Lara Croft,
gente como a gente

Rodrigo Ghedin
4 min readDec 2, 2014

Há uns quinze anos boa parte do tempo em que não estava na escola era gasto em frente à TV, com um pedaço de plástico cheio de botões na mão, encarando caixas amontoadas na tela que, com alguma boa vontade de quem as via, lembravam pessoas, objetos, carros e paisagens tridimensionais.

Hoje, sofro daquela clássica inversão que ocorre na transição da infância para a fase adulta: se antes sobrava tempo e disposição, mas faltava dinheiro e autonomia para me esbaldar com meus amigos poligonais, agora sobram-me jogos e acessórios, mas o ânimo para ficar apertando botões por horas a fio frente à TV foi embora.

Não que video games sejam desinteressantes. Pelo contrário. Mesmo vendo de longe, sem esboçar um interesse genuíno, acho que nunca vivemos uma época tão frutífera nesse campo. Os blockbusters dos grandes estúdio parecem sensacionais, as ideias mais malucas têm espaço no mercado e as barreiras para a entrada de desenvolvedores independentes nunca foram tão baixas. Ainda assim, é raro eu sentar para jogar alguma coisa — e quando acontece, costuma ser um FIFA descompromissado com os amigos.

Não lembro quando foi, mas recentemente peguei o último Tomb Raider em uma promoção no Steam. R$ 7, 8, não lembro, só sei que na ocasião o valor de um lanche não pareceu que faria falta — como não fez.

Instalei, comecei a jogar e aquilo me prendeu por um simples motivo: Lara, a protagonista do jogo, era tão inapta quanto eu naqueles momentos iniciais. Ela não sabia muito bem o que fazer, nem como fazer. Estava perdida após o barco onde estava literalmente virar, assustada com a presença de homens estranhos, armados e com cara de poucos amigos na ilha onde emergiu. Insegura das suas ações, lutando por uma sobrevivência que parecia tão frágil quanto o jogo propunha que fosse.

O motivo que me impede de aproveitar o escapismo proporcionado pelos jogos é a dificuldade em me deixar seduzir por eles. Minha imersão depende de um contexto que funcione. Exemplo prático e batido, que sempre uso: como posso, na pele de um soldado treinado, errar todos os tiros contra um inimigo a dois metros de distância e, em seguida, ser morto por ele? Sim, eu posso voltar e, sim, é algo dentro das regras do jogo. Mas não funciona comigo. Ao ser morto de um jeito estúpido, meu olhar sobre aquele super soldado muda. Passo a encará-lo como uma fraude. E como a culpa é minha, então por que me importar com tudo aquilo?

Pensando no que teria me fisgado em Tomb Raider depois de passar onze horas na frente da TV e fechá-lo, a conclusão a que cheguei foi essa identificação: Lara é tão falível quanto eu nos primeiros eventos da história. Lara é gente como a gente.

Claro, isso não dura muito. De uma náufraga indefesa, ela passa a ser uma exímia assassina e excepcional acrobata em um piscar de olhos, e sem cansar jamais. E as circunstâncias pioram (para ela também, mas me refiro aqui a mim, o jogador): os desafios, que se alternam entre hordas de vilões de diferentes grupos e principalmente os quebra-cabeças simples, flertam perigosamente com a monotonia. A história, que se desenrola em torno de uma misteriosa deusa japonesa e rituais malucos para trazê-la de volta à vida, é cheia de idas e vindas, porém nada realmente instigante, ou digno de um Oscar de melhor roteiro.

Nesse ponto crítico outros artifícios dos desenvolvedores vieram ao resgate para segurar meu interesse. Os combates são divertidos, especialmente com o arco-e-flecha e as investidas silenciosas, pacientes, como se eu estivesse caçando. E os gráficos… os gráficos. Não me lembro de antes ter parado no meio de uma caminhada virtual para apreciar a paisagem. Fiz isso várias vezes em Tomb Raider. Desculpe-me se você defende a outra bandeira, mas beleza é, sim, fundamental.

Em dado momento do jogo, e não tão longe do início, errei um punhado de movimentos. Durante a descida de um rio revolto, matei Lara com canos e paus atravessando seu peito incontáveis vezes até conseguir desviar de todos eles e passá-la com vida por ali. Caí em alguns abismos. Em certos conflitos mais intensos tomei tiros, levei facadas, me queimei, morri. Morremos. Sempre voltei e, com alguma insistência, “passamos”.

Sei que jamais voltarei a ter uma aventura dessas com Tomb Raider. Lara aprendeu a se virar e no próximo jogo da franquia não será mais uma menina inexperiente descobrindo como se pendurar em cordas, matar animais silvestres para sobreviver e humanos para não ser morta. Como eles crescem rápido, não? A mim, só resta observar de longe e esperar por um novo jogo que, por esses ou outros motivos, consiga fazer com que eu ignore minha inépcia e mergulhe, sem medo de errar ou morrer, em uma nova aventura.

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