Por que explorar o Brasil como cenário em jogos de RPG?

Brasil In The Darkness
Brasil na escuridão
4 min readSep 7, 2020

Todos nós que, em fevereiro de 2018, criamos a Brasil in the Darkness ou nos juntamos à equipe desde então, já nos deparamos com vários questionamentos ao trabalho que desenvolvemos, entre os mais comuns estão:

“Por que Brasil in the Darkness? Por que um nome em inglês para uma página que se diz empenhada em valorizar a cultura nacional? Precisamos mesmo valorizar a cultura nacional? Existe mesmo essa coisa de uma ‘cultura nacional’? Há motivos para se orgulhar do Brasil? Vale a pena utilizar o Brasil como cenário em jogos de RPG?”

Sobre esta questões, gostaríamos de esclarecer…

A Brasil in the Darkness não é uma página nacionalista no sentido ingênuo e xenófobo do termo. Compreendemos o Brasil em sua inserção no contexto latino-americano e mundial e buscamos ativamente evitar, tanto o ufanismo que se nega a enxergar as tragédias, desigualdades e contradições da história conturbada de um país riquíssimo de proporções continentais, mas que sempre esteve em uma posição submissa e marginalizada no contexto internacional; quanto o “complexo de vira-lata”, que nos cega para nosso potencial, nossa incrível riqueza e a resistência que sempre esteve presente entre nós, aos mecanismos que nos mantêm em tal posição.

“Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”. Nos ensina Leon Tolstói. O nome em inglês quebrado de nossa página, com um Brasil que se recusa a ser escrito com “z”, é nossa maneira deliberada de sinalizar nosso compromisso com esta síntese entre o local e o universal proposta por Tolstói.

Estamos cientes de que o Brasil é, e sempre foi, uma colcha de retalhos de povos, culturas e tradições. O que torna qualquer tentativa de generalização fadada à simplificação e à distorção da realidade. Mas nossas pretensões aqui não são acadêmicas, queremos apenas nos divertir em nosso cenário de jogos favorito, com o prazer de nos sentir realmente representados e entendendo que a diversão não se confunde sempre com a mera fuga da realidade.

Estamos cansados de ver o Brasil retratado na mídia e nos jogos de RPG em geral, incluindo o Mundo das Trevas, como uma imensidão de florestas tropicais exóticas e misteriosas, embora sempre ameaçadas, abruptamente interrompidas por menos de uma dúzia de Metrópoles subdesenvolvidas. Também não ficamos satisfeitos em ver materiais produzidos pelos próprios fãs brasileiros, que muitas vezes apenas substituem o reducionismo gringo em torno da trinca “Exotismo, Amazônia e Carnaval”, por outro, igualmente limitado, que reduz o Brasil ao “eixo Rio-São Paulo” e acaba sendo tão genérico e eurocentrado que torna qualquer cidade brasileira quase indistinguível de outras metrópoles pelo mundo, da forma como são retratadas por Hollywood, e não rompe com o velho olhar colonial que mantém o protagonismo nas mãos de uma branquitude heteronormativa, relegando mulhetes, indígenas, pretos e LGBTs à marginalidade. Então, decidimos apresentar alternativas para quem estiver interessado e, felizmente, temos encontrado nosso público, pelo que somos gratos.

Naturalmente, jamais poderemos explorar todas as nuances da complexa realidade brasileira, nem temos tal pretensão. O que fazemos aqui é apenas ficção, com o objetivo de divertir, mas também de provocar reflexões, como cabe a toda boa obra de ficção. E, apesar de todos os nossos esforços, temos consciência de que fatalmente incorreremos em nossa própria cota de generalizações e liberdades poéticas. Contudo, nosso compromisso é o de manter a essência contestadora, provocadora e sombria dos títulos do Clássico Mundo das Trevas, afinal, é esta essência a razão de termos nos apaixonado por essa linha de jogos.

A proposta do World of Darkness, do Mundo das Trevas, sempre foi a de oferecer a seu público muito mais do que mera diversão descompromissada. Como ressaltaram os próprios responsáveis por esse universo: “WoD sempre foi sobre explorar o monstruoso sem nós mesmos nos tornarmos monstros. E usando a nossa imaginação e criatividade para melhor entender nosso mundo e uns aos outros”.

E nada melhor para o público brasileiro, do que poder explorar, a partir das lentes da ficção, nossa própria realidade, nossas contradições, nossos desafios e suas nuances, em suas crônicas. Acreditamos que isso nunca foi tão necessário. E, neste sentido, lançamos nosso desafio aos jogadores novatos e veteranos que se aventuram no Mundo das Trevas:

Sejamos universais! Pois universal é a essência humana, sedenta de independência, sedenta de liberdade. Mas não nos esqueçamos de nossa própria aldeia, nosso povo, nossa memória.

“Tupi, or not tupi. That is the question. Contra todas as catequeses! Sem Césares! Sem Napoleões!”.*

*Oswald de Andrade, Manifesto Antropofágico, 1950.

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Brasil In The Darkness
Brasil na escuridão

Fanpage brasileira do universo clássico de RPG de Mesa, Mundo das Trevas (World of Darkness).