Os desafios da inclusão LGBTQIA+ no cenário do RPG brasileiro.

Brasil In The Darkness
Brasil na escuridão
6 min readJun 4, 2021

Por Eros Rosado

Entramos no mês do orgulho LGBT+ e para muitos de nós é momento de comemorar e enaltecer nossas identidades e sexualidades em toda sua diversidade, buscando trazer visibilidade para aquilo que constantemente tentam oprimir ou eliminar. Portanto, é também importante aproveitar esse espaço para promover a reflexão sobre tudo aquilo que nos acomete enquanto comunidade. Como gay tentando compreender minha própria identidade, venho trazer alguns pontos para a nossa conversa, algumas perguntas para que vocês possam responder (honestamente) para si mesmos e fazer alguns convites.

Antes gostaria de dizer que fazer um RPG consciente não é a mesma coisa que fazer um RPG sem diversão. Infelizmente essa ideia tem surgido no imaginário das pessoas. E por fim, comentar que há algumas discussões sobre como devemos nomear a comunidade. Se seria pelo uso das siglas ou palavra estrangeira Queer - termo que engloba o espectro da identidade e sexualidade - porém, como não pretendo entrar neste assunto em específico, vou usar a sigla para me referir a nossa comunidade.

Bem, você já deve ter percebido que o RPG é um espaço social, de interação entre pessoas e seus personagens e é por conta disso que nesse espaço, consciente ou inconscientemente, compartilhamos com nossos colegas de jogo nossos Sonhos e Pesadelos - se você está familiarizado com o cenário de Changeling: O Sonhar. Porém, também é um espaço por onde correm livres nossos preconceitos, fobias, ignorâncias. Nada que deva ser naturalizado e preservado, principalmente se você se preocupa em criar um espaço seguro, inclusivo, diverso e que tem como papel central cumprir com o objetivo base de qualquer mesa de RPG que é ser DIVERTIDO. Afinal, como um RPG poderia ser divertido se mestres e jogadores têm atitudes discriminatórias?

Embora acreditemos que não é necessário fazer parte da comunidade para se sentir minimamente desconfortável com tais atos, talvez devesse imaginar como os colegas que jogam com você e são do vale e você nem sabe como estão se sentindo a respeito desse seu jeito de se divertir - dá mesmo para chamar de diversão? Quando peço a você para imaginar isso acontecendo em seu cotidiano, com as pessoas que você conhece é apenas para aproximar a situação de você, mas não deveria ser necessário, visto que a reprodução e manutenção de violências sob o pretexto de brincadeira é muito comum nos espaços de lazer. Poderíamos aprofundar nisso, mas este não é o assunto central aqui hoje, quero atentá-los sobre a necessidade de compreender os efeitos de nossos atos.

Quero convidar vocês a entenderem um pouco sobre como a transfobia, bifobia e homofobia e outras violências direcionadas a gênero e sexualidade podem ecoar dentro de nossos encontros e narrativas. Para isso vou subdividir em dois pontos que chamarei de “O jogo” e “A mesa”, mas antes de abordá-los especificamente gostaria de salientar que a não ser que trabalhar preconceitos e questões sociais seja uma proposta da mesa em questão e que todos os envolvidos estejam cientes disso, então estaremos falando de violências. Pode ser interessante que em algum outro momento iniciemos uma discussão sobre como usar do RPG como ferramenta de entendimento da realidade social sem cair em armadilhas, mas deixemos para outro texto.

O jogo

No jogo o mestre cria um cenário repleto de personagens enquanto cada jogador cria o seu e aqui a LGBTfobia pode aparecer como por exemplo, na vilanização de personagens LGBT+. Dessa forma, somos associados a falta de caráter, a crueldade, perversão e outros adjetivos nada simpáticos. Alguns exemplos são a Ursula, de A Pequena Sereia; o Ele, das Meninas Superpoderosas; o Felix, da novela Amor a Vida e etc. Isso vem sendo feito e passa a ideia de que a identidade de gênero e/ou orientação sexual destoante do padrão pré-estabelecido é vinculada a falta de caráter. É um questionamento muito interessante que eu convido vocês a conhecerem.

Ainda sobre a forma como os personagens são construídos, temos a reprodução de estereótipos. Citemos alguns: a personagem lésbica construída para ser um objeto e fetiche sexual; o personagem gay como um alívio cômico, o engraçado, feminino e escandaloso, o alvo das piadas e nada mais; o personagem transgênero, não-binário ou travesti como figura bizarra ou excêntrica por conta de suas roupas ou aparência - quem se lembra da Angel de Todo Mundo Odeia o Chris? Por mais que tudo isso possa parecer algo mais praticado pelos jogadores do que por seus personagens, não se esqueça do que comentei lá em cima: nos jogos, parte de nós escoa para nossos personagens e nem sempre ambos ficam 100% separados.

É possível também que as agressões venham na forma como o relacionamento entre os personagens acontece, como por exemplo perseguir, excluir, discriminar ou hostilizar o personagem LGBT+ por nenhum motivo justificável em prelúdio ou contexto do jogo. E sejamos sinceros, não precisa de muito para perceber que isso também é fugir do role-playing.

A mesa

Talvez seja mais fácil compreender como essas violências ocorrem entre os jogadores, quando entendermos as formas como a LGBTfobia acontece ao nosso redor - aqui fica meu segundo convite, venha entender nossas distintas realidades. Primeiramente, os/as jogadores(as) LGBT+ estão sendo incluídos(as) em sua campanha, mestre? E você jogador, pratica o respeito? Estariam todos ao menos aptos a reconhecer suas atitudes e corrigi-las? Novamente, se você deseja uma mesa inclusiva, segura, diversa e realmente divertida, precisa começar a analisar como cada um trata as outras pessoas ali presentes.

Tenho visto com frequência mesas de RPG compostas somente por mulheres ou pessoas LGBT+ e isso nada mais é que uma estratégia de autopreservação. Porém, infelizmente tenho visto essas mesmas mesas sendo criticadas nas redes sociais quando são divulgadas. É claro que isso parte de pessoas que não buscaram entender o porquê esses espaços seguros acontecem e ainda são necessários.

Agora vamos a outro aspecto: mestre, você encoraja seus jogadores a experimentarem outras peles e a viver personagens LGBT+ em suas mesas? É necessário reconhecer que o RPG também um espaço de experimentação e aprendizado e que nele podemos ao menos iniciar nosso processo de entendimento sobre o que se passa na pele de outras pessoas a partir do momento que vivemos um personagem. Por isso encorajar a criação de personagens membros desta comunidade e que vivem esse aspecto da vida por meio de suas interações com o cenário é importante. E você jogador, não pense que a responsabilidade é toda do(a) mestre, você está ao menos cogitando a possibilidade de jogar com um personagem LGBT+?

Por fim…

Fazer do RPG um ambiente saudável e divertido é de igual responsabilidade de todos. É necessário que busquemos compreender as realidades sociohistóricas do nosso Brasil, permeadas de racismo, machismo, etnocentrismo, conflitos de classes e por fim e tão importante quanto: a LGBTfobia. Precisamos minimamente compreendê-las para começarmos a fazer a mudança da qual todos nós precisamos e tornar nossas mesas menos toxicas, agressivas e opressivas. Te convido a tirar o mês do Orgulho para começar esse processo de compreensão e descoberta, como por exemplo, a diferença entre identidade de gênero e orientação sexual e as diversas possibilidades encontradas dentro de cada espectro. Se libertem dessa banalidade que acorrenta nossos corpos e almas com padrões ser e, por que não começar/estender isso até o RPG?

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Brasil na escuridão

Fanpage brasileira do universo clássico de RPG de Mesa, Mundo das Trevas (World of Darkness).