Jornada, aprendizados e reflexões dentro da carreira de computação

"A computação mudou a minha vida."É bastante provável que não seja a primeira vez que você lê uma frase semelhante a esta, e devo dizer que, por mais clichê que pareça, sou mais uma pessoa representada por ela.

Leticia Rina Sakurai
Brazilians in Tech
6 min readApr 19, 2022

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Desde criança, quando as pessoas me perguntavam o que eu queria estudar no futuro, minha resposta sempre foi ciências da computação, embora na época eu não fizesse a mínima ideia do que era aquilo de fato, mas tinha algo relacionado a computadores no nome e parecia legal. Fui uma criança curiosa, e quando meu computador surgia com a famosa tela azul ou aquele barulho bizarro do antivírus falando que meu sistema estava infectado, instantaneamente eu procurava por respostas, soluções e tentava executá-las, às vezes sem ter a mínima noção se aquilo era de fato uma correção ou iria piorar ainda mais a situação. Nos estudos, sempre fui uma aluna com notas altas, que uma vez ou outra representava a escola em alguma competição, o que me fez perceber que era bem competitiva e me cobrava bastante para alcançar os melhores resultados. A minha maior lembrança disso é durante o ensino fundamental, quando quis fazer uma prova para substituir o 9.75 por um 10, mesmo que aquilo não fosse mudar absolutamente nada na minha vida (e o pior, é que consegui tirar a tão desejada nota 10).

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A primeira vez que tive contato com a programação foi por volta dos meus 15 anos, e lembro que me encantei com a possibilidade de resolver exercícios usando uma linguagem para executar comandos, ler entradas do usuário e emitir um resultado final: eu poderia facilmente programar por horas e horas sem ver o tempo passar.

Quando entrei para a faculdade de ciências da computação, fui surpresa pela diferença entre a quantidade de homens e mulheres presente na sala de aula. A primeira vez que mencionaram essa discrepância para mim foi no dia da matrícula, quando o coordenador do curso disse: "você é uma das nove mulheres de um curso de cem pessoas". Embora tivesse feito um curso de computação durante o ensino médio, a sala era bem dividida entre os gêneros, mas isso passou a ser raridade nos meus anos seguintes.

Na verdade, frequentemente eu era a única mulher em uma sala com cerca de 50 pessoas.

É muito curioso observar como as coisas funcionaram para mim quando comparo a minha experiência com a de outras mulheres durante suas trajetórias nas exatas. Infelizmente, considerando o que já escutei por aí, acredito que sou uma exceção: as pessoas nunca duvidaram de mim quando falava que queria estudar computação, um curso da área de exatas, e nunca senti menosprezo em qualquer lugar onde estudei ou trabalhei, mesmo estando sempre como a minoria. Não entendo muito bem a razão disso, mas gostaria muito que outras mulheres pudessem ter experiências mais parecidas com a minha. Recentemente, comecei a me perguntar se isso tudo se deve ao fato de eu ser descendente de asiáticos, constantemente estereotipados pelos seus desempenhos excepcionais em qualquer área que escolham. Tudo isso ainda causa uma grande dúvida na minha cabeça, e venho tentando compreender minha imagem e identidade levando todos esses pontos em consideração.

Ainda durante a faculdade, notei como as mulheres têm se destacado mesmo sendo a minoria: muitas delas chegavam a cargos de coordenação em grupos extracurriculares, conquistavam bolsas para intercâmbios e oportunidades de estagiar em grandes empresas no exterior, tinham desempenhos excelentes dentro da sala de aula, e tudo isso era algo muito interessante de se observar. Também tive a oportunidade de coordenar um grupo de extensão durante a faculdade, e sei o quão valiosas são essas experiências — tanto profissional quanto pessoalmente — , e ao observar essa tendência de ter mulheres em destaque nas gerações mais novas em continuação, isso me deixa muito feliz e confiante de que nossa representatividade terá um resultado positivo.

Não somente na faculdade, mas também pude notar o quanto são disciplinadas as mulheres fazendo transição de carreira para a tecnologia, o quanto elas estão dispostas a ajudar umas às outras, e ter a certeza de que estão crescendo todas juntas.

Ter tido a oportunidade de estudar computação em uma universidade pública também me ajudou a entender a situação socioeconômica em que vivemos. Meu círculo social mudou completamente, já que saí de uma cidade pequena do interior de São Paulo para fazer a graduação. Meus estudos só foram possíveis com auxílios financeiros oferecidos pela universidade e ajuda de pessoas da minha família. Observei que, mesmo não faltando nada na minha vida, o conforto da maioria das pessoas ao meu redor era muito maior. E, não por maldade, muitas dessas pessoas não compreendem exatamente como algumas coisas são mais restritas para nós, da mesma forma que eu não podia compreender a facilidade que eles tinham para fazer coisas que na época não eram tão acessíveis para mim, como poder almoçar uma vez ou outra na cantina sem que isso afetasse meu orçamento, ou poder pagar o aluguel de um quarto somente meu em vez de um compartilhado.

Considero sorte ter tido interesse na computação desde cedo, por alguns motivos: não sei como é o estresse de ter que escolher uma carreira durante o final do ensino médio, e imagino que isso seja um tanto quanto assustador. Além disso, em um país onde nossas qualificações são cada vez mais menosprezadas, o mercado de tecnologia continua em alta, as empresas competem cada vez mais pelos melhores profissionais, e como consequência, temos ofertas de emprego com salários bastante confortáveis.

Como parte do último motivo mencionado, o conforto ao qual tenho acesso aumentou exponencialmente desde que comecei a trabalhar: finalmente pude arcar com o aluguel de um quarto só meu, ainda durante o estágio, e pouco depois pude me mudar para um apartamento só meu, um conforto que desejei por muito tempo pela minha personalidade mais introvertida. Não apenas isso, como também pude ir mais vezes em restaurantes e viajar mais sem ter que me preocupar com meu orçamento, e ainda ter a possibilidade de economizar um valor razoável e ajudar minha família.

Para completar, tive a oportunidade de realizar meu sonho de morar fora por meio da minha carreira na computação: hoje moro em um país com ótimo poder de compra e tenho segurança de andar numa rua escura, sozinha, no meio da noite, sem ter que me preocupar com isso, depois de ter morado por alguns anos em um bairro onde assaltos não eram novidade.

Todas essas grandes mudanças que aconteceram na minha vida trazem grandes perguntas e reflexões. Ainda como herança do meu lado competitivo e que sempre se cobrou para ser a melhor, continuo me comparando aos outros com frequência maior do que gostaria, embora hoje já consiga entender melhor que cada pessoa teve uma trajetória e um contexto de vida diferente do outro, e que cada situação vivida possui um grande impacto no modo como lidamos com as nossas escolhas, medos e mudanças. Mesmo tendo acesso às coisas que eu gostaria de ter no passado, isso não me faz esquecer do que vivi e querer ajudar quem, de certa forma, esteja vivendo no presente o que um dia eu experienciei. Passei a entender que pessoas podem te ajudar a crescer, que isso não vai impedir o crescimento delas, e que ver todos ao seu redor como inimigos, tentando ser sempre melhor do que eles, está bem longe de ser algo saudável para nossa saúde mental.

Independente do que caminho que você esteja trilhando, lembre-se sempre de quem você é, de todo o percurso que percorreu até chegar até aqui, e que aquela pessoa que você tanto admira também começou do zero no passado. É necessário ter paciência, e obstáculos podem aparecer durante sua caminhada, isso é natural. Tenha uma rede de apoio, use a tecnologia a seu favor para se conectar com pessoas que queiram te ajudar nos seus objetivos.

Para aqueles que, assim como eu, escolheram a computação como parte da sua carreira, que vocês também possam dizer que ela mudou a sua vida — mesmo sendo algo clichê.

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Leticia Rina Sakurai
Brazilians in Tech

Data Engineer and Computer Scientist discovering the new world of adulthood.