Os Legados Afogados-Parte 1

Nossa proposta para a peculiar e misteriosa estirpe de Vampiros Nativos da América do Sul.

Brasil In The Darkness
Brasil na escuridão
11 min readOct 31, 2020

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Versão em Português-BR│Versión en Español

Por Porakê Martins, Alex Pina, Aredze Xukurú, Frank Malcher e Júlia GMA.

Arte de Alyne Leonel, original para a Brasil in the Darkness.

Esta é a história como me foi passada por aquele que me guiou às profundezas do Guyra e me permitiu retornar ao Apeker, como um Afogado, e que, agora, cumprindo meu dever para com Ceiuci, Charía e Jaci, compartilho contigo, meu novo irmão…

Depois que Yamandú criou o Mundo, e se fez o próprio Mundo, dividiu o Fundo e o Superfície e deu origem aos Grandes Espíritos. Amaru, a Grande Serpente, moldou a Terra e seu Avesso; Jaci e Guaraci, do alto do céu, dividiram entre si o domínio sobre todas as coisas acima e abaixo deles; e Charía, a onça celeste, com astúcia e ousadia, se colocou entre os dois irmãos para mediar suas disputas.

De tudo que havia sido criado, apenas os humanos insistiam em desrespeitar a Harmonia que os Grandes Espíritos haviam instituído e, em sua busca por mantê-lo, Charía elegeu entre os humanos que habitavam o interior da floresta, mais precisamente entre as bacias do Orinoco e do Amazonas, uma líder sábia, capaz de ver além da Superfície das coisas e vislumbrar os segredos ocultos no Fundo, seu nome era Ceiuci, e, por obra de Charía, ela foi exaltada como a maior e poderosa entre os Ancestrais de seu povo, conquistando, por seu próprio direito, um lugar entre os Grandes Espíritos.

Ceiuci, de sua morada no Fundo, guiava seu povo através de seus Pajés, mortais tocados pelo Fundo, e assim eles prosperaram, cultivando a floresta como um imenso jardim e construindo magníficas cidades às margens dos rios e no coração das regiões selvagens, onde seus descendentes aprenderam a conviver em harmonia com a Superfície e o Fundo, por toda uma Era. Mas o amor de Ceiuci por seu povo não conhecia limites e quanto mais prósperos seus descendentes se tornaram, por mais prosperidade eles e Ceiuci ansiavam. Então, chegou-se ao ponto em que a Harmonia foi novamente rompida e a prosperidade se converteu em decadência, para tristeza de Charía, que, desgostoso, puniu Ceiuci com a Maldição da Gula, tornando-a eternamente assolada por uma fome que nada seria capaz de saciar.

Desesperada e decidida a buscar o perdão de Charía, Ceiuci devorou, com ainda mais voracidade do que nunca, os segredos do Fundo, percorrendo, Rio Acima e Rio Abaixo, até acreditar ter encontrado uma solução. Ela forjou um pacto com Jaci, o Senhor da Noite, e usou seus novos conhecimentos para trazer de volta à Superfície, através de um poderoso ritual, os grandes Pajés do passado, orientando-os para que eles guiassem seu povo até uma nova Era de prosperidade, como representantes imortais da ordem que ela buscava restaurar. Ela os chamou Afogados, por terem retornado à Superfície após mergulharem nas profundezas do Fundo. Assim surgiram os Primeiros.

Arte do livro Beckett’s Jyhad Diary

A Lore Oficial sobre os Legados Afogados

Os Legados Afogados são a exótica e misteriosa estirpe de Vampiros nativos da América do Sul no universo do Mundo das Trevas Clássico, introduzidos no derradeiro suplemento da Edição Comemorativa de Aniversário de 20 anos de Vampiro: A Máscara, intitulado Beckett’s Jyhad Diary, nos seguintes termos:

“Quem são os Legados Afogados Cainitas? Eles alegam ser Membros, no mínimo, embora poucos vampiros possam testemunhar a veracidade de sua existência.

De acordo com os Legados Afogados, eles controlam os assuntos dos Membros na América do Sul e o fazem há gerações. Seu governo secreto permitiu que eles evitassem em grande parte os expurgos da Camarilla e do Sabá, onde o conflito aberto levaria à sua destruição, como fizeram com seus antepassados indígenas. Nestas noites, poucos ancilla ou recém-nascidos afogados vêm dos remanescentes de povos nativos. Menos ainda traçariam suas origens até Caim, ou veriam o Livro de Nod como qualquer outra coisa além de ficção barata. Eles têm suas próprias histórias, suas próprias linhagens e suas próprias tradições. No entanto, o predomínio da fé católica na América do Sul atrai um grande interesse entre alguns afogados, que tentam ligar sua história com a dos 13 clãs. Este grupo cresce a cada noite que passa.

Desde que Cortés e Pizarro fincaram suas reivindicações, os Legados começaram a abraçar os espanhóis e portugueses invasores. A cultura dos vampiros da América do Sul rejeitou o apego a um estoque de alimentação e reprodução devastado pelos europeus com doenças e guerras. Eles se adaptaram ao mesmo tempo em que muitos dos seus rebanhos falharam.

Em alguns casos, eles prometeram vingar seus ancestrais. No mais, eles se contentaram em imergir nas nascentes Camarilla e Sabá, aprender o que pudessem das seitas e, finalmente, operar além do controle de qualquer organização. A facilidade com que um vampiro poderia reivindicar a linhagem Brujah, Toreador, Ravnos ou Setitas surpreendeu os Legados, cimentando seu disfarce a longo prazo.

Nestas noites decisivas, os Legados Afogados finalmente afirmam seu domínio abertamente. Eles se aproveitam de seu disfarce de longa data em toda a América do Sul e dos progons mortais em jogo nos domínios mais notórios. De dentro de seu casulo, os mestres da ocultação emergem como vencedores. Eles mal precisam derramar mais sangue. Os Afogados estão fartos após mais de cinco séculos.” (V20: Beckett’s Jyhad Diary, p. 508).

Muito pouco foi adicionado a essas informações iniciais em suplementos oficiais do jogo, além do fato do próprio Beckett’s Jyhad Diary atribuir aos Afogados do Legado Cipactli a destruição do Membro do Círculo Interno Tremere, Xavier de Cincao, um Matusalém de Quarta Geração, bem como, o suplemento Anarch do V5 estabelece que um Afogado, do Legado Kalku, que se passou por um membro do clã Tremere por algum tempo, assumiu a posição de Príncipe de Buenos Aires. O que deixa muito claro que, embora pouca informação oficial tenha sido revelada sobre os Legados Afogados, eles devem vir a ter grande importância para o cenário Sul-americano oficial da Quinta Edição de Vampiro A Máscara.

Nossa proposta de símbolo para os Legados Afogados, em referencia à dualidade entre Apeker e Guyra, e inspirado na iconografia do Povo Chibcha, da região central do Peru.

Nossa Proposta para os Legados Afogados no V20

Embora seja bastante possível que a Paradox apresente em breve sua versão oficial para os Legados Afogados no contexto do V5, nós da Brasil in the Darkness, aproveitamos a oportunidade oferecida pela licença aberta do Storytellers Vault, que só autoriza a publicação de fanmade para o Mundo das Trevas clássicos até a quarta edição, a Edição Comemorativa de Aniversário de 20 anos dessa linha de jogos, para apresentar nossa própria abordagem para os Legados Afogados, ainda no escopo do V20, na esperança de podermos de alguma forma influenciar os desenvolvedores do material oficial apresentando uma visão dos fãs brasileiros do jogo.

O que você, leitor, confere a seguir é uma prévia do conteúdo que planejamos disponibilizar em breve através da plataforma Storyteller’s Vault, um conteúdo que embora não passe de fanmade, está sendo desenvolvido com um carinho especial de fãs sul-americanos para fãs sul-americanos, como parte de nossa busca por representatividade digna em nosso universo favorito de jogos de RPG.

Nossa proposta parte das migalhas de informação oficial sobre os Legados Afogados e o cenário sul-americano do clássico Mundo das Trevas, reunidas à luz de cosmovisões nativas, amazônica e caribenha, que versam sobre duas dimensões metafísicas distintas, mas complementares, a Superfície (O domínio do visível) e o Fundo (O domínio do invisível). Buscamos inspiração nos Legados Laibon, tal como foram apresentados no suplemento oficial, Kindred of the Ebony Kingdom, da Terceira Edição de Vampiro A Máscara, onde se estabelece que os Vampiros nativos do continente africano possuem, além de uma variante da Humanidade, que chamam de Aiye, uma segunda Característica, chamada Orun, exclusiva desta estirpe de Vampiros e que funciona como uma Trilha de Sabedoria paralela à primeira, mas que os proporciona uma maior compreensão do Mundo Espiritual, além da possibilidade de interagir, tanto com os fantasmas dos mortos, quanto com os espíritos da natureza.

Em nossa proposta para os Afogados estabelecemos duas Características análogas às dos Laibon, porém, ainda mais influenciadas pelas cosmovisões animistas dos povos originários da ibero-américa, características que decidimos chamar de Apeker (palavra tupi-guarani para “raso”) e Guyra (palavra tupi-guarani para “fundo”).

Afogados nos parece um termo apropriado para aqueles que vêem a si mesmos como Criaturas do Fundo convocadas a permanecer na Superfície para cumprirem seu papel para com os Ancestrais e os Espíritos, junto aos Mundanos, como corpos que emergem à Superfície após visitar as profundezas dos Domínios Invisíveis, cobrando tributos de sangue para se manterem ativos, resistindo à passagem das Eras.

Arte de Mari Morgan

Léxico Afogado

Afogados, Os: A estirpe de Vampiros Nativos da América do Sul e do Caribe, que usufruem de um vínculo estreito com o Fundo, também conhecidos como os “Órfãos de Ceiuci”.

Amaru: A Cobra Grande, o Incarna dos Rios, em Especial do Grande Rio Amazonas, reverenciado pelos Afogados como aquele que moldou tanto o Rio Acima, como o Rio Abaixo.

Ancestrais, Os: As Aparições, os espíritos ancestrais dos mortos ligados à cultura índigena, almas inquietas dos mortos que vagam pelo Rio Abaixo, normalmente relacionadas ao Reino Sombrio de Ticum.

Apeker: A Superfície, os Domínios do Visível, a Realidade Material, assim como a seu vínculo com tais domínios.

Capacochas: As Múmias Sul-americanas, considerados como a resposta de Guaraci à criação dos Afogados, sendo seus eternos rivais.

Ceiuci: A Velha Faminta, a Incarna da Ambição, a quem os Afogados creditam sua própria criação. Alegadamente, Ceiuci foi antiga patrona dos povos da floresta, que alguns acreditam representar também a antiga ordem social matrilinear, eventualmente amaldiçoada por Charía e substituída por seu filho, Jurupari.

Celestinos, Os: Guaraci e Jaci, os espíritos no topo da hierarquia espiritual.

Charía: A Onça Celeste, o astuto e impiedoso Incarna responsável pela harmonia cósmica nas Terras Ancestrais. Também conhecido como Akuanduba, o Espírito da Harmonia, na forma de um indígena que toca uma bela melodia em sua flauta mágica.

Cipactli: Legado Afogado formado por aqueles que reivindicam serem os herdeiros do Primeiro Afogado e líderes legítimos da Sociedade Afogada, embora os demais Legados não costumem levar a sério tais alegações. Entretanto, são reconhecidamente os maiores especialistas Afogados em relação ao segredos do Rio Acima. Também são chamados Famintos, Predadores ou Morubixabas.

Condenado, Os: um Vampiro que recorre a Feitiçaria de Sangue (Taumaturgia, Necromancia, etc.) para se vincular ao Fundo, em detrimento do Guyra.

Criaturas do Fundo, As: Os Invisíveis, tanto os mortos inquietos quanto os espíritos naturais.

Cruzar a Linha D’Água: projetar suas percepções aos Domínios Invisíveis.

Cupendiepes: Legado Afogado formado por andarilhos tradicionalmente responsáveis pela comunicação entre os Afogados dispersos por todo o continente Americano e especialistas em jornadas espirituais pelo Fundo, também conhecidos como Mensageiros, Andirás ou Camazotz.

Disciplinas Afogadas: As disciplinas exclusivas de cada um dos Legados Afogados, manifestações de seu vínculo com o Guyra e não simplesmente de sua natureza Vampírica.

Domínios Invisíveis: Consulte o “Fundo”.

Domínios Visíveis: Consulte a “Superfície”.

Encantados, Os: Os seres feéricos nativos dos Territórios Ancestrais, que os Afogados encaram como parentes mais novos, ingênuos e efêmeros, também conhecidos como Caapuãs ou Nanatüs.

Espíritos: Os espíritos da Natureza, que residem no Rio Acima.

Ferais, Os: Lobisomens e demais Metamorfos, que os Afogados encaram como parentes irascíveis, imprevisíveis e selvagens, cuja origem é anterior a deles próprios.

Fundo, O: Os Domínios Invisíveis, a realidade além da Película ou da Mortalha.

Grandes Espíritos, Os: Os espíritos mais poderosos na hierarquia das Criaturas do Fundo, esta categoria inclui tanto Incarnas quanto Celestinos.

Guaraci: O Espírito do Sol, considerado oponente dos Afogados, relacionado ao dia, à vida, à razão e à ordem, irmão e eterno rival de Jaci.

Guyra: O Fundo, os Domínios Invisíveis, a realidade além da Película ou da Mortalha, assim como a seu vínculo com tais domínios.

Incarna: Espíritos muito poderosos, normalmente apenas abaixo dos Celestinos na hierarquia espiritual. Charía, Amaru e Ceiuci são exemplos de Incarnas.

Invisíveis, Os: As Criaturas do Fundo, tanto os mortos inquietos quanto os espíritos naturais.

Jaci: O Espírito da Lua, considerado aliado dos Afogados, relacionado às noite, à morte, à loucura e o caos, irmão e eterno rival de Guaraci.

Jurupari: O Grande Legislador, poderoso Espírito Ancestral que instituiu a ordem patriarcal entre os povos indigenas do interior da floresta amazônica, considerado, pelos Afogados, filho espiritual de Ceiuci.

Kaledjaa: Legado Afogado formado por assassinas temíveis, tradicionalmente responsáveis por punir os Afogados que virem às costas às tradições, se tornando ameaça para seus pares, também conhecidas como as Emissárias de Ceiuci, Guarinins ou, simplesmente, Flechas.

Kalku: Legado Afogado formado por feiticeiros altivos e capazes de dobrar os mundanos a sua vontade, tradicionalmente eram responsáveis por “pastorear” o Rebanho Afogado, também chamados Titeriteiros, Pantomimeiros ou Pastores.

Karai Pyhare: Legado Afogado formado por discretos batedores e espiões que tradicionalmente cumpriam papel de destaque em suas disputas ancestrais contra as Capacochas, Ferais e Perdidos, também chamados Homens da Noite, Pomberos ou Caulins.

Legados Afogados: As diferentes linhagens Afogadas que compartilham o mesmo sangue e mesma essência espiritual, cada uma delas clama descender de um dos Primeiros, que teriam se sacrificado para permitir a criação de novas gerações de Afogados após a traição do Primeiro Perdido.

Linha D’Água: A barreira que divide os Domínios Visíveis dos Domínios Invisíveis, ou seja, a Superfície do Fundo (vide “Superfície” e “Fundo”).

Lostundos: Legado Afogado dos mestres nas artes da infiltração e dissimulação, tradicionalmente usados para substituir mundanos em posições-chave, conforme os interesses dos Afogados, também conhecidos como Sedentos, Imitadores ou Crespíns.

Mergulhar no Fundo: cruzar fisicamente a Linha D’água, um empreendimento raro e extremamente perigoso para os Afogados

Mortalha, A: A barreira que separa a Superfície do Rio Abaixo.

Mundanos: As criaturas incapazes de acessar o Fundo, em especial os humanos.

Órfãos de Ceiuci, Os: Consulte “Legados Afogados”.

Pajé: Feiticeiro mortal tocado pelo Fundo.

Película: A barreira que separa a Superfície do Rio Acima.

Perdidos: Os Vampiros “ocidentais”, que os Afogados consideram invasores em seus Territórios Ancestrais.

Primeiro Perdido, O: No mito Afogado foi um dissidente e traidor entre os Primeiros, considerado o Patriarca de todos os Perdidos e reconhecidos por eles pelo nome de Caim.

Primeiros, Os: Os lendários primeiros Afogados, supostamente criados diretamente por Ceiuci através de um ritual desconhecido para guiar seus descendentes Mundanos. Segundo a tradição se sacrificaram para permitir a criação dos Legados Afogados.

Reino Sombrio de Ticum, O: Domínios do Rio Abaixo controlados pelos Espíritos Ancestrais de tradição indígena e afro-brasileira, também conhecido como, o Reino Sombrio de Tucumã.

Rio Abaixo, O: A parte do Fundo sintonizada com as emanações da Morte, o Domínio dos Ancestrais, o Mundo Inferior.

Rio Acima, O: A parte do Fundo sintonizada com a vibração da Vida, o Domínio dos Espíritos da Natureza.

Ritos Afogados: Os rituais secretos exclusivos dos Afogados, imbuídos de poder sobrenatural por seu vínculo com o Guyra.

Superfície, A: Os Domínios Visíveis, a realidade Material.

Territórios Ancestrais, Os: A América do Sul e o Caribe.

Tininga: Legado Afogado de especialistas nos segredos do Rio Abaixo, tradicionalmente considerados agentes e emissários os Ancestrais na Superfície, também conhecidos como Unhudos, Corpos-Secos ou Assombrados.

Titlacauan: Amplamente reconhecidos como o mais recente dos Legados Afogados, são o braço Afogado do Culto à Tezcatlipoca, também conhecidos como Nuevos, Espelhos Esfumaçados ou Restituídos.

Tocados pelo Fundo: Qualquer ser na Superfície, capaz de acessar o Fundo, em geral, usufruem pelo menos de algum respeito por parte dos Afogados por serem considerados seus parentes.

Yamandú: A entidade primordial e abstrata criadora de todas as coisas e que é, ao mesmo tempo, toda sua Criação, sinônimo de Tellurian na linguagem dos Magos e Metamorfos.

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Então confira os outros artigos dessa série:

Legados Afogados-Parte1: Apresentação

Legados Afogados-Parte 2: Cosmovisão

Legados Afogados-Parte 3: Sociedade

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