Representatividade

Quem são elas?

No estado mais racista do Brasil, menos de 6% das jornalistas de TV são negras

Jeniferprocopio
Brasil à vista

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Carolina Rodrigues, Liliana Pereira e Juliana de Brites | Reprodução: Site Rede Pampa | Divulgação: Omar Freitas/Agência RBS| Reprodução: redes sociais/ @julianadebrites

Filha de professor de matemática, Carolina Rodrigues fugiu das exatas desde cedo. Ganhou seu primeiro gravador com oito anos. É que seu pai havia percebido que sua vocação era comunicar. A jovem, que exigia a atenção dos parentes para poder entrevistá-los nos encontros da família, hoje, aos 38 anos, projeta a sua voz para milhões de ouvintes. “Eu não tive muita dúvida do que eu queria, eu já sabia, queria jornalismo. Então, foi certeiro”. Não era objetivo da radialista usar a locução para noticiar. Começou no jornal local de sua cidade, Canoas. Por indicação de uma vizinha foi parar no jornal O Sul. Em 2022, já faz 15 anos que a redatora contribui para a publicação diária do jornal.

Carolina, relembra o início da carreira. O jornal era impresso e a rotina na sala de redação, frenética. Ela conta que demorou para se adaptar ao meio: “Eu já sentia olhares indiscretos, do tipo ‘o que ela está fazendo aqui?’ E no sentido de, ai que interessante. Um olhar não acostumado que acha que as mulheres negras servem para certas coisas. Eu me segurava. Muitas vezes, chorei”. Este sentimento vivenciado por Carol é o mesmo sentido por Liliane Pereira, a primeira mulher negra a estar em frente às câmeras de uma das redes de TV mais tradicionais de Porto Alegre. Liliane ingressou como repórter na Record TV-RS em 2021, após 14 anos de fundação da emissora.

Liliane se orgulha de seu início. Quando era apenas uma estudante a sua primeira função na RBS foi vendendo assinaturas | Divulgação: Omar Freitas/ Agência RBS

A pós-graduanda em produção e revisão textual, explica que, além da falta de representatividade nas redações, as produções televisivas devem se atentar às pautas. Os três telejornais nos quais trabalha são voltados para casos de violência e crime, exceto os de racismo. Mas a presença da comunicadora e de outros colegas pretos estão mudando aos poucos esse cenário. “Sempre que eu posso, dou aquela pitadinha sobre [situações de racismos], porque é o que eu posso fazer”. Exemplo disso é a reportagem apresentada por Liliane e que foi ao ar no dia 18 de julho, no programa Balanço Geral RS. A matéria expõe números alarmantes, como, o de que 68% dos casos de racismo denunciados no Brasil são no Rio Grande do Sul. A repórter revela que para exibir mais matérias racializadas a equipe teve de rever a forma com que lida e prioriza o assunto e assumir o compromisso em produzir conteúdos, semanalmente. Ela acredita que qualquer pauta do dia pode ser removida da grade, menos as raciais.

Antes de chegar nas telas da Record TV- RS, Liliane se destacou em outros lugares. A jornalista começou no call center do grupo RBS e de lá seguiu para a sala de redação do Diário Gaúcho, onde escrevia para a coluna Eu sou o samba. Todas as quintas-feiras eram publicados textos opinativos ou entrevistas acerca do universo carnavalesco. Enquanto atuava na RBS, o trabalho da ex-colunista era importante para mostrar as dificuldades enfrentadas por quem fez o Carnaval durante a pandemia do covid-19.

Outra que teve uma jornada movimentada no período do pico da epidemia foi a supervisora de produção da TV Pampa, Juliana de Brites. A profissional, que é congregada na igreja Universal, iniciou o seu contato com os bastidores fazendo parte da equipe da TV Universal. Por adorar escrever, se envolveu de forma natural com a produção. “No jornalismo o cargo mais visado é em frente às câmeras, mas tem todo aquele processo antes que a gente vai conhecendo, vai se interessando e acaba até preferindo”, diz a supervisora. O tal processo engloba verificar a veracidade dos fatos para que possam ser transmitidos e cuidar do elenco de comunicadores. Esta é a função de Juliana.

Há mais de um ano trabalhando na Rede Pampa a jornalista destaca: “A noção de representatividade pode parecer bobagem ou só um detalhe, mas que inconscientemente a gente vai percebendo que tem que ter, participação feminina, participação negra e tem que ser mais plural”.

Formada em 2018 pela UFRGS Juliana de Brites chegou a trabalhar em uma rádio web | Reprodução: redes sociais/@julianadebrites

TV: Um espelho que não reflete a realidade

Menos de 6% das comunicadoras negras de Porto Alegre vão parar na TV. Publicada em 2021, a pesquisa Não nos vemos por aqui revela um cenário preocupante. Se juntar a setes principais redes de comunicação da Capital é possível totalizar 134 repórteres e apresentadores, dos quais somente 8 são negros (cinco homens e três mulheres). “Quando somos os únicos nos espaços carregamos não só apenas a gente como sujeito”, comenta o responsável pelo o estudo, Gabriel Bandeira. Os dados são fruto do trabalho de conclusão de curso de Jornalismo do pesquisador na faculdade Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

A promoção de um jornalista preto, normalmente, se dá por conta da saída de outro. Como se houvesse uma espécie de vaga única. “Quantos ocupam os espaços ao mesmo tempo?”, indaga Gabriel que defende a importância de televisionar corpos pretos de forma constante: “Isso amplifica a nossa possibilidade de existência”.

Do último ano para cá, o tom de voz grave de Carolina vem marcando a presença da noticiarista na Rádio Pampa. A locutora revela que o convite para participar do elenco de radialistas surgiu quando a diretora geral de conteúdo reparou em sua voz por meio de uma ligação telefônica. Em janeiro deste ano, além dos plantões, Carol passou a ser âncora ao lado de Jota Crom no programa de debate de maior audiência da programação, o Atualidades Pampa. A radialista cita os desafios na apresentação de um programa de rádio: “O que pesou para mim foi ser mulher, é o que me difere deles na rádio. Eu tenho que botar a minha voz feminina, tinha que me impor, porque senão eles iam tomar conta. Então, esse é o toque feminino como eu costumo dizer”.

“Ela quebrou paradigmas. A Julieta Amaral foi a minha abertura de caminhos para esse meio” recorda Carolina de sua primeira referência | Divulgação: Rede Pampa

O último feito de Carolina Rodrigues abriu novos olhares. A redatora do portal O Sul é a primeira negra a participar do elenco do telejornal da TV Pampa, dando notícias que foram destaques ao longo do dia no site. A comunicadora relembra a primeira aparição: “Depois que as pessoas disseram que caiu a ficha. E todo mundo dizendo, que coisa boa, colocou uma cor, pessoal brinca que coloco um tempero”.

A receita é mais simples do que parece. “Eu só transporto a notícia. Simpatia, educação e transportar a notícia. Esse é o tempero”, revela a jornalista.

*Reportagem produzida para a disciplina de Fundamentos da Reportagem do curso de Jornalismo da FABICO/UFRGS.

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