Você indicaria a empresa em que você trabalha para a sua amiga trans?

Carol Corrêia
Brazilians in Tech
Published in
6 min readMar 15, 2022

E chegamos a mais um Mês da Mulher.

Claro que nós, da Brazilians in Tech, não poderíamos deixar essa data passar em branco.

Mas você já parou para pensar no porquê dessa organização aqui existir? Ou tantas outras que promovem ações e discursos sobre diversidade e inclusão no universo da tecnologia? Por que esse assunto é tão importante pra gente?

Já ouviu aquela clássica pergunta: “Olha em volta na sua empresa. Quantas mulheres pretas, lideranças trans, colegas com deficiência e com mais de 50 anos você tem?” e pensou: “Tá, mas que diferença isso faz pra mim?”.

A real é que equipes diversas fazem bem para todas as pessoas envolvidas nelas, não apenas para quem se identifica como “pertencente a algum grupo diverso”.

Podemos te apresentar um punhado de dados de estudos realizados por aí que comprovam os efeitos positivos na geração de receita e no desempenho de empresas que manifestam compromisso com ações de diversidade:

  • Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho, empresas que monitoram o impacto da diversidade de gênero na liderança reportam crescimento de 5% a 20% nos lucros [1]
  • O relatório Diversity Wins de 2020, da McKinsey, revelou que, analisando empresas dos EUA e do Reino Unido, companhias com mais de 30% de mulheres no corpo executivo apresentaram uma maior probabilidade de desempenho financeiro superior em relação às empresas com menor representatividade. A probabilidade de desempenho financeiro superior chega a 48% quando comparamos as empresas com maior diversidade em relação àquelas com menor diversidade. E a probabilidade de desempenho financeiro superior apresentou-se mais elevada nas empresas com diversidade étnica do que nas com diversidade de gênero [2].
  • No artigo Diverse Teams Feel Less Comfortable — and That’s Why They Perform Better, de 2016 (um pouco antigo, mas segue bastante atual), encontramos uma pesquisa realizada em 2009 com 506 empresas que revelou que aquelas com maior diversidade racial e de gênero alcançaram, na média, maior receita de vendas, mais clientes e maiores lucros. Um segundo estudo, realizado em 2011, demonstrou que times de gestão com mais diversidade de experiências educacionais e profissionais criaram produtos mais inovadores. E, por fim, uma pesquisa de 2016 aplicada em mais de 20 mil organizações em 91 países indicou que empresas com mais executivas mulheres foram mais lucrativas. [2]

Chovendo no molhado, né? Qualquer pesquisa rápida no Google sobre o assunto vai te dar ainda mais dados e estudos feitos ao redor do mundo todo.

Este último artigo conta um pouco sobre o desconforto que equipes diversas podem acabar trazendo, porque gera, claro, um impacto. Recomendo bastante a leitura, é interessante. Mas, aproveitando o título, eu gostaria de focar em outro desconforto: o meu, como mulher negra. E não somente em contextos corporativos.

Eu me formei em Matemática Computacional, na USP, uma universidade pública de alta concorrência, no estado de São Paulo, e, ainda, num campus que só possui cursos de graduação em Exatas. Então, já imagina o cenário, né? Um campus majoritariamente composto por pessoas brancas vindas de boas condições socioeconômicas. Isso tem mudado um pouco graças às ações afirmativas e de cotas, mas, mesmo assim, nas engenharias mais disputadas, por exemplo, isso ainda era bem forte.

Me lembro das últimas disciplinas que cursei. Em muitas salas de aula em que entrei, se eu não era a única menina, eu era a única menina negra — algumas vezes, a única pessoa negra da turma. Teve uma aula em que entrei e até comentei com o professor: “Nossa, aqui é uma reunião só de homens?”. E também eram todos brancos, só pra constar.

Fui a única menina negra da turma de formandos do meu instituto, naquele semestre (me formei ano passado, bem recente).

Vou ser sincera… minha vontade nessas situações é sair correndo rsrs. Conforto, sem dúvida, não é uma palavra que define como me sinto. Quando você olha em volta e percebe que é a única diferente, bate uma sensação de não pertencimento péssima. E o alívio quando encontra um grupinho de colegas “mais diferentes”! Não sei se vocês que estão lendo este texto também se sentem assim, mas eu acho tão gostoso arrumar umas amizades de curso e de empresa, com quem a gente pessoalmente se identifica, como rede de apoio. Eu imediatamente costumo me sentir mais confortável e acolhida.

Sinto que não estou sozinha, nem desamparada, caso precise de ajuda, e que não vai ser muito difícil explicar certas situações. A empatia é um pouco mais garantida.

E quando você conhece alguém como você que chegou a um cargo de liderança, por exemplo, sendo ela mesma, dá um quentinho no coração de pensar: “Se ela conseguiu, eu também consigo!”.

Particularmente, acho mais fácil trabalhar e desabafar com mulheres e mais ainda com mulheres negras. Quando não tem nenhuma, a convivência é mais desafiadora, sim.

É difícil se relacionar num ambiente em que parece que não nos encaixamos. Se abrir e ter conversas leves, descontraídas e difíceis são partes essenciais de qualquer relacionamento e não é diferente na nossa carreira. O ambiente importa! E muito.

Além de que é cansativo ser a única. Nem dá vontade de fazer parte desses ambientes. Posso dizer com base em muitas experiências minhas: não vamos nos sentir confortáveis para ser quem realmente somos. Eu, pelo menos, tendo a me fechar, ou a ficar mais na minha, e ainda sinto que fico num estado de alerta constante, só esperando alguém fazer algum comentário preconceituoso, ou “piada” machista, transfóbica, racista.

A gente sabe que a chance disso acontecer é maior quando o grupo só tem pessoas que se identificam como homens, brancos, héteros e cis-gêneros, por quê? A falta de convivência com pessoas diferentes acaba reduzindo o tamanho do leque de empatia e respeito, por realmente não ter contato com o diferente no dia a dia.

Em pleno 2022, para ser honesta, bate até uma preguiça de ser a única. Hoje, eu escolho, ao máximo, os ambientes em que quero estar, porque não precisamos estar sempre dispostas a ocupar espaços que não nos fazem muito bem e acabar se colocando num papel de educar as pessoas sobre racismo, machismo, ou qualquer outro preconceito.

Não é porque somos mulheres, por exemplo, que é nossa responsabilidade tornar nosso ambiente de trabalho menos opressor e ficar constantemente nos submetendo a situações em que precisamos nos posicionar e corrigir alguém (a não ser que essa seja uma das funções do seu cargo).

Se você está brigando demais por respeito, talvez esse não seja o seu lugar.

A gente pode escolher o que nos deixa mais confortáveis, quando temos opções. E eu luto para que todas nós tenhamos, porque merecemos, no mínimo, o melhor.

Também faço o que posso para não ser mais a única em lugar nenhum. Quero mulheres negras ocupando todos os lugares que elas quiserem e pessoas de todos os tipos sendo acolhidas do jeitinho que elas são.

Não sei se te convenci de que a diversidade pode te fazer bem mesmo se você “não for diverso”. No final das contas, para além dos números e pesquisas, é sobre empatia.

Se nada do que contei aqui te incomoda, nem um pouquinho, sinto muito rsrs.

Você não gostaria de trabalhar num lugar onde todas as pessoas da sua equipe são acolhidas, ouvidas e encorajadas a serem quem realmente são? Poder ser autêntica e isso não te prejudicar? Um lugar que se posiciona contra o preconceito, preza pelo respeito, inovação, transparência e cuidado com as pessoas? Poder virar para a sua amiga travesti e falar, do fundo do coração e com tranquilidade: “Só vem pra nossa equipe, você vai ser feliz aqui!”.

Diversidade é sobre isso. E acaba sendo sobre todas as pessoas, porque ninguém é igual a ninguém. É sobre respeito à individualidade e compromisso com ações que tornem o ambiente acolhedor para qualquer pessoa se sentir bem sendo quem realmente é.

Eu desejo um ótimo Mês da Mulher para todas as pessoas que se identificam como mulheres!

Todo ano eu espero que a gente tenha um ano melhor que o anterior e gosto de usar o 8 de março para balanço.

O que você acha que melhorou pra você por aí?

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Carol Corrêia
Carol Corrêia

Written by Carol Corrêia

24, campineira, são-carlense, ariana, vegana, inimiga de coach e aparentemente me formei em matemática computacional e trabalho com TI