Lutando por um parto natural no Brasil

Eu conhecia todos os benefícios de um parto natural e todos os riscos de uma cesariana. Mas me disseram que eu era louca.

Patricia Campos Mello
5 min readFeb 19, 2016

Por Flávia Roberta Wiezel (conforme relatado a Patricia Campos Mello)

No Brasil, mais de 80% das mulheres em hospitais particulares — e metade das mulheres em hospitais públicos — dão à luz através de cesariana. As taxas de cesarianas no Brasil estão notoriamente entre as mais altas do mundo. A Organização Mundial de Saúde recomenda que a “taxa ideal” de cesarianas em uma população seja entre 10 e 15%.

Recentemente, o governo tem tomado algumas medidas para promover partos naturais, como uma iniciativa que declara: “Parto é normal”. Mas individualmente, mulheres em todo o país como a dentista Flávia Roberta Wiezel, 30 anos, que mora a algumas horas de distância de São Paulo, ainda enfrentam estigma quando consultam seus médicos sobre a possibilidade de ter um parto normal. Ela compartilha a sua história aqui.

Eu estava tão brava. Não conseguia acreditar no que a minha médica estava falando.

Estava na 36ª semana de gravidez, sentada no consultório da minha médica com o meu marido Marcelo. Ela disse que não ia esperar mais de 40 semanas para a minha filha nascer, porque era muito arriscado para o bebê, e não iria deixar que eu ficasse em trabalho de parto por mais de 12 horas. Em resumo, ela não tinha como garantir que eu teria um parto normal. Ah, e de jeito nenhum a minha doula iria me acompanhar durante o trabalho de parto. Ela não iria permitir que “esse tipo de gente” ficasse em sua sala de operação. E não, o meu marido não tinha permissão para ficar comigo o tempo todo, só durante o parto.

Mas o pior ainda estava por vir. Quando disse a ela que não queria fazer uma episiotomia (a incisão que às vezes facilita a passagem do bebê durante o parto) ela olhou para mim e perguntou: “Você sabe por que precisa fazer uma episiotomia? Pra não ficar “larga” igual a sua avó e a sua bisavó. Ou quer ganhar o bebê e depois ver o marido te trocar pela vizinha?”

Eu fiquei pasma. Até aquele momento, a médica estava sendo agradável e dizia que sim, claro, vamos fazer tudo o que pudermos para que você tenha um parto natural.

Quando saímos do consultório, eu estava chorando. Disse ao meu marido que iria mudar de médica. Ele me apoiou. Mas no Brasil, não é fácil encontrar obstetras e ginecologistas que concordem em realizar partos normais.

Há um incentivo financeiro para fazer cesarianas: ao invés de “gastar” vinte horas monitorando um parto natural, um médico pode fazer até quatro procedimentos de cesariana no mesmo período, e ser pago de acordo.

Achei um ótimo médico em Americana, que fica a 15 minutos de carro da minha casa. É claro que tive que pagar do próprio bolso, pois não foi fácil achar um novo médico na última hora.

Ele concordou em realizar o parto normal e disse: “Seu bebê não tem prazo de validade; vamos esperar até que a sua filha esteja pronta para nascer. Não tem pressa. Se você chegar a 42 semanas, aí vamos induzir o trabalho de parto. Mas de maneira nenhuma vamos agendar uma cesariana com você na 40ª semana de gravidez. E só vamos realizar a episiotomia se for realmente necessária.”

Fiquei aliviada.

Depois que entrei na 39ª semana, fiquei monitorando o feto a cada dois dias. Assim, eu sabia que estava tudo OK com o bebê. E eu tinha lido muito, sabia de todos os benefícios de um parto natural.

Mas muitos me criticaram e eu senti medo. Senti como se fosse ser a única responsabilizada caso algo desse errado.

As pessoas me disseram que eu era louca. “Você está na 40ª semana de gravidez? Tem que fazer uma cesariana logo, o seu bebê vai morrer. Isso aconteceu com uma amiga minha.”, uma mulher me disse. “Por que você quer sentir dor? Quer ganhar o bebê igual às índias?” outra pessoa perguntou.

Entrei em trabalho de parto na 41a. semana de gravidez. Foi às 3 da manhã em 23 de dezembro de 2014. Isabela foi nascer 26 horas mais tarde.

Durante o trabalho de parto, fiquei em casa com a minha doula e com uma enfermeira obstetra, que ficou me monitorando o tempo todo. Ela era a pessoa que iria me dizer quando seria a hora de ir para o hospital.

Meu marido esteve comigo durante todo o tempo. Senti muita dor. Melhorava um pouco quando eu ficava de joelhos no sofá ou no chuveiro, sobre uma bola.

Às 4 horas da manhã do dia seguinte, eu disse ao meu marido: “Não consigo mais aguentar de dor, preciso tomar um anestésico.”

E ele me disse: “Você se lembra do que você me pediu? Você me mandou não te deixar tomar anestésicos, mesmo se estivesse doendo demais… Estamos quase lá, falta só mais um pouquinho.” Eu esperei, e Isabela nasceu exatamente como eu havia imaginado. Cheguei ao hospital às 5h08. Ela veio ao mundo 12 minutos depois.

Para mim, foi uma vitória.

Foi muito fácil amamentar. O leite veio muito rápido, porque eu tinha ficado várias horas em trabalho de parto. Quando se faz uma cesariana, às vezes demora um tempo até o leite descer. E a Isabela aprendeu a mamar rapidamente.

Depois do parto, eu não tive cortes, não tive pontos e nem lacerações. Estava pronta para cuidar da minha filha.

Isabela, que completou um ano em dezembro passado, é um bebê muito confiante. Ela dorme a noite toda. Sua saúde é excelente: nunca teve sequer um resfriado. O único remédio que ela teve que tomar foi Tylenol por causa das vacinas.

Tenho certeza que o nascimento natural a ajudou a ter uma saúde tão boa assim. O parto natural é simplesmente o tipo de parto que atende às necessidades do bebê e da mãe, nada mais do que isso. Quando minha médica se recusou a fazê-lo, eu me senti desrespeitada.

Gostaria de engravidar novamente até o final do ano. Desta vez, eu quero ter o parto em casa. Meu marido ainda está relutante. Mas eu vou convencê-lo. Eu vi que é seguro, e uma enfermeira vai me acompanhar por toda a gravidez até o trabalho de parto.

Eu me sinto uma mulher de sorte. Quando Isabela nasceu, havia outros sete bebês na maternidade. Foram todos concebidos através de cesarianas. Talvez suas mães também quisessem ter partos normais, mas não conseguiram convencer seus médicos.

Ilustração de Denise Nestor para The Development Set.// The Development Set é possível graças ao financiamento da Fundação Bill & Melinda Gates. Nós mantemos a independência editorial. // A licença Creative Commons aplica-se apenas ao texto deste artigo. Todos os direitos são reservados nas imagens. Se você gostaria de reproduzir o texto para fins não comerciais, por favor, entre em contato conosco.

--

--

Patricia Campos Mello

reporter at large with Folha and columnist with http://Folha.com; covers international politics and economics; former Washington and Germany correspondent