Notas em silêncio

A depressão, o suicídio e a solidão

Douglas Beretta
6 min readMay 6, 2016

Já faz um bom tempo que penso em abordar esse assunto por aqui e compartilhar minhas experiências a respeito, porém todas as vezes que pensei em fazê-lo fui tomado pelo sentimento de vergonha e medo. Essas sensações me fizeram recuar e desistir de escrever e falar muitas vezes, inclusive desistir de buscar ajuda para conseguir me abrir com as pessoas e tratar o que eu tenho. Por sorte, há alguns meses eu venho melhorando meus sintomas e comportamento, consegui me abrir mais, o que fez eu conseguir expor hoje um dos problemas mais graves que encontrei em minha vida: a depressão.

Fui diagnosticado depressivo há alguns anos, mais precisamente em 2008 e com apenas 20 anos. Fui na consulta escondido de todos justamente por ouvir muito que “depressão era frescura” e, provavelmente, todas as informações a seguir serão novidades até mesmo para minha família e amigos mais próximos. Segundo a psiquiatra que me atendeu, a doença já existia em mim há alguns anos e trazia bagagens pesadas que afetavam diretamente o meu dia a dia, tornando quase que impraticável conviver em harmonia com outras pessoas — família, amigos e colegas de trabalho — e também comigo mesmo. O convívio diário consigo às vezes é um fardo pesado demais, pois a depressão não é uma doença comum, não é “palpável”, não aparece em raio x e por incontáveis vezes os depressivos evitam buscar ajuda por sequer saberem que estão doentes. Não raras são as vezes onde a descoberta da doença ocorre justamente quando são lidas as cartas escritas antes dos suicídios. Infelizmente é comum ficar sofrendo em silêncio sem sequer saber o que se tem ou, pior ainda, com vergonha do que se tem, apenas sentindo aquela dor constante e não sabendo o que fazer.

O fator determinante que fez eu tomar coragem de abrir meu caso para todos e chamar a atenção para quem precisa de ajuda foi que algumas semanas atrás o amigo Andreas Müller compartilhou no Facebook a coluna de Tim Lott, do dia 19 de abril no The Guardian, sobre depressão. É um texto que me impactou absurdamente por conter diversas definições incríveis e claras sobre como se sente uma pessoa com depressão. Entre os tantos pontos citados no artigo, a definição que eu compreendo ser a melhor possível para definir o que sentimos na depressão é quando Lott diz que “há uma sensação forte, pesada em seu peito, como quando alguém que você ama muito morreu; mas ninguém morreu — exceto, talvez, você”.

Em matéria de agosto de 2014 no UOL, cita-se que mortes relacionadas à depressão no Brasil aumentaram 705% entre 1996 (58 mortes) e 2012 (467 mortes). Os números provavelmente seriam ainda maiores, porque mortes por suicídio nem sempre conseguem ser diagnosticadas corretamente, não ficando claro se o motivo foi a depressão — casos de overdose, por exemplo. O número de suicídios variou de 6.743 em 1996 para assustadores 10.321 em 2012, o equivalente a mais de 28 mortes POR DIA. Nessa mesma reportagem Miguel Jorge, psiquiatra, afirma que um dos grandes influenciadores desses números é a competitividade profissional. No padrão profissional atual, cobranças abusivas, assédio moral, ameaça de demissão ou o desemprego em si muitas vezes despertam sensações absurdas de incompetência e desvalorização pessoal. Essas sensações prejudicam nosso estado psicológico a ponto de não suportarmos mais e darmos fim ao sofrimento de forma trágica. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, o suicídio já é a segunda maior causa de mortes no mundo de pessoas entre 15 e 29 anos de idade, atrás apenas de acidentes de trânsito. Uma matéria de setembro de 2015 da BBC cita ainda que 90% dos adolescentes que se matam possuem algum problema mental, principalmente a depressão. Um dos pontos cruciais da pessoa depressiva é o pensamento suicida. Nada é mais grave do que uma pessoa pensando em acabar com a própria vida de forma definitiva. Andrew Solomon, em sua palestra “Depressão, o segredo que compartilhamos” no TED, dá outra definição simples e direta para quem confunde depressão com tristeza: “o oposto de depressão não é felicidade, e sim vitalidade”.

Por que citar o suicídio? Eu tentei “fugir” da depressão por diversas vezes, tentei em vão acreditar que era uma pessoa saudável e sem problemas, sem uma doença que, infelizmente, as pessoas taxavam de maneira preconceituosa. Como disse antes, o medo dos outros saberem o que eu tenho era tão grande que eu cuidava e calculava todas as minhas atitudes para que a doença não fosse perceptível. É muito lamentável e comum encontrarmos quem considera “dramática” a pessoa que se diz doente. Nos anos que trabalho na área de Recursos Humanos muitos foram os casos que acompanhei de afastamentos por depressão, onde a maioria deles era motivo de desconfiança ou desdém. Coloco isso em pauta porque eu cheguei ao fundo do meu estado depressivo duas vezes na minha vida, onde tentei o suicídio por meio de overdose em ambas. Meus pais ficaram sabendo da primeira vez e a segunda foi totalmente sozinho. Felizmente, pensamentos desse tipo não passam mais pela minha cabeça.

Percebo que a depressão ainda é um tabu para a sociedade. De modo geral, não é dada a devida importância à doença. Cito dois casos com grande cobertura da mídia apenas para efeito de comparação: uma matéria do dia 30 de março no portal G1 afirma que foram confirmadas 51 mortes por dengue no Brasil nos primeiros dois meses de 2016, enquanto matéria do dia 3 de maio diz que 290 pessoas morreram de Influenza A/H1N1 até o dia 23 de abril deste ano. Baseando-se na média de 28 suicídios por dia de 2012, temos cerca de 1.680 mortes nos primeiros dois meses do ano e o acumulado até o dia 23 de abril seriam cerca de TRÊS MIL QUATROCENTOS E QUARENTA E QUATRO suicídios, ou seja, 3.154 mortes a mais do que a famosa “gripe suína”. Mesmo assim, a gripe e a dengue seguem gerando campanhas de prevenção e causando pavor na população que acompanha a grande mídia diariamente, enquanto o absurdo número de suicídios e a depressão seguem sem espaço.

Durante o mês de setembro ocorre uma campanha de conscientização sobre a prevenção do suicídio, também conhecida como “Setembro Amarelo”¹, e aqui eu questiono: quantos programas televisivos ou reportagens foram feitas a respeito do tema? Quantos médicos, pacientes e familiares vocês ouviram falando? Quantas campanhas as empresas onde vocês trabalham fizeram para abordar o tema depressão? Pois é, pouco ou quase nada se falou e falamos diariamente a respeito dessa doença.

Precisamos deixar de sentir vergonha ou medo da doença que temos. Também é preciso mais atenção e abordagem geral da mídia e de profissionais dentro das organizações a respeito desse tema. Estamos passando por uma época de crise financeira e política na maioria dos setores do país, o nível de desemprego vem aumentando e a probabilidade de mudança positiva desse cenário é muito difícil num curto prazo. Esses ingredientes são influenciadores diretos na decisão de algumas pessoas tirarem a própria vida e isso não pode ser banalizado. Precisamos, urgentemente, estender a mão para as pessoas que sofrem com essa doença tão grave e tão silenciosa que eu, infelizmente, possuo e sei do quão difícil é conviver com ela.

O melhor tratamento que eu encontrei para a depressão não foram as doses elevadas de diversos remédios que traziam mais prejuízos do que benefícios, e sim o apoio incondicional das pessoas próximas, o amor que elas me proporcionaram ao compreenderem e aceitarem a minha doença, sem preconceitos, com paciência e solidariedade. Se eu pudesse pedir apenas uma coisa, seria isso: por favor, vamos dar as mãos e olhar com mais carinho e atenção ao nosso redor, existem vidas que podemos salvar.

¹Trecho original alterado em 29/09/2016. O texto original citava a Semana Estadual de Prevenção e de Combate à Depressão no Mato Grosso do Sul, projeto que agora é lei estadual.

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Douglas Beretta

Zagueiro, baixista, humano do Ralf e do Clark e marido da @thais_beretta. Toco y me voy.