem encaminhamento para a reabilitação tardiamente. O SUS afirma que um dos motivos da lentidão no processo de atendimento é a alta demanda e a falta de informação nos municípios sobre os direitos do paciente.

“Quem deve atender o paciente pós-AVC são as unidades de saúde de referência do indivíduo, encaminhadas na alta hospitalar. Essas unidades são responsáveis pela atenção primária à saúde e devem auxiliar no processo de reabilitação através dos profissionais avaliados necessários. Acho que um dos pontos que dificulta isso é a falta de informação e orientação”, diz Naundorf.

O diretor ainda destaca que o SUS está na mesma formação e constituição desde 1988. Levando em conta as limitações, fica explícito nesses 34 anos sem mudanças, que o sistema necessita ser atualizado.

As consequências da recuperação tardia

O atraso na reabilitação pode diminuir a probabilidade de recuperação de habilidades. O fisioterapeuta e pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Alexandre Simões afirma que o paciente responde melhor ao tratamento fisioterápico nos dois primeiros meses, podendo se estender até o quarto mês.

“Se o indivíduo não se recuperar durante esse período, aumentam as chances de não haver recuperação das funções que ele fazia antes da internação”, explica.

A neurologista Carla Moro também destaca a necessidade do tratamento intensivo entre os seis primeiros meses após o AVC.

“O que faz um paciente não desenvolver rigidez motora (pés em garra, mãos fechadas) é a reabilitação precoce. Além disso, é importante a recuperação cognitiva do paciente para que ele possa ser reinserido na sociedade”, afirma.

“Por exemplo, o paciente que é liberado para trabalhar sem tratar a capacidade cognitiva, pode caminhar bem, pode falar bem, mas vai acabar apresentando dificuldades para pensar, ler, aprender e recordar. Isso desencadeia outros problemas como a ansiedade e depressão”, também ressalta Moro.

O processo de incapacidade acaba por isolar a vítima de AVC, principalmente devido à falta de auxílio.

Alternativas para a problemática

O atendimento precoce é de extrema importância para a melhor reabilitação dos pacientes de AVC. O sistema de saúde brasileiro acaba por atrasar esse processo, prejudicando até mesmo a reinserção dessas pessoas no sociedade e mercado de trabalho.

Conforme as diretrizes do Ministério da Saúde, nas chamadas Linhas de Cuidado do Acidente Vascular Cerebral (AVC) no Adulto, as unidades de saúde possuem autonomia para encaminhar pacientes debilitados para Centros de Reabilitação ou para o Melhor em Casa. O programa consiste em visitas dos profissionais aos lares dos para consultas, quando constatado por um médico a incapacidade de locomoção do enfermo até à unidade de saúde de referência. Os cuidadores ou o próprio paciente podem questionar tais profissionais.

Outra alternativa é a reclamação na ouvidoria tanto nacional, quanto estadual, para casos mais específicos. O número da ouvidoria gaúcha é 0800 6450 644, e no site oficial da Secretaria de Saúde existem ouvidorias de municípios específicos.

*Reportagem produzida para a disciplina de Fundamentos da Reportagem do curso de Jornalismo da FABICO/UFRGS.

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Rafaellabrina
Brasil à vista

20 anos| Estudante de Jornalismo (UFRGS)| Porto Alegre, RS.