Rafael Specht da Silva
4 min readJan 21, 2015
Raio-x antes de ser modinha…

Como a escola nos faz odiar ciências (ou pelo menos tenta)

Você é uma criança, tem um monte de desenhos para assistir, uma pilha de gibis para ler e a maneira como a escola tenta prender a sua atenção se dá na forma de uma lista com trinta exercícios envolvendo divisões de raízes quadradas.

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Há um certo tempo o professor Adão postou sobre a passagem de Richard Feynman pelo Brasil e sobre como ele criticou os livros aqui produzidos. Não consegui achar o post no facebook, mas este outro blog fala sobre o mesmo momento. O físico cita um fenômeno específico, Triboluminescência, e como a publicação nacional abordava a sua definição, enquanto provavelmente os americanos tentariam deixar o leitor curioso antes de explicar tudo em uma frase.

Minha mãe é professora de Matemática, eu já fui professor substituto no curso de Eletrônica do IFSul-Rio-grandense (antes Cefet, antes ainda ETFPel), já dei aulas particulares e sempre ouvi o questionamento “mas onde é que eu vou aplicar isso?”. Considerando que às vezes a pergunta era sobre os polinômios, restava ao professor dizer que ele ia precisar para passar na prova. E assim ficava muito mais interessante desenhar no caderno do que tentar compreender a explicação.

Provavelmente quem não seguiu na área de exatas pouco se importa com polinômios e nem os usa para qualquer coisa, no entanto, me entristece ver pessoas que se orgulham de “só precisar das 4 operações básicas para sobreviver”. Quem sente-se bem ao desprezar conhecimento? Falhamos em tornar o aprendizado de quase todas as áreas razoavelmente atraentes para as crianças e talvez tenhamos até causado um trauma.

Tive o privilégio de fazer o ensino médio no mesmo Cefet onde posteriormente dei aula. Aprendi com ótimos professores, tendo acesso a laboratórios e uma biblioteca imensa. Certo dia um deles perguntou: “Vocês já pararam para pensar por que a técnica do Pica-pau de mergulhar usando um canudo para respirar embaixo d’água não é utilizada para grandes profundidades?”. Nunca mais esqueci sobre o peso de uma coluna de líquido. Outro tornava os cálculos mais interessantes: “Calculem de que altura vocês precisam cair de carro para ter a velocidade de 100 Km/h, que é considerada baixa por alguns nas estradas”. Lembro que o resultado é próximo de 40 metros, ou um edifício de 12 andares e sempre que dirijo lembro disso (claro que as consequências do impacto são diferentes, mas observando-se apenas a velocidade é bem assustador). Não que eu use esse conhecimento para fazer a diferença hoje em dia, afinal, meu trabalho é criar sites.

Posso parecer exigente pedindo que o aluno saiba converter unidades quando estamos num país onde muitos não conseguem ler um parágrafo e entender do que se trata, mas cada vez mais somos dependentes de tecnologias que não somos capazes de produzir. Precisamos de mais gente apta a pensar (e digo isso independente da formação) em vez de ter uma boa memória. Não podemos evoluir simplesmente replicando o que sabemos. Voltando ao texto do Adão, ele menciona uma startup que usou a triboluminescência para fazer um aparelho portátil de raio-x. Incrível ver que Feynman criticou o quanto sabíamos desse fenômeno há décadas atrás.

Não acho que esse quadro seja culpa dos professores. São profissionais mal pagos, que não raramente lidam com cerca de oito turmas, totalizando duzentos alunos e sofrem ameaças dos mais diversos tipos quando tentam qualquer mudança no modo de avaliação. Exigir que alguém com um livro e um giz altere essa realidade é pura utopia. E embora tenha citados dois profissionais que tinham uma excelente didática, não acho justo comparar a estrutura de um centro federal daquele porte com escolas estaduais e municipais, mesmo porque é necessário passar numa prova para entrar lá e ainda assim o ensino de outras áreas não era assim tão estimulante.

Sou um completo ignorante em muitos temas e tento suprir essa falta sempre que possível, mas meu objetivo com esse texto é que pensemos no quanto deixamos de instigar quem nos cerca simplesmente dizendo “isso é muito complicado, nem tente aprender” ou “eu nunca vou usar isso na minha vida”. Pensando assim algumas pessoas, supostamente treinadas, dão tiros para cima em sinal de alerta sem saber que a bala pode voltar com a mesma velocidade que saiu do cano, obedecendo uma parábola onde o ponto de queda do projétil pode ser calculado segundo a equação de um cara chamado Bhaskara, que ela achou que nunca ia usar pra nada.

Falei somente sobre ciências exatas porque provavelmente não consigo citar todos os países que fazem fronteira com o Brasil. Aprendi tão pouco que mal consigo opinar. É por isso que tive que lembrar de Rambo III para não zerar Geografia no vestibular. No fim das contas, através de filmes ruins, baixos orçamentos e escolas com goteiras vamos passando adiante o conhecimento que nos trouxe até aqui.

Rafael Specht da Silva
Rafael Specht da Silva

Written by Rafael Specht da Silva

Web developer, gif sommelier, once called “weird webby wizard”

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