Facebook LIBRA, Parte 1: Uma obra prima de estratégia!

courtnay guimaraes
BRQ Tech
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13 min readJun 21, 2019

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Primeiras impressões depois de todo o furacão de mídia mundial.

Antes de mais nada:

Como os termos “cripto ativos”, “blockchain”, moeda, tokens, “criptotokens” e afins geram comoções apaixonadas, ano passado escrevi uma longa série que resume como interpreto todo este universo, bem aqui. Vou falar de sopas de letrinhas que só existem por lá, mas de outros conceitos que já vemos por aqui.

Além disso, vou focar no que considero a parte mais brilhante e menos comentada desta epopéia: A estratégia!

Simbora!

Agradando a Gregos…

Money to the People.

Antes de mais nada, lembremos que em termos de estratégia, Sun Tzu já recomendava há milênios reconhecer o terreno da batalha. Dai que a cartilha do time Libriano já começou com panos quentes:

“Somos uma moeda inclusiva, dinheiro será global, estável e todos estarão na economia global”. ou..

“A simple global currency and financial infrastructure that empowers billions of people. Reinvent money. Transform the global economy. So people everywhere can live better lives.”

Um vídeo apaixonante é a chamada inicial. Foi até citado em discurso do presidente do Bank of England durante a semana:

“The Bank of England approaches Libra with an open mind but not an open door, said Carney. “Unlike social media for which standards and regulations are being debated well after it has been adopted by billions of users, the terms of engagement for innovations such as Libra must be adopted in advance of any launch. Libra, if it achieves its ambitions, would be systemically important,”

Make love, not war.

Como já dizia o John, política de boa vizinhança é tudo e o time começou pesadamente a costurar alianças. Não apenas trouxe todo o concílio de payments mundiais, juntando rivais experts como Mastercard e Visa, bem invasores como PayPal e clientes como Uber, Lyft, intermediários como MercadoPago e players de infraestrutura como Vodafone.

Mais que isso, além de substancialmente caro, existem exigências do mais-que-politicamente-correto, como um critério EXCLUDENTE de impacto social.

Consórcio. Sozinho vou rápido, juntos vamos mais longe.

A visão de founders group, numa entidade chamada Libra Association, já tira de cena a visão controladora, maximalista e um tanto quanto conturbada do próprio Facebook. Este é um dos muitos estratagemas de grand master, na minha opinião. Afinal, atacar o Facebook sozinho, com seu histórico, seria fácil, mas todo um grupo não.

Mais que isso, ao incluir players tradicionais do mundo cripto (Coinbase e Xapo, em especial), deu um toque de “juntos e shalow now” para a iniciativa! E isto apenas em termos de modelo coletivo de negócios… Jajá falamos da parte de construção coletiva.

Propósito social.

A participação de players do terceiro setor, principalmente do Kiva, uma entidade que já é querida dos players do Valley, é mais outra peça magistral: Justifica o propósito na prática, dinheiro fluindo dos mais abastados para causas visíveis e bem geridas nos locais mais necessitados. Deixando claro, não está ainda transparente qual o papel dessas instituições no consórcio, mas só de tê-las no lançamento já deixa claro a intenção de distanciar o GRUPO de seus players individuais.

The Libra Reserve: Terror dos bancos centrais ou aliado maior na guerra de mercado contra os criptoativos. Who knows…

Tem vários outros aspectos que falarei adiante, mas a mais brilhante peça deste intrincado quebra-cabeças foi colocar uma palavra mágica (de quem ataca criptoativos) numa simplicidade ofuscante: Lastro.

E não apenas qualquer lastro, mas uma cesta de moedas internacionais fortes e outros ativos, ou seja, cooptando imediatamente todo os sistema financeiro como garantidor de sua estabilidade !

Imediatamente, reuniões foram invocadas pela turma dos bancos centrais, uma vez que isso pode representar algum choque nas políticas monetárias internacionais, mas isso é detalhe para outro texto…

Pense grande, começando grande

Mesmo sendo um projeto ambicioso ao extremo, com uma enorme possibilidade de enfrentar muitas críticas, um apelo é inegável: A base de clientes existentes (E a que é facilmente adicionável) do “Império Zuke”.

Aqui os fatos começam a se confundir, uma vez que o Facebook é apenas um dos membros, através de um novo business, de wallet (Calibra). Mas, como funding member, pode ter uma enorme vantagem. Já vimos este filme no consórcio Hyperledger, onde seus fundadores beberam água fresca primeiro.

Simplicidade é o mais alto grau de sofisticação

Ai vem a mais sensacional parte da estratégia: Tudo é orquestrado pelo facebook, mas … Ele tem uma empresa separada para EXECUTAR a parte que realmente importa: Um Walleting Business (onde todas as transações serão executadas). Detalhe sutil: “Com a mesma facilidade que manda uma foto ou mensagem…

Telas iniciais, fonte Facebook

E o toque de midas: Respeitando todos os preceitos de direitos do consumidor! Este aspecto também contou com um “aceno amigável” aos reguladores, de maneira explícita!

Sem falar do KYC implícito, o que por si só ja neutraliza ações globais costumeiras ao mercado de criptomoedas.

Source: libra.org

Detalhe quase desapercebido: Para pessoas e… Empresas! Só este tópico já merece… Outro texto :D

E Troianos…

Se estivesse apenas no âmbito de um meio de pagamentos, transferências internacionais, pagamentos via chat, etc. estaríamos vendo apenas mais um concorrente do PayPal ou WeChat. Mas…

“Libra is built on a secure, scalable, and reliable blockchain.”

Isto abre a caixa de pandora dos Criptoativos e toda a comunidade ficou em polvorosa!

The ZukeChain!

Vou falar dos pormenores: “A”blockchain = Um blockchain a ser desenvolvido do zero, pelo time do Facebook, com características próprias! Até uma nova linguagem de programação, para os (ARRRGGH, detesto o termo) smart contracts foi feita. O nome é simbólico (Move), não temos nada além do white paper, mas segue os preceitos lançados pelo Ethereum em 2014.

Em termos de replicação, consenso permissionado e afins, tudo indica que começaram seguindo à risca toda a cartilha de DTPs coordenadas.

Em teoria, o modelo de consenso de segurança segue padrões já consagrados, mais um implementador do PBFT.

Como o código disponível ainda é muito limitado, a comunidade técnica ainda está ansiosa e dividida sobre julgamentos mais concretos. Aguardamos ansiosamente para por a mão nesse github! Por hora, contamos com as análises dos amigos (filosofamos sobre o white paper).

Open Source

Em teoria está sendo criada uma COMUNIDADE, centrada na fundação (Libra Association) e coloca as decisões de evolução neste consórcio. Mesmo com o fato de ser uma entidade de participação por aderência financeira (veja mais no tópico de STO abaixo), já tira de um único player o poder de decisão.

Se seguir os exemplos do Hyperledger, Ethereum Enteprise e afins, mesmo sem poder de voto, uma comunidade de coders pode influenciar e caso não chegue a acordo, forkar a plataforma e seguir novas linhas.

Com o programa de recompensa por bugs (Bug bounty), já iniciaram a demonstrar a transparência necessária. Licença no modelo Apache, foi outro passo importantíssimo. E já sair com todo o código disponível aberto no github, lacrou.

Comunidade acadêmica.

Outro detalhe foi abrir a participação do consórcio à players do ecossistema acadêmico em geral. Não está claro se estes players teriam de pagar como os outros, mas haja vista o progresso do consórcio Hyperledger junto à academia, esse move foi muito inteligente.

Tecnicamente falando

Chainspace. Chain quem ?

Antes de mais nada, um detalhe (essa estória tem muitos deles) sutil e impactante: Assim como a Digital Assets adquiriu a desconhecida Hyperledger lá nos idos de 2014… A turma do tio Zuke também pulou etapas e comprou um pequena startup de Londres, obscura. Mas com um time tão sensacional, que simplesmente acelerou todo o processo.

Não vai ser aqui que vou entrar em todos os pormenores quasi-santossacros tecnológicos que envolvem toda a discussão, mas em resumo, eles largaram redondinhos… Mas com muitos “teremos”, “faremos”, “existirá” e outros tempos futuros que quase invocam mesóclises :D A discussão será longa, intensa mas… parte de um

E dai? Como isso desloca o ecossistema de criptoativos afinal??

Resumidamente: Desde o paper do santo Satoshi não temos um grande acontecimento sísmico destas proporções. Sabe porque? Pela missão AMBICIOSA declarada:

“Libra’s mission is to enable a simple global currency and financial infrastructure that empowers billions of people.”

Só isso já explodiu mimim em TODOS os setores. Reguladores, economistas, empreendedores, técnicos e… CriptoMaximalistas, cypherpunks, criptoSacerdotes e afins. As implicações ainda vão reverberar por muito tempo, mas os pontos mais importantes para mim são:

Eu entendi SECURITY TOKEN ?!?!?!?

Sim. A Libra Foundation emitiu um security token, arrecadando cercar de US$ 200 M. É isso mesmo. E essa notícia, por si só, seria estupenda! Apesar da operação ter sido feita na fundação (sediada na Suíça), local onde isso tudo já está em estágio avançado e de ter sido um private placement, só o fato de huge players associarem suas marcas a este tipo de operação já desloca todas as placas tectônicas do ecossistema.

Para coroar, vem o Slack e faz um direct placement na mesma semana… Aguardem muitos efeitos emergentes destas novidades!

Apesar de fechada, é uma moeda digital GLOBAL.

Independente do mimimi de todos os lados, temos várias marcas globais apoiando, pela primeira vez, uma MOEDA global… Token privado e de donos, ok. Mas… Desde o dólar, ninguém almeja essa posição. E esta é a missão declarada do projeto. A última vez que alguém declarou algo assim estava tão preocupado com as consequências que se anonimizou.

Agora, os reguladores estão ensandecidos em busca de respostas, aqui no Brasil conversei informalmente com amigos do mercado de valores mobiliários, ex funcionários do Bacen e alguns economistas e todos vão esperar para ver.

Um volume de marketing impossível de se atingir no nicho das criptomoedas abertas simplesmente explodiu da noite pro dia.

A maior novidade é o impacto de mídia. Não só os próprios meios do Facebook (além da rede, os messengers e o instagram), como todo o barulho gerado ao redor, criaram, no imaginário popular o conceito “moeda digital” definitivamente. No Uber, no cafezinho, nas esquinas, TODOS já falam da “moeda do Facebook”. Todos os principais jornais do mundo já deram matéria de pagina inteira. Isso cria a… Categoria, no mainstream, definitivamente.

Toda a legislação sobre criptoativos digitais se deslocará, globalmente.

Como bem vimos nas reações iniciais, os primeiros a pedir maiores esclarecimentos foram os reguladores. Alguns até mais incisivamente. Mas… com lançamento previsto para 2020, muita água ainda vai rolar.

De prático, a jogada de mestre foi: Se sair como quer, o facebook se mostra amigo e parceiro dos reguladores. Se não for, ele se une aos cypherpunks, em consórcio e posa de vítima do sistema.

De qualquer forma, com 2 bilhões de pessoas, nenhum regulador do mundo poderá ignorar este fato!

Algumas (milhares de) incógnitas..

Como tudo que se diz são suposições (inclusive essas insones linhas) uma vez que tudo que temos são os papers e muito bate papo mundo afora, algumas coisas curiosas não passaram desapercebidas. Partindo do infográfico básico:

KYC e compra forçada, trocando fiat por… Libra.

Independentemente de outros players, no modelo da wallet do Facebook, tem de fazer identificação e comprar a libra, usando moeda local.

Também não está claro ainda se haverá venda aberta em mercados secundários da propria Libra (tipo, ser listada na Coinbase).

A priori, meus 2 cents é que não haverá, para constituir apenas uma stable coin tendendo para utility, algo que os reguladores deixariam passar (só lembrar de todas as stable atuais, como Tether e Gemini). Mas… Cenas…

No asia.

Não se sabe porque, mas… Nenhum player asiático foi enlistado no lançamento. Talvez por medo da competição imediata seja com os temidos players de message payment chineses, talvez por estratégia mesmo.

Fica a dúvida de como ter um banco global, sem incluir a metade do mundo que praticamente inventou o pay-by-QRcode.

Só pra constar…

Detalhes técnicos serios, em aberto: Aumento de Performance Offchain?

“Over time, we expect to be able to increase the system’s throughput to meet the needs of the network. We anticipate that many payment transactions will occur off-chain, for example, within a custodial wallet or by using payment channels [45]. Therefore, we believe that supporting 1,000 transactions per second on the blockchain will meet the initial needs of the ecosystem.”

custodial wallets: 🤔🤔

payment channels: 🤔🤔

Não se sabe como, talvez aproveitando o case do Ripple com payment channels… Ou algo ainda s ser desenvolvido. A comunidade técnica está ansiosa pra por as mãos em todo o código, mas pouca coisa foi realmente aberta.

Detalhes sutis, ultra importantes e… Mais “will be”…

A maior confusão nas discussões de hoje diz respeito a “direitos de contas” para quem é membro do circulo da fundação e para quem não é. Remetendo-se ao infográfico inicial desta seção, ele se aplica realmente ao mundo Facebook (veja abaixo). Mas, supondo-se que Visa e Mastercard estarão onboarded, imagino que logo veremos outras wallets. E quem não for?

Separação de poderes

Algo intrigante é a quase imperceptível separação do facebook business (que só atua diretamente em um dos players, a wallet Calibra) da fundação, que está sendo ungida como ser independente, democrático, respeitoso de todos os seus clientes e a todos os governos onde atuar.

Aquisição de poderes.

A priori, qualquer um que compre tokens do STO (hoje, modestos US$ 10 M), poderia fazer parte do core de influenciadores do consórcio, definir roadmaps e futuros do projeto. Além de afetar as decisões do fundo de reserva.

Todo esta mais ou menos delineado neste documento, mas superficialmente, o que deixa bastante dúvidas quanto a quem poderá, efetivamente, criar contas.

A princípio, qualquer um consorciado poderia ter uma operação deste cripto banco digital global, mas … Pehaps, pehaps, pehaps…

Look Mom, no banks.

Absolutamente nenhum banco no consórcio. Porque?

Meus dois cents, compartilhados com gente muito mais experiente que eu em businesses com grandes tesourarias é a montanha de dinheiro que vai ficar nas mãos do fundo de reserva. Como a Starbucks já provou, ter um cartão de débito global basicamente te abre um rio de oportunidades para ganhar juros sobre esse cashflow parado, enquanto os consumidores não o usam.

Mas, são mais conjecturas e temos de esperar para ver a operação final.

Cenas dos próximos capítulos (segundo os búzios)

Enquanto os reguladores se alvoroçam , esperneiam e a comunidade cripto só fala que o Facebook é o Darth Vader (sem lembrar dos outros 99 membros do projeto), la nave vá

Tudo o que se sabe até o momento é que esta semana o mercado de pagamentos mundial sofreu um deslocamento quântico, não de fato, mas de intenções.

Ficam muitas questões em aberto, sobre reações de concorrentes (Amazon, Google, Apple por exemplo em um lado) e dos atuais owners deste game (WeChat é a primeira empresa revolucionária digital a se tornar incumbent em seu próprio jogo e se ver em posição de se mexer até… 2020).

Eu fiquei especialmente curioso para tentar entender movimentos de Uber, Lyft, eBay, Spotify e Mercado Pago, que podem, de repente, se tornarem seus próprios bancos.

E o mais curioso ainda, qual o papel da Vodafone, player de infra, nisto tudo ? Será que jaja veremos um Celular CriptoBook? Isso me remeteu a antigos vision statements da indústria de telco, bem antes dos 5Gs… Alguns amigos me recordaram que o mPesa, serviço da mesma, pode ser mais uma peça de alavancagem, devido ao seu relativo sucesso no Kenya (E fora), mas também como grande escola de inclusão aos desbancarizados.

Resumo da ópera

Como resumo, o que vejo é a soma de todos os planos intrínsecos dos mercados de pagamentos, numa única iniciativa:

  • Uma cripto moeda global (Imitando todas do ecossistema);
  • Lastrada em ativos reais (agradando quem quer uma moeda mesmo, não ativo especulador);
  • Com aprovação formal de todos os reguladores;
  • Usando uma interface simples e quotidiana (chat, instas, marketplaces);
  • Com grandes consumidores de transação (e seus consumidores) já no início (Uber, Mercado livre, eBay, etc) e seus respectivos pay processors (Mastercard, Visa, etc);

Vamos ver se e como este masterplan decola!

Aguardemos!

AGRADECIMENTOS

Nada deste artigo seria possível sem a insana interação de mais de 300 grupos de whatssup da comunidade cripto brasileira. Como não posso falar de todos, agradeço em especial aos membros da franquia Hard Fork Café (HFC) :D

Papers de Suporte — Citados nos materiais do Libra

C. Catalini and J. S. Gans. “Some simple economics of the blockchain.” Paper no. w22952. National Bureau of Economic Research, 2016.

C. Catalini, S. D. Kominers, and R. Jagadeesan. “Market design for a blockchain-based financial system.” Working paper no. 3396834. Social Science Research Network, 2019.

LINKS

Libra website: https://libra.org/en-US/

Libra white paper: https://libra.org/en-US/white-paper/

Technical white paper: https://developers.libra.org/docs/assets/papers/the-libra-blockchain.pdf

Libra Association: https://libra.org/en-US/association/#goals_organization

Calibra wallet: https://calibra.com/

GitHub: https://developers.libra.org

Sobre o autor.

Courtnay Guimarães é um executivo especialista em transformação de negócios e industrias através da tecnologia. Atua há 35 anos no mercado de tecnologia, estando focado em tecnologias emergentes nos últimos 10 anos. Atualmente é executivo do mercado de consultoria e projetos de sistemas, na BRQ Digital Solutions, além de empreendedor no setor de educação, voluntário como Market Advisor em projetos que acredita, pai de três seres humanos incríveis e pesquisador do impacto da convergência tecnológica na cultura e sociedades.

Graduado em Ciências Econômicas, pos graduado em Marketing, com certificates em Financial Markets, High Frequency Trading e doutorando em Ciência da Computação, ênfase em Convergência Tecnológica.

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courtnay guimaraes
BRQ Tech

CTO & Digital Business Transformation Architect & Data Scientist, helping financial institutions to innovate using IT&C.