Desmistificando o “Messias de Duna”. Uma análise da obra de Frank Herbert (sem spoilers)

Bruno Birth
brunobirth
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3 min readJan 3, 2021

Quando Messias de Duna, o livro Dois da Saga Duna, foi lançado, em 1969, sua recepção foi mista e foram muitos os que não esperavam o caminho que a sequência do aclamado Duna (1965) tomou.
Este é um livro diferenciado e impactante de diversas formas, mas antes de partir para a análise global da obra, vou brevemente tecer seu contexto narrativo.

Doze anos se passaram desde os acontecimentos de Duna. Paul Atreides, após derrotar os Harkonnen e Shaddam IV, se tornou o novo imperador galático. Com o auxílio de Alia, sua irmã, Paul estabeleceu os parâmetros religiosos a ilustrarem a estrutura de seu governo expansionista, que, através do exército chefiado pelos fremen, se espalhou por toda a galáxia em um longo e intenso processo de colonização. O planeta Arrakis se tornou o centro deste novo e imponente império, cuja grandiosidade esmaga a de qualquer outro já criado na história da humanidade.

Muitas pessoas não gostaram de Messias de Duna. Por quê?
Frank Herbert, entre muitas coisas, era um crítico do conceito de liderança messiânica. Para o escritor americano, a humanidade deveria reinterpretar a forma com enxerga seus líderes, se afastando da confiança e servidão praticamente divina que são (inúmeras vezes na história) depositadas em governantes, que no fim das contas não passam de pessoas falhas. Para Herbert, os humanos quem sabe até deveriam aprender a compreender a natureza da existência sem a necessidade de lideranças, pois tais, como partem de um erro essencial, sempre engendram o caos.
Deixo aqui uma entrevista (em inglês) na qual Frank Herbert fala um pouco disso. Para assistir clique AQUI.

Acontece que Frank Herbert imprimiu esta crítica pessoal em Messias de Duna de modo avassalador, o que causou um choque em muitos leitores, que obviamente não estavam preparados para uma narrativa deste tipo.
Utilizo um eufemismo aqui para dizer que Messias de Duna tem como protagonista um “anti-herói”, conceito que não é nada novidade nas narrativas do entretenimento atual, mas que não tinha o menor apelo comercial no fim dos anos 1960, quando a Jornada do Herói (com aspectos históricos unificados e estabelecidos em uma fórmula pelo antropólogo Joseph Campbell em 1949) estava em atômica ascensão.
O livro Dois da Saga Duna é uma obra muito a frente de seu tempo pois contraria a imagem do herói iluminado e de honra imaculada, presentes no classicismo mitológico grego e cultura judaico-cristã (tão disseminados no ocidente) para tratar de temas que estão em voga no século XXI, uma época em que o maniqueísmo perde cada vez mais o seu espaço no entretenimento e também uma época em que as próprias noções de sociedade estão cada vez mais confusas, sem heróis e inimigos claramente delineados.

O aprofundamento na religiosidade se torna um dos mais importantes aspectos no modelo de crítica narrativa ilustrada por Frank Herbert em Messias de Duna, pois demonstra como parte do erro no conceito de liderança messiânica reside na atribuição de intensa religiosidade em estruturas governamentais. A religião é uma ferramenta de grande apelo no que concerne à manipulação de populações por conta dos valores benéficos comuns por ela pregados, o que a torna uma alternativa que sempre chama a atenção de grandes líderes.
Contudo, um governo religioso acaba por comprimir a religiosidade a um padrão legislativo dogmático e de repetitivo ritualismo, o que destrói a espontaneidade da relação entre o indivíduo e seu deus, o que deveria marcar a essência do significado de religiosidade. E não existe governo sem leis, portanto, nenhum governo deveria ser religioso.

Messias de Duna é um livro bem mais curto que Duna, possuindo as mesmas esferas de análise do livro Um, mas focando pesado na crítica supracitada, o que torna o livro Dois tão profundo quanto o seu antecessor. Ainda hoje creio que muitos não conseguem reagir muito bem às ideias controversas trazidas por Frank Herbert neste livro, mas é inegável a relevâncias das mesmas. Messias de Duna tem muito, mas muito a dizer.

Se você está planejando ler Messias de Duna, deixo um compilado com análises de todos os capítulos do livro Dois da Saga Duna (clique AQUI)

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Bruno Birth
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