Antropoceno e mudanças ambientais globais

O papel do ser humano nas mudanças climáticas

Cintia Freitas
Brasil Contra o Vírus
5 min readJul 5, 2020

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Os grandes répteis chamados dinossauros perambulam no nosso imaginário coletivo desde a infância. Os dinossauros viveram aqui na terra durante três períodos contínuos: o Triássico, o famoso Jurássico e o Cretáceo, que vão desde 215 até 65 milhões de anos no passado. Os geólogos dão esses nomes interessantes aos períodos da Terra, baseados em grandes eventos geológicos que ocorreram no passado; assim eles formaram o que chamamos de escala do tempo geológico.

Eventos catastróficos, como o meteoro que terminou de aniquilar a maioria dos dinossauros e que constituiu o final do período Cretáceo, são os pontos que marcam o final de um período e o início de outro. Hoje em dia, depois de analisarem muitas evidências científicas, como o aumento do número de espécies extintas e mudanças na composição da atmosfera, alguns cientistas propuseram o termo Antropoceno para nomear o período no qual vivemos. Em Grego antigo, Anthropo significa humano e ceno significa novo (período) e assim, ganhamos o status de ‘evento catastrófico’.

Mas tenhamos calma, antes de ficarmos ofendidos. O ser humano é, realmente, um modificador da natureza e essas modificações em um curto período tiveram um impacto forte o suficiente e capaz de mudar o curso natural dos eventos climáticos e biológicos na Terra. O marco do início do Antropoceno data, dizem os cientistas, da revolução industrial há cerca de 200 anos (1750–1800) e foi quando a civilização humana passou a alterar o meio de forma mais acelerada. A instalação de indústrias, o desmatamento para abrir espaço para áreas de ocupação humana, as plantações de monoculturas e a criação de animais têm como intuito dar suporte, sustentar o consumo e, principalmente, alimentar a população mundial (7.7 bilhões de pessoas). Toda essa modificação do ambiente afeta o clima de forma drástica.

Claro, o clima na Terra vive em contínua mudança, mas a poluição das indústrias e o desmatamento emitem gases que até fazem parte da formação natural da atmosfera, como o gás carbônico e o metano, mas em quantidades nunca vistas. O gás carbônico tem um efeito curioso, ele é isolante e ajuda a manter a temperatura da Terra quente o suficiente para manter a vida. Porém, em grande quantidade, o gás carbônico esquenta demais causando o que chamamos de efeito estufa.

A grande maioria dos gases do efeito estufa, que são lançados na atmosfera, vem da queima dos combustíveis fósseis, como carvão mineral e derivados de petróleo (e.g. gasolina). O uso de combustíveis fósseis, principalmente carvão começou na China entre 960–1279 se espalhando para o resto do mundo e culminou com a ampliação para outros produtos, como o gás e o petróleo. A sociedade de hoje usa de 4 a 5 vezes mais energia do que usava a sociedade puramente agrícola. O carvão mineral é proveniente das árvores, subproduto de milhares de anos de fotossíntese. A fotossíntese é o modo das plantas de conseguirem energia para sobreviver e crescer, ou seja, estocar massa (e.g. carbono) em seu corpo.

Sim, a maior parte do corpo de todos os seres vivos é, pasmem, carbono. Quando morremos e nos decompomos, os gases que nossos restos mortais lançam na atmosfera são entre outros, adivinhem, metano e gás carbônico. Mesmo vivos, quando respiramos; o gás que expiramos é, pasmem, gás carbônico. Imaginem, então, a quantidade de gás carbônico que uma árvore de mais de uma tonelada pode emitir para a atmosfera?

Imaginem, a quantidade de gás emitido quando uma floresta inteira é derrubada. Uma árvore em pé, portanto, estoca carbono em seu corpo e não só isso, elas inspiram gás carbônico e expiram o oxigênio que respiramos para sobreviver. Na verdade, uma árvore grande é muito mais vulnerável às secas extremas causadas pelas mudanças climáticas que árvores pequenas. Mas a ironia é que são as grandes árvores aquelas que mais impactam de forma positiva o clima com a captação de gás carbônico na atmosfera e a formação de chuvas. Mas não só o desmatamento colabora para a alteração drástica do clima. Além do desmatamento, a queima de combustíveis fósseis pela indústria elevou a concentração de gás carbônico na atmosfera em mais de 10 vezes desde 1950, quando começou a ser medida.

Alguém pode se perguntar como os cientistas sabem a quantidade de gases na atmosfera em épocas remotas como no Cretáceo dos dinossauros, por exemplo? Pode parecer inacreditável, mas o solo e, principalmente, o gelo captam do ar a composição da atmosfera. Os cientistas perfuram as áreas congeladas do planeta e esse tubo de gelo de mais de 5 metros chamado ‘testemunho’ é cortado e analisado. Assim, os cientistas sabem não só a quantidade de gás carbônico que existia, mas também conseguem determinar a época daquela medida.

Desta forma, sabendo a relação entre quantidade de gás carbônico e temperatura ao longo de muitos anos, é possível prever qual a temperatura a terra pode alcançar se certa quantidade de gás for lançada na atmosfera. As previsões não são nada animadoras; elas falam em um aumento de 1.1–6.4 graus para 2099. Alguém pode dizer então: “Ah, mas um, dois ou seis graus de calor a mais não vai dar em nada! A gente vai para a piscina e tá tudo certo!” Mas com o clima não é bem assim.

Um aumento de 6 graus na temperatura da Terra pode ter efeitos catastróficos, como o derretimento das calotas polares que cobrem o polo norte e o sul; o que já está acontecendo. Segundo os cientistas, espera-se um aumento dos níveis do oceano entre 0.18 até 0.59m só com o aumento da quantidade de chuvas e a dilatação normal da água, ou seja, sem contar com o derretimento das calotas polares. Basta dizer que muitas cidades litorâneas, no mundo inteiro, estão localizadas ao nível ou até mesmo abaixo do nível do mar. Inundações constantes e um aumento no número de pessoas desabrigadas pode ser esperado, caso os oceanos subam pelo menos um metro! Este fenômeno pode causar aumento dos níveis do mar que podem chegar até vários metros se a temperatura seguir aumentando entre 2 e 6 graus.

Além do mais, as correntes de vento, que ajudam a regular o clima, são muito influenciadas pela temperatura global. A mudança das correntes de vento ao redor do planeta pode causar aumento de chuvas, aumento do frio, secas extremas, tudo dependendo do local por onde passa. Assim, as mudanças climáticas podem ter efeitos diversos e, muitas vezes, imprevisíveis no clima do planeta afetando a agricultura, criação de animais e nossa permanência na Terra.

Milhares de anos no futuro, se o ser humano ainda estiver aqui, geologistas futuristas verão o começo de Antropoceno nos testemunhos de gelo glaciais juntamente com os ossos de humanos e animais domésticos e 120 vezes mais gás carbônico capturado em comparação às épocas anteriores.

Hoje em dia, é consenso que o ser humano está alterando o ambiente de forma significativa e talvez até irreversível. Somos a primeira geração com o conhecimento de como nossas atividades influenciam os sistemas na terra. Sendo assim, somos a primeira geração com poder e responsabilidade de mudar nosso relacionamento com este planeta. O cuidado com o planeta, necessariamente, irá passar por uma mudança no uso dos recursos, reciclagem e transformação de rejeitos. E, também, mudanças nas bases de agricultura e sistemas de transporte para restaurar os balanços naturais perdidos. Não se pode pensar o desenvolvimento atual, sem ecologia. Não se pode pensar o desenvolvimento, sem pensar em ciência.

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Rede colaborativa que utiliza a tecnologia para ajudar os hospitais a combater a pandemia de covid19. Nossos projetos incluem a produção de EPIs e compra de máscaras e testes rápidos para doação a hospitais públicos.

Cintia Freitas
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Written by Cintia Freitas

Bióloga dedicada ao estudo da ecologia e evolução de plantas. Da periferia do Recife para o mundo. Pósdoc na UFPR. Escreve histórias infantis.