Plataformas tecnológicas e modularização: alguns dos alicerces para construção de ecossistemas baseados em plataformas

Ana Facin
Bridge Ecosystem
Published in
5 min readSep 15, 2021

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Nesse texto vamos começar a falar sobre os tipos de plataformas que são desenvolvidos por empresas, para então nos próximos textos apresentar mais especificamente as plataformas digitais que têm se tornado peças centrais na formação de ecossistemas de empresas para desenvolver colaborativamente seus produtos e serviços. Empresas como Google, Apple, SAP, iFood, Uber são alguns dos exemplos muito conhecidos no desenvolvimento de plataformas digitais. As plataformas digitais podem funcionar como uma base sobre a qual floresce um vibrante ecossistema de empresas parceiras e complementares, que cooperam para entregar inovação em produtos, serviços e modelos de negócios. Como vimos no texto sobre os diferentes tipos de ecossistemas presentes no ambiente de negócios, alguns ecossistemas se desenvolvem a partir de plataformas.

A discussão sobre os conceitos de plataforma e modularização não é recente, e surgiu nos anos 90, primeiramente para discutir o âmbito de uma arquitetura que promoveria saltos mais significativos em velocidade, eficiência e qualidade no desenvolvimento de novos produtos. Um clássico desta discussão é o livro de Wheelwright e Clark (professores na Harvard Business School), Revolutionizing Product Development: Quantum Leaps in Speed, Efficiency and Quality. Nessa época, a modularização no desenvolvimento de novos produtos se apresentava como uma forma para lidar com o aumento na complexidade tecnológica dos produtos. E essa crescente complexidade fez com que a modularização migrasse dos processos de produção para o projeto dos produtos.

A arquitetura de produto modular é uma das possibilidades para o desenho do produto que usa interfaces padronizadas entre componentes do produto, e essas interfaces são projetadas para permitir variações e substituições de componentes de forma a criar arquiteturas de produto flexíveis. Os conceitos de padronização e modularidade precederam o conceito de plataforma, e são ferramentas eficientes no desenvolvimento de famílias de produtos porque permitem projetar produtos diferentes usando um mesmo conjunto de módulos de componentes padronizados denominado “plataforma de produto”. Produtos como automóveis, por exemplo, podem ser projetados usando o mesmo conjunto de chassi e motorização (plataforma), para produzir carros mais populares ou mais luxuosos, dependendo dos módulos que forem retirados ou adicionados, para desta forma atender diferentes públicos. Essa arquitetura, baseada em uma plataforma padronizada e componentes que podem variar, permite o desenvolvimento de produtos derivados de uma mesma plataforma para atender nichos específicos de consumidores, com uma grande economia de escala. Neste contexto a plataforma de produto pode ser definida como um conjunto de sistemas e interfaces que formam uma estrutura comum, a partir da qual uma série de produtos derivados pode ser desenvolvida e produzida de forma eficiente.

Autora: Lorena Fernandes Leal

Olhando de forma mais ampla, a plataforma de produto pode ser vista como um conjunto de ativos compartilhados por uma família ou linha de produtos, que não se resume apenas aos subsistemas e às interfaces do produto, mas também engloba os processos de produção, a experiência e o conhecimento dos profissionais, envolvidos no desenvolvimento da plataforma.

Empresas que desenvolvem produtos físicos, como eletrodomésticos, automóveis, aviões, foram pioneiras na adoção da arquitetura modular. A Black & Decker, por exemplo, foi uma das pioneiras na plataformização da sua linha de ferramentas elétricas manuais. Isso aconteceu para atender a uma legislação que exigia maior segurança e isolamento dos motores desses produtos, com a finalidade de aumentar a proteção de seus usuários. Essa necessidade levou a um grande esforço porque teria que ser refeito o projeto de todos os 30 diferentes tipos de motores que eles utilizavam nessa linha de produtos. Para minimizar esse esforço foi adotada a concepção de um único tipo de motorização (plataforma) que foi desenvolvido para atender toda a família de produtos de ferramentas elétricas manuais, independentemente da aplicação final, seja para lixadeiras, furadeiras, polidoras, etc.

Fonte: https://br.blackanddecker.global/

Os benefícios que foram conquistados a partir da utilização de uma arquitetura modular baseada em plataformas e componentes modulares e intercambiáveis foram inúmeros, entre eles:

- Para o desenvolvimento de produtos: reduzir o tempo de desenvolvimento, facilitar a modificação de produtos para atender nichos específicos de mercado ou para incorporar novas tecnologias;

- Para gestão da cadeia de suprimentos: facilitar a coordenação dos fornecedores e reduzir custos na aquisição de componentes de terceiros;

- Para os processos de produção: diminuir a complexidade; reduzir custos e prazos de fabricação; aumentar a flexibilidade para resposta às flutuações de mix e de volume.

O principal objetivo do uso da arquitetura baseada em plataformas é oferecer grande variabilidade de produtos ao mercado e ao mesmo tempo, simplificar os processos de produção e reduzir custos. Outro importante objetivo é o de inovar mais rapidamente e sistematicamente por meio do reuso de ativos comuns ou componentes, que servem como base para a inovação do produto. A inovação pode acontecer tanto na plataforma através de sua renovação, como também através da adição, substituição ou remoção de módulos periféricos que conferem novas características ou novas funcionalidades ao produto.

Em muitos casos a inovação das plataformas acontece com a participação de parceiros e complementadores. Neste contexto, a plataforma pode ser aberta para parceiros da cadeia de suprimentos, e todos os participantes da cadeia de suprimentos podem contribuir com a inovação. Um fenômeno mais recente é o do desenvolvimento das plataformas de indústria, que são definidas, por Annabelle Gawer, como blocos construtores (que podem ser produtos, tecnologias ou serviços) que atuam como uma base sobre a qual uma rede de empresas (também chamada de ecossistema de inovação) pode desenvolver produtos, tecnologias ou serviços complementares. O próximo texto vai apresentar o contexto das plataformas que servem como base para ecossistemas de inovação, nos quais as organizações não estão ligadas necessariamente por relações contratuais de cliente e fornecedor, como nas cadeias de suprimento, o que pode aumentar consideravelmente o número de atores que podem contribuir para a inovação.

Ana Facin

Mestre e doutora pela USP e docente na UNESP em Engenharia de Produção. Pesquisadora na iniciativa Bridge Ecosystem.

Referências

WHEELWRIGHT, S. C.; CLARK, K. B. Revolutionizing Product Development: Quantum Leaps in Speed, Efficiency and Quality. New York: The Free Press, 1992. 364 p. (https://www.hbs.edu/faculty/Pages/item.aspx?num=155);

GAWER. A. Bridging differing perspectives on technological platforms: Toward an integrative framework. Research Policy. v.43, n.7, p. 1239–1249, 2014. (https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0048733314000456)

FACIN, A. L. F. et al. The evolution of the platform concept: A systematic review. IEEE Transactions on Management, v. 63, n. 4, p. 475–488, 2016. (https://ieeexplore.ieee.org/document/7547254);

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