BASTIÃO DE GAIA: A CULTURA AFRO-BRASILEIRA NA CONSTRUÇÃO DE PERSONAGENS.

Brasil In The Darkness
Brasil na escuridão
10 min readDec 4, 2018

Por Porakê Martins

Ilustração da Artista Alyne Leonel

Muito do fascínio que atrai jogadores ao universo do Clássico Mundo das Trevas, pode ser explicado pela forma como os jogos desse cenário relacionam seus elementos de ficção com a nossa realidade. Como toda a ficção de qualidade, os jogos do Mundo das Trevas nos propõem elementos fantásticos como metáforas para abordar os elementos mais sombrios de nossa realidade, a partir de arquétipos incrustados na “cultura pop”: vampiros, lobisomens, bruxas, fadas, fantasmas, demônios, etc.

Nesse contexto, elementos da cultura afro-brasileira, por excelência, carregam um forte conponente simbólico de histórico, como representação da resistência de um setor historicamente oprimido de nossa sociedade, os afrodescendentes, e de uma cultura, que, embora bastante invisibilizada e marginalizada, está fortemente presente nas fundações de nossa sociedade.

Retratar os elementos da cultura negra, seja africana ou afro-brasileira, deve ser bem mais do que incluir diversidade étnica ao elenco de personagens de sua narrativa, é uma forma de enriquecer a narrativa trazendo para o jogo todas essas camadas adicionais de drama e complexidade para serem exploradas, além oferecer oportunidades para se conhecer mais profundamente o legado africano na cultura brasileira, combatendo preconceitos e reconhecendo sua enorme importância para a formação do Brasil.

Afinal, como o sombrio aspecto sobrenatural do Mundo das Trevas lidaria com as chagas abertas pelos séculos de escravidão? Como o fato do Brasil ter sido o principal destino do trafico de escravos no mundo e a última nação da América a abolir a escravidão se refletiria no Mundo das Trevas? Que impacto esse legado traria para criaturas imortais como Vampiros ou Wraiths ou intimamente ligadas a sua ancestralidade e tradições como Garou, Fera e Changeling? Como a marcante presença Bata’a e a difusão no imaginário brasileiro da figura dos Orixás, Médiuns e entidades correlatas interfeririam na Guerra da Ascensão, travada entre a União Tecnocrata e o Conselho das Nove Tradições Místicas?

Certamente tudo isso abre uma leque quase inesgotável de possibilidades para crônicas dispostas a explorar esses elementos. Para ilustrar um pouco dessa riqueza e complexidade, deixaremos aqui, como exemplo, uma personagem que pode oferecer algumas ideias ou meramente ser utilizado como NPC em suas crônicas de Lobisomem: O Apocalipse, que busca demonstrar a forma como elementos das culturas africanas e afro-brasileiras podem ser explorados ao se utilizar o Brasil como cenário.

EXEMPLO DE PERSONAGEM

SEBASTIÃO “CLAMOR-DOS-TAMBORES-ANCESTRAIS”

Aka “Bastião de Gaia”

Hominídeo Ahroun Filhos de Gaia
Natureza/Comportamento: Juiz/Samaritano

Estatísticas Iniciais

Conceito: Ogan de Candomblé
Posto: Cliath

Atributos: Força 3, Destreza 4 (Agilidade), Vigor 4 (Determinação). Carisma 2, Aparência 2, Manipulação 2. Percepção 3, Inteligência 2, Raciocínio 3.

Habilidades: Prontidão 3, Esportes 3, Manha 1, Empatia 1, Lábia 1. Capoeira 4 (Velhacaria), Liderança 2, Performance 3, Ofícios 2, Furtividade 1, Sobrevivência 2. Enigmas 1, Erudição 2, Ocultismo 2.

Antecedentes: Vidas Passadas 5.

Dons: Persuasão, Inspiração, Resistência à Dor.

Fúria 7 Gnose 3 Força de Vontade 7

Méritos: Parente Distante -1 (Descendente de Fúrias Negras), Aliado Ancestral -1 (Névoa Matituna), Temperamento Calmo -3.

Defeitos: Inimigo -2, Meta Pessoal -4 (Paz entre as raças metamórficas da Amazônia).

Manobras Conhecidas: Ginga, Seguir o Toque, Chute Básico, Contragolpe, Evasiva, Rasteira, Recompor, Musica Interior, Gingado Feral. [Confira AQUI nossas regras opcionais para a Perícia Capoeira]

Prelúdio: Sebastião Amaral dos Santos foi mais um dos filhos indesejados de uma das incontáveis jovens mães solteiras que povoam a periferia das grandes cidades pelo mundo. Sua mãe foi vítima da violência ao ser atingida por uma bala perdida. Órfão, Sebastião viu-se sozinho no mundo com apenas quando não passava de uma criança e que sobreviver nas ruas da cidade revezando-se entre as casas de parentes negligentes e as movimentadas ruas do Centro de Belém.
Foi quando a violência e a miséria ameaçavam tornar-se a tônica de sua existência, que Mestre Lorival cruzou seu caminho. O velho de corpo atlético, barba grisalha e sorriso generoso mudou para sempre o destino do pequeno Bastião. Mestre de obras, capoeirista e pai de santo, Mestre Lourival, dedicava-se a presentear, com esperança e dignidade, crianças e jovens abandonados a própria sorte como Sebastião. Talvez pela raiva e frustração que de alguma forma pareciam brilhar intensamente em olhos tão jovens, pelo jeito calado e introspectivo que mantinha o menino afastado das outras crianças, ou ainda pela dedicação e o talento que o garoto demonstrou ao iniciar logo cedo as aulas de capoeira, um forte vinculo surgiu entre o velho mestre e seu novo aprendiz. Após uma vida marcada pela tragédia, miséria e violência Sebastião conheceu o altruísmo, o afeto desinteressado e a tranquilidade de uma relação baseada na confiança e no respeito.
Com Lourival, Sebastião desenvolveu a habilidade na Capoeira e no manuseio do atabaque, além da reverência aos Orixás e da profissão de servente de pedreiro. Infelizmente o velho mestre Lorival acabou encontrando a morte em uma noite chuvosa quando tentava auxiliar uma mulher desconhecida durante um assalto. Sebastião, transtornado, perseguiu os bandidos até um beco e num acesso de fúria dilacerou a dupla ao sofrer sua tardia primeira mudança. Ele sempre sofreu com sonhos e pesadelos extremamente realistas onde se vê convertido em uma caçadora tribal nos confins da distante áfrica, como um lobo selvagem, missionário jesuíta ou guerreiro indígena. Embora jovem, acumulou desde muito cedo muita experiência com a vida nas ruas e sob a tutela de seu velho mestre.
Sebastião já conheceu o melhor e o pior da humanidade e através da capoeira aprendeu a canalizar sua ira de forma eficiente e avassaladora sem permitir que o ódio nuble seus pensamentos. Nele a Lua Cheia se manifesta com uma determinação férrea, uma sede avassaladora por justiça e um desprezo mortal por todos aqueles que atentam contra Gaia ou demonstram crueldade ou covardia. Ele desfruta de uma estreita ligação com uma de suas ancestrais, em especial uma Theurge africana chamada Névoa-Matutina, que num passado remoto se insurgiu contra a Guerra da Fúria e tomou como parceiro um Baghera, por influencia dela ele tenta, sempre que possível, convencer os demais Garou a ser tolerantes em relação aos Fera e sonha em estabelecer uma aliança entre os Garou e as demais raças metamórficas para defender os territórios na Amazônia e redimir o que ele acredito ter sido o maior erro da Nação Garou, a Guerra da Fúria.

Comentários: A qualidade “Temperamento Calmo” torna esse Ahroun bastante particular e poderia facilmente ser entendida como desvirtuamento da própria essência e do desafio de se interpretar um Ahroun. Contudo, a proposta desse personagem é explorar outras facetas do que significa ser um Ahroun e seu vínculo com sua ancestralidade africana. O desafio central aqui não seria aprender a lidar com a Fúria, mas combater a duríssima batalha de tentar superar as cicatrizes deixadas pela Guerra da Fúria a partir do vinculo com seus ancestrais que viveram o processo de colonização tanto na África quanto na América e do exercício de empatia com os Fera, que são marginalizados e hostilizados pelos Garou como os próprios negros e indígenas foram e ainda são em nossa sociedade. Neste caso especifico, avaliamos que somar a esse imenso desafio a necessidade de controlar a fúria seria “sobrecarregar” o personagem e limitar as possibilidades de explorar com mais profundidade as possibilidades oferecidas por sua “Meta Pessoal”.

Planilha Atualizada

Conceito: Guerreiro Espiritual
Posto: Athro (4º Posto)

Atributos: Força 4 (Reservas de Força), Destreza 4 (Agilidade), Vigor 4 (Determinação). Carisma 3, Aparência 2, Manipulação 2. Percepção 3, Inteligência 2, Raciocínio 4 (Astúcia).

Habilidades: Prontidão 3, Esportes 4 (Acrobacias), Manha 2, Empatia 3, Lábia 2, Instinto Primitivo 2. Capoeira 5 (Velhacaria), Liderança 4, Performance (Atabaque) 4, Ofícios 2, Furtividade 2, Sobrevivência 3. Enigmas 2, Erudição 3, Ocultismo 2, Rituais 4 (Rituais Místicos), Cosmologia 2.

Antecedentes: Vidas Passadas 5, Aliado Espiritual 5 (Jaguaraúna — Jagling da Pantera), Aliados 5.

Dons:
Nível 1 — Persuasão, Inspiração, Resistência à Dor, Engolir Fúria, Comunicação com Espíritos, Verdade de Gaia, Fúria Primal.
Nível 2 — Espírito da Batalha, Armadura de Luna, Ira Espiritual, Acalmar, Toque da Avó.
Nível 3 — Coração da Fúria, Casco Perfurante.
Nível 4 — Serenidade, Graça do Unicórnio.

Fúria 8 Gnose 5 Força de Vontade 8

Méritos: Parente Distante -1 (Descendente de Fúrias Negras), Aliado Ancestral -1 (Névoa Matutina), Temperamento Calmo -3, Amor Verdadeiro -4 (Melina, amante Mokolé), Aliado Sobrenatural -3 (Melina, amante Mokolé).

Defeitos: Inimigo -4 (Os Filhos do Dragão — Ninhada Mokolé), Meta Pessoal -4 (Paz entre as raças metamórficas da Amazônia), Segredo Sombrio -1 (Relação amorosa com uma Mokolé).

Manobras Conhecidas: Ginga, Seguir o Toque, Chute Básico, Contragolpe, Evasiva, Rasteira, Recompor, Musica Interior, Gingado Feral, Bloqueio de Juntas, Truque de Mestre (Pernada Devastadora). [Confira AQUI nossas regras opcionais para a Perícia Capoeira]

Rituais: Hálito de Gaia (Pequeno Ritual), Saudação do Sol (Pequeno Ritual), Ritual de Contrição (Ritual de Pacto Nível 1), Ritual de Purificação (Ritual de Pacto Nível 1), Ritual de Dedicação de Talismã (Ritual Místico Nível 1), Ritual da Última Benção (Ritual Místico dos Filhos de Gaia Nível 1), Ritual de Conjuração (Ritual Místico Nível 2), Ritual do Conforto (Ritual Místico dos Filhos de Gaia Nível 2), Ritual do Parente de Sangue (Ritual Místico dos Filhos de Gaia Nível 3), Ritual da Resolução (Ritual Místico dos Filhos de Gaia Nível 4), Ritual da Forja de Prata (Ritual de Punição Nível 4).

Renome: Glória 10 Honra 5 Sabedoria 6 — Sebastião é um guerreiro veterano e muito poderoso que já derrotou em combate inimigos terríveis, sobreviveu a confrontos letais com Balans e Mokolés, tem combatido por décadas o avanço da Wyrm na Amazônia, venceu importantes desafios por combate, foi um dos raríssimos Garou que conseguiu retornar com vida da infame Ilha das Onças, um domínio Balam, e é reconhecido como um especialista no combate espiritual. Ele também é renomado como professor paciente de filhotes e Garou de posto mais baixo e usufrui de uma relação estreita com as Fúrias Negras e a Grande Pantera, um de seus antigos Totens de Matilha ligado à Ninhada do Pégaso. E é famoso em toda a Nação Garou como um Ahroun que aprendeu a domar a própria Fúria e por ter retornado após um exílio auto-imposto no Érebo. Contudo, é visto com desconfiança por muitos, por sua extrema tolerância com as outras raças metamórficas, o que mais de uma vez colocou em risco sua própria matilha e seita, e por ser um Ahroun que, pelo menos em duas ocasiões, foi o único sobrevivente da completa aniquilação de sua matilha, além de costumar comportar-se de uma forma que muitos consideram inadequada para seu Augúrio: cantando e tocando como um Galliard, meditando e dialogando com espíritos como um Theurge, buscando conciliação como um Filodox e questionando antigas tradições como um Ragabash.

Cicatrizes de Batalha: Sebastião possui cicatrizes profundas no peito deixadas pelas garras de Guerreiros Mokolé na infame batalha do Lago de Tucuruí e Cicatrizes nas costas e pernas deixadas pelos Hakarr de Prata dos Balam da Ilha das Onças.

Imagem: Sebastião é um homem maduro de etnia negra com dreadlocks e barba por fazer, onde alguns poucos fios brancos e algumas cicatrizes de batalha denunciam sua grande experiência como Ahroun. Ele costuma usar roupas brancas e exibe um olhar surpreendentemente tranqüilo, embora determinado, e uma voz calma. Sua forma Crinus mantém os deadlocks e sua compleição esguia e sua forma lupina exibe uma pelagem completamente negra e olhos de íris douradas.

Histórico Atualizado: Sebastião desde cedo demonstrou forte ligação com seus ancestrais Filhos de Gaia e Fúrias Negras e obteve a honra de correr com a lendária matilha das Desbravadoras da Wyld, uma matilha formada quase inteiramente por Fúrias Negras e abençoada pela Grande Pantera. Ele tem dedicado grande parte de sua vida ao esforço de estabelecer relações amigáveis com as demais raças metamórficas da região. Mas após o fatídico episódio da Batalha do Lago de Tucuruí, onde sua matilha original foi dizimada em um ataque traiçoeiro de Mokolés, às portas do Harano, recolheu-se em uma jornada umbral que culminou em um exílio auto-imposto no Érebo e onde ele pôde entrar em contato com as memórias de seus ancestrais que fizeram parte do lendário Pacto Palmarino.
A partir de então foi obrigado a tratar com mais cautela seu objetivo de buscar pela paz entre as raças metamórficas. Ao retornar ao mundo material, ele visitou a África, onde foi submetido ao Ritual do Amanhecer e correu temporariamente em um kganmadi a serviço do Ahadi, buscando entender melhor os membros de outras raças metamórficas.
Ainda durante a década de noventa, ele decidiu retornar ao Brasil e obteve sucesso em conformar e liderar uma nova formação dos Desbravadores da Wyld que contava com uma participação multi tribal de Garous recrutados pelos quatro cantos do Planeta para combater a Guerra na Amazônia.
Esta segunda matilha de Sebastião ocupou papel de destaque no combate e destruição de um Fosso de Dançarinos da Espiral Negra descoberto sob a cidade de Belém. Foi após a aniquilação de sua segunda matilha, em sacrifício para livrar a cidade da ameaça dos servos da Wyrm, que Sebastião foi convidado a compor o Conselho de Anciões do Caern do Forte da Samaúma.
Durante a Guerra contra os Dançarinos, ele foi obrigado a penetrar furtivamente na Ilha das Onças, domínio do lendário ancião Balam Mandaçaia, local ancestral de Taghairm Balam, para resgatar seu antigo Mentor, o Theurge Filho de Gaia, Bené “Mira-o-Infinito”, mas precisou sacrifica-lo para evitar que os Balam o usassem em um ritual que enfraqueceria as defesas do Caern do Forte da Samaúma, um novo sacrifício que o marcaria para sempre.
Sebastião mantém oculto da sociedade Garou um relacionamento de décadas com uma Sol-encoberto Mokolé-mbembe chamada Melina “Trás-a-Primavera”, a verdadeira responsável por ele ter sobrevivido à trágica batalha contra os Mokolé no Lago de Tucuruí. Atualmente ele lidera o Caern do Forte da Samaúma em Belém e é um dos mais proeminentes Filhos de Gaia da comunidade Garou da América do Sul. [Você pode obter maiores informações sobre o Pacto Palmarino AQUI e sobre o Ahadi AQUI].

Atitude: Sebastião demonstra uma sabedoria e autocontrole incomuns aos membros de seu Augúrio, fruto de uma intima ligação com seus ancestrais e da rígida disciplina imposta pela pratica da Capoeira, arte na qual é mestre reconhecido. Ele é fortemente influenciado pela cultura negra e costuma fazer referências a sua curiosa visão religiosa que mistura elementos do Candomblé com a cosmologia Garou. Ele identifica, por exemplo, o Totem da Pantera como a Orixá Otin, uma faceta feminina de Oṣóòsi, e o Unicórnio Negro como uma manifestação de Ṣàngó. Seus olhos de íris douradas faiscam com determinação e esperança no futuro apesar das grandes perdas e frustrações que sofreu ao longo de sua gloriosa carreira.

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Fanpage brasileira do universo clássico de RPG de Mesa, Mundo das Trevas (World of Darkness).