ESTÉTICA E SAÚDE MENTAL

Das telas às cirurgias

Atingindo cerca de um bilhão de usuários mensais, o Tik Tok se tornou um criador de tendências da atualidade. Somado à necessidade de se atrelar a um padrão estético, as mulheres são as mais afetadas neste processo

Camille Borges
Brasil à vista

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Emma Chamberlain na gravação do vlog de beleza para o Met Gala| Reprodução: redes sociais

ACovid-19 fez o mundo entrar em uma nova realidade. No auge da pandemia, a forma como as redes sociais funcionam mudou, e se alterou também a maneira como elas impactam nossas vidas. Entre 2020 e 2021 o uso das redes sociais disparou no Brasil, principalmente pelas lives de artistas que somam milhões de espectadores. Com seus vídeos curtos, o Tik Tok surgiu como um modo de aproximação entre as pessoas no período de isolamento social e lockdown. De acordo com a firma de análises Insider Intelligence, a rede social registrou mais de um bilhão de downloads no ano de 2021, tornando-se o aplicativo mais baixado do planeta. Mas tudo que é bom tem a sua parte ruim.

Atrelado ao surgimento das blogueiras de Instagram, a estética se tornou cada vez mais presente e os padrões, por mais que não tenham sido criados nas redes sociais, se transformaram em metas. A partir de fotos super-editadas e de corpos artificialmente modelados, a essência dos padrões estéticos se deslocou para a nova rede social do momento: o Tik Tok. Dados do Sensor Tower divulgados no dia 26 de abril de 2022 afirmam que o aplicativo foi o mais baixado do mundo no primeiro trimestre deste ano. O APP se conduziu como um veículo capaz de construir e difundir um modelo associado à beleza e o público mais afetado nessa rede social são as mulheres com menos de 24 anos. Segundo dados do próprio aplicativo, 69% dos usuários possuem de 13 a 24 anos, e no Brasil, 56,8% dos usuários são mulheres na mesma faixa etária.

A estética “aquela garota”

Essa estética nasceu no Instagram, pela aplicação de filtros e photoshop nas fotos. O Tik Tok deu uma nova face a isso ao apresentar uma rede social exclusivamente de vídeos. Aos poucos, os criadores de conteúdo introduziram as suas rotinas como o próprio conteúdo a ser compartilhado e, dessa forma, surgiu o modelo de vida e estética para as meninas e mulheres que usam o Tik Tok. Esse modelo ficou conhecido como “aquela garota”. São usuárias que mostram um estilo de vida beirando a perfeição: seguem padrões de alimentação muito restritos, vão à academia, são alegres e cuidam da pele diariamente. Seus cabelos são hidratados e sua pele macia. Suas notas são as melhores, seu quarto é o mais organizado e seu ciclo de amizades é incrível. No entanto, atingir esse modelo de vida se tornou uma obsessão coletiva. Quanto mais tempo reproduzido, mais provável que essa realidade distópica pareça real aos que assistem a esse conteúdo, cujo número de visualizações dentro do aplicativo supera os 3.5 bilhões.

“Essa é a proposta da Estética de hoje, mais voltada para valorizar e descobrir a beleza que muitas vezes está ocultada por um olhar imposto pelo mercado.”, Walkiria Firmo Ferraz, professora da Uniso.

As consequências vão muito além do psicológico. A partir do momento em que essa estética se torna um movimento, o físico também é atingido. De acordo com a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS), em 2021 houve um aumento de 50% na procura mundial por procedimentos estéticos em relação a 2020. Esse aumento gerou um fenômeno denominado pela entidade de “Efeito Zoom”. Como as pessoas tiveram que fazer mais chamadas em vídeo na pandemia, às vezes por muito tempo, passaram a enxergar o seu próprio rosto na tela em detalhes, e foi quando começaram a perceber “defeitos” que antes não viam.

As cirurgias sofreram um grande aumento na pandemia da Covid-19 | Reprodução Blanc Hospital

“Considero que hoje o papel do profissional de estética deve ser mais abrangente; olhar a pessoa de forma integral, individualizada, não só nas suas características físicas, mas também profissionais, étnicas e até profissionais. As pessoas devem ser tratadas de forma individualizada e olhadas com suas características próprias. Essa é a proposta da Estética de hoje, mais voltada para valorizar e descobrir a beleza que muitas vezes está ocultada por um olhar imposto pelo mercado, que continua vendendo o corpo, face e cabelo perfeitos, e sabemos o quanto esses aspectos são subjetivos”, conta Walkiria Firmo Ferraz, professora e coordenadora do curso superior de Estética e Cosmética da Universidade de Sorocaba (Uniso).

Padrões, tendências e autoestima

Os padrões são criados no Tik Tok por meio do sistema de recomendações no aplicativo. “A minha concepção do Tik Tok é que ele é a própria tendência. Por exemplo: eu analiso a minha foryou — é praticamente só moda — , se eu começo a ver e passam quatro influenciadoras usando a mesma coisa, a minha cabeça já pensa ‘isso aí vai ser tendência’. Por quê? Porque eu já sei que vai viralizar”, diz Isabela Giriboni, estudante de moda e consumidora do aplicativo.

Isabela explica que o problema dessas tendências é que elas terminam tão rápido quanto começam, sendo caracterizadas pela transitoriedade. “Por um lado, é legal porque muitas pessoas se encaixam nesse meio, mas no sentido estético é muito complicado de acompanhar. É extremamente exaustivo”, reconhece Isabela.

Há mais incentivo para seguir e reproduzir uma tendência do Tik Tok |Fonte: Ron Lach, Pexels

A tendência assumida durante a pandemia foi o resgate dos anos 2000. A nostalgia causada pela vontade de escapar da realidade pandêmica trouxe de volta as tendências do início do século XXI. Essa estética Y2K, como é chamada a moda dos anos 2000, também trouxe a volta o ideal da beleza magra daquela época. A psicóloga Lívia Oliveira, especialista em terapia de aceitação e compromisso — tem como objetivo ajudar o paciente a ter maior consciência das suas emoções e pensamentos para que assim seja capaz de reagir de acordo com os seus valores — , afirma que as redes sociais, em especial o Tik Tok, interferem em todas as questões que abrangem padrão e pertencimento. “E é justamente essa repetição na estética que faz as pessoas pensarem que este é o ideal de beleza e, consequentemente, se frustram por não conseguir atingi-lo” complementa a psicóloga.

A autoestima nada mais é do que a percepção que temos de nós mesmos, e ela é tão importante justamente por isso. É a avaliação que eu faço de mim, não só do meu aspecto físico, mas também dos meus comportamentos, de quem eu sou, se eu sou capaz de realizar as coisas ou não”, explica a psicóloga. Lívia salienta que as mulheres podem trabalhar para aumentar a autoestima e, para isso, precisam reconhecer que as pessoas não são apenas seus corpos. Há também o intelecto, os comportamentos e os gostos. Ter autocuidado é também viver de uma forma que a vida faça sentido. E o mais importante: ser quem se é.

*Reportagem produzida para a disciplina de Fundamentos da Reportagem do curso de Jornalismo da FABICO/UFRGS.

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