Duna Capítulo 2: O Plano

Bruno Birth
brunobirth
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5 min readJun 15, 2020

“Tentar entender Muad’Dib sem entender seus inimigos mortais, os Harkonnen, é tentar enxergar a Verdade sem conhecer a Mentira. É tentar ver a Luz sem conhecer a Escuridão. Não é possível.”

O artigo a seguir se baseia em minhas reflexões e nas de meu amigo Jonathan Thiago. CONTÉM SPOILERS DO LIVRO UM.

O segundo capítulo de Duna é menos abrangente de temáticas do que o primeiro, mas não menos rico. O desenvolvimento de contexto segue gradualmente, uma marca de Frank Herbert que, com muita inteligência narrativa, vai mostrando aos poucos as características do mundo de Duna e seu enredo. Nesse capítulo há algumas pinceladas ideológicas (como veremos a seguir), mas o foco aqui é a evolução da trama.

Como já estabelecido, vale a pena prestar atenção à frase que abre o capítulo (exposta no início desse artigo). Se trata de mais um excerto do manual de Muad’Dib, escrito pela (até o momento desconhecida) princesa Irulan.
Nesse trecho, assim como no do capítulo Um, a princesa apela para a nossa empatia correlação a Muad’Dib, para que possamos compreender o homem, antes de julgá-lo. Seguindo as informações expostas até aqui, já sabemos que Muad’Dib é Paul Atreides no futuro, um sujeito de atitudes no mínimo questionáveis pelo pouco que dá para analisar nas palavras de Irulan.
No excerto em questão é possível fazer, de certa forma, um paralelo com um famoso personagem da realidade: Vlad Draculea, que viria a se tornar famoso no romance de terror de Bram Stoker como o Conde Drácula.
Em vida, o príncipe Vlad da Valáquia ganhou a alcunha de “O Empalador” após executar o método de tortura extrema do empalamento contra vários de seus inimigos. Alguns historiadores explicam em parte a psicopatia de Vlad no fato de seus adversários mortais (húngaros, saxões e otomanos) serem tão cruéis quanto ele, o que moldou todo um histórico de animosidades sangrentas na Romênia do século XV, lar de Vlad.
É importante lembrar que não sabemos se acompanhamos o jovem Paul Atreides até que se torne um vilão no fim do livro, mas é notável como o excerto da princesa Irulan se encaixa em comparação ao caso de Vlad Draculea.

O garoto Paul Atreides ganhou uma folga e não aparece no capítulo 2. O espaço é aberto para a ainda pequena apresentação dos inimigos da Casa Atreides: os Harkonnen. Em jogo está o domínio do planeta Arrakis, uma vez governado pelos Harkonnen e agora com governo recém transferido para o duque Leto Atreides, pai de Paul. Mas não é só isso, parece haver uma querela antiga entre os Harkonnen e os Atreides, tamanho o ódio e antagonismo expressado por Irulan em seus excertos e pelo barão Harkonnen, o orgulhoso e prolixo protagonista deste capítulo.
Como únicas companhias durante o capitulo inteiro, o barão tem um sobrinho chamado Feyd-Rautha, que parece ser seu aprendiz, e seu mentat (assassino profissional), chamado Piter. Se trata de uma reunião secreta onde um plano extremamente rebuscado e cheio de detalhes, digno de super vilões de quadrinhos, é ilustrado pelo barão e pelo mentat com um único objetivo: a completa destruição dos Atreides.
O ambiente da reunião chama a atenção no que concerne a mais detalhes de contexto do mundo de Duna. Se no capítulo anterior a existência de uma “bíblia católica de Orange” pode ser interpretada como um elo entre o mundo futurista de Duna e o nosso mundo, na sala da reunião secreta dos Harkonnen encontramos coisas estranhamente nomeadas como “bibliofilmes”, “rolos de película multicoloridos”. Ok, pode até ser uma forma alternativa que Frank Herbert escolheu para nomear alguns objetos de modo peculiar em sua criação futurista; contudo, há também a possibilidade de que existam no mundo de Duna diversos artefatos arqueológicos, advindos de herança de nosso mundo atual e que acabaram ganhando novos nomes.

Bom, o barão ordena a seu mentat Piter que conte a Feyd o audacioso plano de destruição da Casa Atreides, e é nesse momento que surgem novos aspectos desse mundo futurista. Há um momento em que o barão cita a Feyd que Piter é um mentat muito astuto porém amarga a realidade de estar preso às limitações do corpo humano. Tal afirmação, aliada à descrição física um pouco diferenciada que Frank Herbert faz do barão e seu sobrinho, nos levam a crer que os Harkonnen não são da raça humana, e sim uma raça humanoide alienígena, superior fisicamente. “Piter amarga as limitações de ser humano” é uma frase que aparentemente carrega um preconceito dos Harkonnen correlação aos humanos.
Tal afirmação é rapidamente rebatida por Piter, que diz que venceria facilmente um combate contra as máquinas criadas pelos humanos do passado (citadas pelo barão na conversa). Essa é outra parte interessante da discussão pois os mentat parecem ser viciados no consumo da especiaria advinda de Arrakis (o que torna azuis seus globos oculares), especiaria essa também utilizada pelas irmãs da Bene Gesserit em seus rituais. Seriam os mentat seres humanos aprimorados fisicamente pelo consumo da especiaria de Arrakis?

Seguindo em frente na explicação do plano de Piter e do barão, eis que surge um outro termo interessante: o condicionamento imperial. Se você leu a análise do capítulo 1 viu que há uma divisão de castas entre os seres humanos, uma espécie de doutrinação que valoriza o pensamento racional abrangente e relega ao papel de “animais” os humanos que não cumprem tal regime disciplinar. Esse parece ser o tal condicionamento imperial e o que o torna uma ideia que pode se tornar muito interessante no porvir do livro é que, segundo o senso comum do mundo de Duna, pessoas que passam pelo condicionamento o têm de modo irrevogável em sua mente, entretanto, Piter diz em um momento rápido que há exceções, há pessoas que conseguem extirpar o condicionamento de si. Nesse caso, como seriam os tais “rebeldes”? E como se dá esse processo de “rebeldia”?

Definições estruturais do império a delinear o contexto de Duna também ganham mais luz nesse capítulo quando é citada a CHOAM, empresa que detém o poderio capital a financiar todo o império. Nessa empresa existem cargos de altíssimo valor, disputados pelas casas nobres do império e de ocupação transitória, graças à organização política chamada Landsraad, que ainda não tem muitas características expostas. Essa relação de império, poder financeiro e organizações políticas coexistindo em certo equilíbrio instável de interesses parece ser outra característica de herança que nosso mundo deixou ao futuro de Duna. Capitalismo, política, noções monárquicas e supremacistas aparentemente se misturam de uma maneira que superficialmente funciona, mas que aos poucos mostra possuir fundações nada harmoniosas. Vale lembrar que até mesmo a palavra “proletariado” é citada nesse capítulo.

Por fim, uma curiosidade interessante de se analisar em obras de ficção científica são as tecnologias futuristas criadas para tais obras. Nesse capítulo, além do magnífico globo em miniatura de Arrakis (que lembra em muito uma versão devastada da nossa Terra), temos os suspensórios “flutuantes” presos às carnes gordurosas da cintura do barão, que é descrito como muito gordo. Os suspensórios carregam metade do peso do barão, enquanto os pés se encarregam do resto. Imagine isso!

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Bruno Birth
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