Como o autoconhecimento auxiliou no desenvolvimento da minha carreira

Stephany Nusch
Brazilians in Tech
Published in
7 min readOct 4, 2021
Photo by Matteo Di Iorio on Unsplash

A decisão de atuar na área de Tecnologia nunca foi uma surpresa nem para mim, nem para quem me conhece. Sempre fui bastante curiosa e entusiasta das infinitas possibilidades que um computador ou videogame me apresentavam. Criar e aprender é o que me move até hoje e, com certeza, foi o que me trouxe até aqui. Entretanto, eu certamente não estava preparada para todos os obstáculos que me esperavam nessa caminhada.

Vieses inconscientes

Hoje em dia é praticamente impossível entrar em uma discussão profunda sobre qualquer tópico sem levar em conta a bagagem que carregamos proveniente da nossa construção social. Durante a formação de cada indivíduo, o ambiente que o cerca influencia o entendimento dos conceitos de certo e errado. Os papeis sociais que esperam que cumpramos, as pessoas com quem esperam que nos relacionemos, tudo isso influencia na nossa formação enquanto seres sociais.

Cursar Análise e Desenvolvimento de Sistemas não foi fácil. Não pelas matérias em si, mas por todo o conjunto que era estar naquele ambiente. Fazendo um balanço geral de toda a minha trajetória, acredito que a época da faculdade foi a mais difícil. Por uma série de fatores. Primeiro, eu estava saindo da adolescência, tentando me encontrar, pertencer a algum grupo. Segundo, porque obviamente a sala de aula tinha muito mais homens do que mulheres, assim como o corpo docente. E em terceiro lugar, aí sim, os desafios técnicos.

Quando você é constantemente lembrada com exemplos, imagens e comportamentos de que seu lugar não é ali, fica difícil encontrar motivos para continuar. Mas eu realmente nunca me vi fazendo outra coisa. Eu sabia que era aquilo que eu queria. Mas eu também entrei num momento de autossabotagem intensa, me permitindo ser diariamente agredida por todo e qualquer comportamento negativo que fosse direcionado a mim. Minha autoestima estava absurdamente baixa, e assim ficaria por algum tempo.

Responsabilize-se por si mesma

Passar por momentos difíceis não é fácil. Abraçar a solidão e se permitir sentir a tristeza, o abandono e a fraqueza é necessário. São todos sentimentos válidos. Precisamos estar dispostas a acolher a nossa vulnerabilidade para que, dessa forma, iniciemos nosso processo de cura. Por mais difícil que aquilo fosse pra mim, eu aceitei o fato de que eu precisava de ajuda.

Eu costumo dizer que a minha vida tem dois pontos de virada muito marcantes: 1) quando eu conheci o Avenged Sevenfold (minha banda favorita) e 2) quando eu comecei a fazer terapia. Vamos falar sobre esse último agora.

Foi um golpe de muita sorte ter acertado na profissional de primeira. Após garimpar alguns grupos feministas no Facebook, encontrei uma moça oferecendo terapia voltada para transtornos de imagem. Pareceu perfeito pra mim, e de fato foi. Vale ressaltar aqui que eu também carregava um processo de aceitação do meu próprio corpo nesse momento. Então, além de duvidar da minha capacidade intelectual, eu também questionava o meu físico.

Ao me responsabilizar pelos meus sentimentos e necessidades, tomei as rédeas desse momento e iniciei um tratamento que mudou a minha vida. Desde então, recomendo para todos que façam terapia. A profissional que me acompanha segue a linha fenomenológica, isto é, o tratamento gira em torno de fenômenos, intencionalidade e consciência. Caso você também esteja considerando iniciar um tratamento, é interessante entender a abordagem do profissional. O que funciona para mim pode não funcionar para você.

Com o tempo, iniciei um tratamento psiquiátrico para Transtorno de Ansiedade Generalizada e Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), com os quais fui diagnosticada no início de 2020. Hoje, também adicionei a prática de yoga na minha rotina aqui em casa, e sinto que os benefícios são nítidos tanto para mim quanto para quem convive comigo.

Entender e assumir a sua situação é o primeiro passo. Depois, decidir o que fazer a respeito disso. Talvez não fazer nada seja o ideal para o seu momento, talvez não. Cabe a cada uma de nós decidir o que é melhor para si. E é por isso que decidi compartilhar a minha trajetória — talvez seja isso que falta para você agir também.

O papel das empresas

Photo by Christin Hume on Unsplash

O ambiente de trabalho sempre influenciou na minha produtividade. Pedi demissão mais de uma vez por me sentir desconfortável. Isso com certeza impactou a minha produtividade e, negativamente, o meu desenvolvimento profissional. Mas eu precisava priorizar a minha própria saúde, meu bem-estar, até mesmo para poder atingir meus objetivos.

É sabido que funcionários mais felizes produzem mais. A antiga mentalidade de que apenas dando broncas se obtém resultados não cabe no século 21. Se utilizarmos empresas mundialmente reconhecidas como exemplo — Google, Microsoft, Netflix, etc-, perceberemos que a tendência é adotar uma cultura onde o funcionário se sinta confortável, independente da sua raça, gênero, nacionalidade, deficiência ou qualquer outra particularidade.

Infelizmente, com a situação econômica do Brasil em decadência, muitos profissionais se dispõem a trabalhar em ambientes tóxicos. Afinal, os boletos não param de chegar. Mas é muito interessante para eu ver como o emocional de líderes adeptos ao micro-gerenciamento sobrepõe o racional. Um ambiente saudável produz mais. Não há lógica alguma em ser um carrasco. Mesmo assim, eles ainda estão por aí.

Por isso, espero contribuir a partir do compartilhamento do meu conhecimento para que outros profissionais possam se qualificar e chegar a locais que proporcionem condições ideais, levando em consideração a alta demanda de desenvolvedores de software como eu.

No dia-a-dia

A saúde mental dos meus colegas passou a ser um ponto de atenção constante para mim. Em dado momento, me vi cercada de pessoas geniais, e quis conhecê-las, entender seus processos, enriquecer um pouco mais a minha vida com suas histórias.

Decidi então adotar um papel um tanto arriscado no time no qual eu estava na época, no QuintoAndar. Durante as reuniões de retrospectiva, comecei a fazer provocações e comentários a respeito da minha saúde mental naquele momento, dando chance a quem mais quisesse se abrir. Pessoalmente, acredito que é importante sinalizar quando não estamos 100%. Dessa forma, evitamos julgamentos errados a respeito do nosso trabalho.

Também aproveitei para expor impressões que eu tinha a respeito da dinâmica do nosso time. Algumas vezes, elas estavam certas e conseguimos agir diante de potenciais desconfortos.

Com a ajuda da minha líder, acabei me tornando a pessoa do time que fazia esse “balanço geral” do clima da equipe. Recebi feedbacks bem positivos a respeito disso, fiquei bem feliz. Nenhum motivo especial me fez querer agir dessa maneira. Eu simplesmente me importava com meus colegas. Não era incomum criarmos eventos na agenda chamados “hora da fofoca” e coisas do tipo. Éramos um time muito unido e eu tenho muito orgulho do trabalho que fizemos juntos. Desejo muito sucesso a cada pessoa que esteve comigo por lá. São profissionais incríveis. E eu lamento pelas empresas que podem deixar eles irem embora por problemas culturais.

A importância das comunidades

No dia 7 de setembro de 2019, participei do Programaria Summit. Não tenho palavras para descrever como esse evento me ajudou a recuperar a autoestima profissional. Eu quase não fui, porque não tinha ninguém para me acompanhar. Mas felizmente, fui teimosa.

Depois de assistir a palestras de mulheres na liderança de empresas como Google e Oracle, conheci iniciativas incríveis como a The Girls on the Road, que me rendeu a leitura de um livro sensacional, o “Do Jeito Delas”. Durante aquele dia, também participei do speed hiring de algumas empresas e acabei me tornando parte do Aceleradev, uma iniciativa do QuintoAndar para aumentar a participação de mulheres na sua área de engenharia. Aquele, então, seria o início de uma crescente na minha carreira.

Uma foto que tirei de recordação no Programaria Summit. Ao lado, o livro “Do jeito delas”, que comprei no evento.

É clichê dizer isso, mas é verdade: você é única. A sua trajetória pode não parecer com a das suas colegas. Pode ser que você esteja se sentindo sozinha e perdida agora. Não é nada fácil ser uma mulher numa sociedade patriarcal. Foi apenas um golpe de sorte descobrirem que a felicidade dos funcionários influencia positivamente na sua produtividade. Se fosse o contrário, estaríamos perdidas.

Me pego constantemente refletindo a respeito do que está ao meu alcance, que tipo de exemplo posso passar para mais mulheres com sonhos parecidos com os meus. Construir a minha autoestima e assumir pra mim mesma que sou uma profissional excelente foi difícil. Mas essa é a verdade: eu valho muito e meu trabalho é incrível.

O meu sonho é conseguir aguçar esse sentimento em outras meninas e mulheres. Esse foi um dos motivos que me levou a virar voluntária na Brazilians in Tech. Muito do nosso potencial está escondido nos escombros dos nossos traumas.

Por fim, gostaria de deixar uma lista com projetos e iniciativas com mulheres incríveis e inspiradoras:

Espero que esse texto possa ajudar no seu caminho.

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Stephany Nusch
Brazilians in Tech

She/her. Neurodivergent software developer. I like languages, games, music and frogs.