Desenvolvimento de Capacidades para a Gestão de Ecossistemas de Negócios

Fabio Farago
Bridge Ecosystem
Published in
6 min readFeb 3, 2021

Nas últimas décadas, um novo fenômeno tem emergido e ganhado tração na forma como as empresas líderes em seus mercados são geridas. Décadas de pesquisa em ciência da Administração, relatórios de consultorias e experiências de empreendedores de sucesso têm mostrado os benefícios do desenvolvimento de ecossistemas de negócios.

O conceito de ecossistema de negócios deriva de uma analogia com os ecossistemas biológicos, que representam um sistema com diferentes espécies de organismos vivos (plantas, árvores, vegetação e animais) em uma área que inclui o ambiente físico (clima, tipos de solo e rios)2 , convivendo juntos, como uma unidade em um estado de equilíbrio. Da mesma forma, os ecossistemas de negócios representam um conjunto de empresas de diferentes portes e segmentos de atuação, que possuem interdependência e colaboram em torno de uma proposta de valor.

Os ecossistemas de negócios são compostos por diferentes atores. Em um filme, os atores possuem diferentes papéis, roteiristas e produtores estão cientes de que uma boa história é aquela onde cada ator possui um papel único que complementa e enriquece a história. Um filme ruim é aquele onde os atores desempenham papéis semelhantes ou tautológicos, são desinteressantes. Assim como nos filmes, em um ecossistema, cada ator possui um papel único que o complementa e que é necessário para que este possa crescer e se desenvolver.

A figura a seguir exemplifica por meio do caso da Apple, a estrutura básica dos atores presentes em um ecossistema de negócios:

  • Firma focal: na imagem é representado pela Apple. A firma focal é aquela empresa já estabelecida e de grande porte, muitas vezes uma multinacional, e que puxa todo o ecossistema, geralmente atuando como sua líder.
  • Fornecedores: representado pelos fornecedores da firma focal, no exemplo citamos a Panasonic, fornecedora de baterias. Porém, a Apple possui mais de 200 fornecedores, que incluem desde a empresa que produz a tela e câmera, até os diferentes componentes que a Apple transforma para gerar valor para o cliente final.
  • Complementadores: esses atores complementam a proposta de valor da empresa focal sem que necessariamente possuam uma relação com ela. No caso da Apple, podemos citar os aplicativos disponíveis na Apple Store. Uma das principais ações estratégicas que fez com que o Iphone fizesse sucesso, foi o financiamento de startups que agiriam como complementadores, agregando mais valor aos clientes do que o produto individual. Provavelmente maior parte dos usuários de Iphone passam mais tempo utilizando inovações dos complementadores (WhatsApp, Facebook, Instagram, Tik Tok, Internet Banking etc.) do que as funcionalidades do próprio Iphone.
  • Clientes: representam os compradores e consumidores dos produtos da Apple e dos complementadores do ecossistema. Para mobilizar clientes, é preciso que a proposta de valor do ecossistema entregue mais valor do que outros ecossistemas concorrentes, no caso da Apple podemos citar a LG, Samsung, Motorola, entre outros.

Partindo desta ótica de ecossistemas, uma vez que reconhecemos sua importância, a questão que emerge é: como minha empresa pode extrair valor a partir do ecossistema?

Os resultados de nossas pesquisas têm mostrado que essa questão pode ser respondida ao adotar uma visão baseada em capacidades. Uma capacidade representa um conjunto de recursos e conhecimentos para a realização de uma determinada tarefa ou função. Pense na pessoa responsável pelo TI na sua empresa, ele possui uma série de conhecimentos (dos cursos que fez de informática e hardware e os adquiridos com a experiência), que juntamente com recursos (softwares e equipamentos), permite com que ele realize uma função: resolver o problema do seu computador. Nesse sentido, dizemos que este colaborador possui uma capacidade de TI, uma habilidade útil que ele pode colocar em ação para a resolução de problemas diversos.

Porém o que nos interessa aqui não são as capacidades das pessoas, mas sim as capacidades das empresas. Olhar para uma empresa com uma visão baseada em capacidades, em sua forma mais básica, significa entender o que aquela empresa consegue entregar ou gerar com os recursos e conhecimentos que possui. Existem basicamente dois tipos de capacidades à nível da empresa: capacidades operacionais e capacidades dinâmicas.

As capacidades operacionais dizem respeito as funções rotineiras que permitem com que as empresas realizem suas tarefas, funções ou atividades. Existem diversos tipos de capacidades operacionais, como por exemplo podemos citar as capacidades tecnológicas ou as capacidades de marketing.

Uma capacidade tecnológica permite que a empresa desempenhe suas funções tecnológicas como manter uma estrutura de TI interligada entre suas unidades, fazer com que os sistemas de informação funcionem corretamente ou mesmo permitir a aplicação de novas tecnologias digitais. Um exemplo de empresa com capacidades tecnológicas em geral bem desenvolvidas é a Google, o que permite com esta possa entrar em novos mercados (a exemplo setor de saúde, fabricação de automóveis) de que não tem conhecimento, por meio da aplicação de suas capacidades tecnológicas. Outro exemplo de capacidade operacional são as de marketing, que permite que a empresa consiga atrair e manter clientes, desenvolver laços e relacionamentos com estes, e manter as vendas fluindo. Um exemplo é o da fabricante de automóveis Toyota, que vem a décadas desenvolvendo uma marca que é associada com qualidade, o que faz com que seus carros tenham boa aceitação e feedback positivo dos clientes.

Essas capacidades podem ser bastante gerais (como as duas capacidades mencionadas) ou podem ter uma aplicação específica. No caso das capacidades tecnológicas uma empresa pode desenvolver uma capacidade específica voltada para aplicações de inteligência artificial, como a Google, que permite com que ela tenha vantagens nesse mercado em relação a outras empresas, e que possa entrar em novos mercados (veículos autônomos). Ou no caso das capacidades de marketing, uma empresa pode ter uma capacidade específica de orientação ao cliente, desenvolvendo produtos personalizados, ou uma capacidade de relacionamento, que permite que ela seja muito boa em criar laços e fidelizar, ou mesmo uma capacidade de experimentação, que faz com ela possa introduzir novos produtos ou funcionalidades de forma rápida e com o mínimo de investimentos.

A estratégia de capacidades de uma empresa precisa considerar ainda que a qualquer momento, ela pode decidir por fortalecer as capacidades que já tem, ou criar novas. Um exemplo de fortalecimento de capacidades pode ser os investimentos em P&D da Google em pesquisas de internet, algo que ela já tem mas quer continuar mantendo a liderança, ou a Toyota treinando seus funcionários em métodos de aprimoramento de qualidade. A empresa também pode decidir construir novas capacidades, como exemplo a Google investindo em capacidades para fabricação de carros, a Ford contratando engenheiros de software para desenvolver IA para carros autônomos, a Honda construindo capacidades para a construção de jatos de pequeno porte ou a Tesla desenvolvendo painéis solares.

Estes são todos exemplos de capacidades operacionais, que frequentemente são descritas como capacidades de nível inferior. Uma segunda forma de capacidade, que seria uma capacidade de ordem superior, são as capacidades dinâmicas.

As capacidades dinâmicas são aquelas que realizam a transformação das capacidades operacionais, permitindo que as empresas consigam mudar, se adaptar e transformar na medida em que o mercado, os clientes, as tecnologias e modelos de negócios mudam. De um modo geral as capacidades dinâmicas possuem três dimensões que precisam estar desenvolvidas para que as empresas possam se adaptar e conquistar/manter sua competitividade:

  • Monitoramento: é a capacidade de uma empresa de identificar tendências e mudanças que estão ocorrendo, seja nas tecnologias, em seu setor, no que os concorrentes fazem ou no que os clientes querem. Inclui também a noção instintiva e a exploração empreendedora de novas oportunidades. Os brasileiros não eram dependentes de plataformas digitais de delivery como o Ifood, até que alguém criou e o implementou em larga escala.
  • Mobilização: é a capacidade de decidir a partir quais mudanças implementar dentro de si, para que possa se adaptar e mudar a nova realidade, mobilizando recursos como conhecimento e financeiros para isso. Envolve a criação de modelos de negócios de alto impacto, que sejam escaláveis e gerem valor para o cliente, como a fintech Nubank, que oferece cartão de crédito internacional digital sem anuidade.
  • Transformação: é a capacidade de uma empresa de estar sempre fazendo mudanças em seus produtos, serviços ou processos para que possa se adaptar e manter a frente do seu setor à medida que o ambiente, economia, clientes e tecnologias mudam. Um exemplo é a Natura, que transformou seus canais de venda e entrou em novos mercados como resposta a perda de vendas devido as pressões competitivas.

Para exemplificar melhor como as empresas podem crescer a partir de capacidades dinâmicas, em meu próximo texto abordo o caso da Tesla Inc. e apresentar seu desenvolvimento por meio da construção de um ecossistema de negócios.

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