Ligação divina

- Alô!
- Vitor?
- Sim, é ele, quem deseja?
- Vitor, aqui é o senhor.
- Senhor?
- Eu sou o Alfa e Ômega, aquele que é, que era e que há de vir, o Todo-Poderoso. O Primeiro e o Último, o Princípio e o Fim. Vitor, eu sou Deus…
- …
- Vitor?
- Sim…
- Você acredita em mim, não?
- Em você ou em Deus?
- Vitor, eu sou Deus.
- Mas por telefone?
- Recessão, meu caro. Aparições inflacionaram demais. Estamos cortando gastos “desnecessários”.

Pensa [até o paraíso esta em crise. Realmente as coisas não estão bem.]

- Sei… Então, prove?
- Esta colocando sob suspeita minha existência?
- Talvez.
- Vá a sua janela. E me diga o que vê!

[Vai à janela. Para. Esfrega os olhos. Não acredita. Torna a esfregar os olhos. Lágrimas saltam de seus olhos.]

- Vitor?
- Senhor.
- Pode me contar o que viu?
- Meus pais. No dia em que os perdi. Minutos antes do acidente. Estávamos brincando no quintal. Quando, de repente…
- Exatamente, Vitor. E vejo que você está levantando uma hipótese. A resposta é: Não. Não interferi. Não sou egoísta a ponto de retirar a vida de alguém justificando que a quero ao meu lado. Quando alguém morre, simplesmente morre. Seus pais morreram pelas mãos da sociedade. Procuro não “atuar” no “destino” das pessoas. O livre arbítrio, vocês gozam dele em sua plenitude. Até agora…
- Perdão, senhor, não deveria ter considerado tal absurdo.
- Não se preocupe.
- Eu os vi. Parecia tão real…
- Era real. Agora você crê?
- Sim. E me perdoe, senhor.
- Não se martirize, Vitor. É normal o ceticismo nestas situações. Queremos tanto falar com Deus, mas quando temos a oportunidade não sabemos como agir.
- Exato senhor. Tenho tanto a lhe agradecer que nem sei por onde começar.
- Que tal pelo começo? Mas antes, preciso lhe explicar o porquê desta ligação. Acredito que você está a par da situação. O mundo esta entrando em colapso. Faltam-lhes ternura, compaixão, o real sentido de, viver. A humanidade está caminhando a passas largos rumo ao abismo.
- … Que tempos difíceis são estes: ter a vontade e a necessidade de viver, mas não a habilidade. Mas, em que posso ser útil?
- Vitor, você tem se demonstrado um de meus fiéis mais devotos. Uma ovelha entre tantos lobos. Integro frente nosso dogma. Mas, quero que você seja mais do que uma ovelha, quero que seja o pastor do meu rebanho.
- Mas sou católico…

Vozes ao fundo: “Pedro, tem certeza que este é o rapaz? Não ligamos errado?”

“Certeza absoluta, senhor”

“Quer dizer que o futuro da humanidade está nas mãos dele? Que Deus nos abençoe… Ops”

- Utilizei uma figura de linguagem, filho. E lembre-se, você é Cristão.
- E quanto aos católicos, evangélicos, luteranos, protestantes e demais?
- Nada mais do que protótipos distorcidos. Interpretando a palavra conforme lhes convém. Embaralhando princípios e dificultando o que deveria ser facilmente compreensível. É preciso sintetizar. Há vertentes em demasia do cristianismo. Uma gigantesca gama em crenças irreconhecíveis. Semelhante a Torre de Babel e com “destino” similar.
- Acho que estou entendendo.
- Ótimo. Por momento é só. Aguarde as próximas instruções.
- Perfeitamente, senhor.
- Ah, e mantenha o celular ligado. Por falar nisso, você tem whatsapp?
- Não, do que se trata? Uma ferramenta celestial, divina?

Relampejos ao fundo: “Por Santa Luzia, este menino é puro até demais…”.

- Nada, Vitor. Esqueça. Boa tarde.
- Boa tarde.

Pensa [Whatsapp, que raio de coisa é essa?! Será que zanguei Deus?]