Práticas favoráveis para melhorar a governança da falha em processos de inovação.

Ximena Alejandra Flechas
Bridge Ecosystem

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Anteriormente, foi discutido porque a governança da falha importa nos processos de inovação, neste texto, vamos nos centrar nas práticas de gestão e do design organizacional que permitem melhorar o modelo de governança da falha durante a execução de processos de inovação.

A figura 1 mostra as principais práticas que as empresas podem considerar para definir uma governança da falha adequada para conquistar seus objetivos de inovação. Em seguida, iremos a apresentar cada uma destas práticas em detalhe.

Figura 1. Principais práticas para melhorar a governança da falha.

Bloco 1: Atributos Comportamentais

No primeiro bloco de práticas se encontram os atributos comportamentais, que são um conjunto de atitudes que propiciam o ambiente de experimentação e aceitação das falhas como parte dos processos de inovação. Dentro deste bloco destacam-se 3 práticas: a tolerância à falha, a disposição para experimentar, e a disciplina e confiança.

A tolerância à falha consiste na aceitação de que as falhas são inerentes à inovação e que inclusive podem ser fonte de oportunidades para achar novas direções no desenvolvimento das pesquisas. São muitos os exemplos de produtos exitosos que têm sido criados a partir de “erros” ou “acidentes”. O Viagra foi concebido inicialmente como um medicamento no tratamento cardiovascular, na fase de testes os resultados não foram bem sucedidos, porém os pesquisadores identificaram um efeito colateral não usual, o que permitiu redirecionar o produto como medicamento para o tratamento da disfunção erétil. Um outro exemplo clássico de inovação a partir da falha são os blocos de nota Post-it, um engenheiro da 3M foi encomendado a fazer um tipo de adesivo muito forte para a indústria aeroespacial, no entanto, o adesivo resultante foi tudo menos forte, ele se desprendia totalmente quando era removido de qualquer superfície mas podia resistir durante vários usos, surgindo assim os famosos bilhetes de cores. A tolerância a falha, no entanto, não significa a tolerância à incompetência. Vale lembrar que a falha se refere aos resultados insatisfatórios em situações incertas em que os atores não conhecem a priori a melhor maneira de definir objetivos, planos e resultados.

A disposição para experimentar permite que as empresas promovam a experimentação para desenvolver projetos de inovação. A experimentação é um poderoso mecanismo para mitigar incertezas e conhecer informações chave para prosseguir com as pesquisas. Para promover estas práticas, as empresas devem disponibilizar os recursos (ex.: laboratórios, pessoal qualificado, materiais, etc.) e o tempo necessário para formular e conduzir testes, experimentos, e provas piloto.

Certamente, estas duas práticas precisam da presença de dois atributos comportamentais complementares: a disciplina e a confiança. Por um lado, a disciplina é necessária para não cair no cliché de “comemorar as falhas” mesmo que estas falhas não contribuam em nada ao aprendizado organizacional. Por outro lado, a disciplina é essencial para planificar e performar experimentos em projetos de inovação. É necessário um robusto conhecimento técnico para identificar onde estão as lacunas de conhecimento ou as incertezas que precisam de atenção e podem ser resolvidas a partir da experimentação. Adicionalmente, a construção de protótipos e execução de testes precisam de disciplina para que a coleta de dados e a informação resultante realmente contribuam com a pesquisa. A confiança também é fundamental para que os colaboradores se sintam à vontade para propor e discutir planos de experimentação, e, mais importante ainda, para se sentirem à vontade para comunicar os resultados que não foram satisfatórios sem temor de serem punidos ou envergonhados.

Bloco 2: Estrutura Organizacional

O estilo hierárquico se refere à maneira como os colaboradores estão alocados dentro da organização e às relações de comando entre eles. Para aceitar e se beneficiar das falhas durante os processos de inovação, pesquisas têm identificado que as estruturas mais planas são mais favoráveis. Em estruturas hierárquicas planas, as pessoas têm canais de comunicação mais abertos e ágeis já que os colaboradores têm mais liberdade de tomar decisões, executar ações, e expressar suas opiniões e socializar as falhas. Este último ponto é muito importante na hora de analisar e dar resposta a uma situação de falha. É sabido que muitas das respostas a situações complexas e incertas podem ser melhor abordadas de forma coletiva, por isso é fundamental que os colaboradores comuniquem as falhas dos processos de inovação.

Uma composição dos times favorável para melhorar a governança da falha deverá ser dinâmica, ou seja, é recomendável que os times mudam com o tempo e se beneficiem dos conhecimentos e diversas perspectivas de colaboradores heterogêneos. Da mesma forma que times heterogêneos são recomendáveis para estimular a criatividade, estes times são recomendáveis para analisar e gerar opções de resposta às falhas que possam emergir durante os processos de inovação. Não somente os times heterogêneos e dinâmicos se favorecem dos diferentes pontos de vista e background dos envolvidos, senão também das redes sociais (redes de contatos) que eles possuem que podem ser fontes de conhecimento e valor para as pesquisas.

Finalmente, temos a autonomia que se destaca como um elemento central na governança da falha porque é uma das formas pela qual fica claro que a empresa tem internalizada uma cultura que aceita e se beneficia da falha na inovação. A autonomia por um lado favorece o clima de confiança porque é um valor que a organização outorga ao colaborador, e de certa forma comunica que as lideranças confiam nas capacidades de tomada de decisão e discernimento das pessoas. É importante, no entanto, que a autonomia no caso de uma situação de falha, não se transforme na individualização da “culpa” da falha, lembrando que os processos de inovação, longe de serem responsabilidade de apenas um indivíduo, dependem de toda a organização.

Bloco 3: Práticas Organizacionais

A segurança psicológica faz referência à percepção de que é seguro assumir riscos, comunicar seus pontos de vista e dúvidas no local de trabalho. É uma prática que favorece muito o desenvolvimento de projetos de inovação porque justamente facilita que os colaboradores se sintam mais à vontade frente às falhas. Por um lado, se cria o sentimento que, apesar dos resultados insatisfatórios, não haverá nenhum tipo de retaliação contra o indivíduo nem contra o time, e por outro lado se estimula a comunicação das falhas que aconteçam na execução dos projetos.

Os sistemas de notificação consistem em um conjunto de ferramentas que ajudam à identificação, gestão e aprendizado das falhas. Exemplo destes sistemas são tabelas ou dashboards que comuniquem os resultados das pesquisas, os resultados positivos, negativos, as possíveis causas das falhas, informações adquiridas a partir das falhas, e testes a serem feitos para continuar com a pesquisa. Um sistema de notificação muito importante para a governança da falha é o debriefing, que consiste em um relatório onde se descreve todo o processo, os resultados, onde o projeto não deu certo e outros aspectos relevantes para que futuros colaboradores entendam o que aconteceu. Nas nossas pesquisas, identificamos que esta prática é frequentemente negligenciada pelas empresas principalmente quando os resultados dos projetos não são os desejados. Esta situação leva a que com o tempo, uma vez encerrado o projeto, ninguém consiga dar informação referente a esse processo e não possa ser possível obter informações para aprender com ele, e pior ainda, este desconhecimento pode levar a empresa a fazer exatamente o mesmo processo e se deparar com as mesmas falhas, perdendo tempo e mais recursos.

Finalmente, é claro que todas estas práticas somente são viabilizadas pela liderança. Para isto é necessária a implementação de um estilo de liderança que entenda o papel da falha na inovação e que facilite a promoção deste entendimento a todas as esferas da organização. O estilo de liderança também deverá afetar a forma como são avaliados os colaboradores envolvidos nos processos de inovação. Segundo o escopo e o grau de incerteza envolvida nestes processos, os critérios de avaliação (ex. cumprimento do cronograma, cumprimento do orçamento, etc.) devem ser ajustados para não punir de maneira arbitrária e injustas as pessoas envolvidas.

Governar as falhas de forma que permita a organização conquistar seus objetivos de inovação é uma tarefa que requer adaptação e um profundo entendimento da natureza incerta e imprevisível da inovação. As empresas vêm trabalhando na criação de uma cultura mais aberta que entende que falhas de fato acontecem nos processos de inovação, agora deve-se acrescentar a consciência de que esta aceitação da falha também muda conforme mudam os processos de inovação, sejam estes mais radicais ou sejam realizados com diferentes atores externos.

Esperamos que este texto tenha sido do seu interesse. No final deste artigo, poderá encontrar algumas referências acadêmicas, caso você queira se aprofundar no tema! Até uma próxima.

Referências

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Stern, Z., Katz-Navon, T., & Naveh, E. (2008). The influence of situational learning orientation, autonomy, and voice on error making: The case of resident physicians. Management Science, 54(9), 1553–1564. https://doi.org/10.1287/mnsc.1080.0862

Van Dyck, C., Baer, M., Frese, M., & Sonnentag, S. (2005). Organizational error management culture and its impact on performance: A two-study replication. Journal of Applied Psychology, 90(6), 1228–1240. https://doi.org/10.1037/0021-9010.90.6.1228

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