Duna Capítulo 6: O Duque

Bruno Birth
brunobirth
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5 min readJun 30, 2020

“Como começar a estudar o pai de Muad’Dib? Um homem de simpatia inigualável e frieza surpreendente era o duque Leto Atreides. Contudo, muitos fatos ajudam a desvendar esse duque: o amor duradouro por sua mulher Bene Gesserit; os sonhos que tinha para o filho; a devoção com que os homens o serviam. É aí que o vemos: um homem enredado pelo Destino, um vulto solitário, que teve sua luz obscurecida pela glória do filho. Ainda assim, há que se perguntar: o que é o filho, senão uma extensão do pai?”

O artigo a seguir se baseia em minhas reflexões e nas de meus amigos Jonathan Thiago, Marcos Carvalho e Marcos Mariano. CONTÉM SPOILERS DO LIVRO UM.

Eis que o pai de Paul Atreides surge de fato na história, após ser citado diversas vezes, gerando expectativa no leitor. E se trata de um grande homem, calmo, contudo nem um pouco apático, e extremamente analítico. Leto Atreides mostra estar completamente ciente da situação perigosa na qual sua Casa está e isso o preocupa a um ponto limitado, para que não se deixe tomar pelo desespero. Em vez disso, o duque Leto Atreides tenta mostrar a Paul (esse um pouco mais exaltado, mesmo não sabendo de todos os perigos que o rondam) que é mais importante conhecer o tamanho do perigo, bem como a face clara do perigo, adentrando-o com calma e controle. Na cabeça do pai de Paul somente assim se pode combater o inimigo de modo plenamente assertivo.
E que inimigo! Pela primeira vez no livro descobrimos o que significa a sigla CHOAM (Consórcio Honnête Ober Advancer Mercantilis) e, como já havíamos falado anteriormente, a estrutura sócio-política do mundo de Duna é, assim como em nosso mundo, extremamente manipulada pelo poder financeiro. Leto deixa isso claro ao desenrolar um pouco mais o que significa para os Atreides governar o feudo de Arrakis. A especiaria mélange é valiosíssima para o império e, mesmo não sendo o único recurso natural a ser explorado na sociedade imperial, é, de longe, o mais valioso. A comparação com o nosso petróleo não é equivocada, levando em consideração a tamanha e diversa dependência que a humanidade criou em torno do óleo negro.
Leto enfatiza o valor do mélange pois parte do engodo dos Harkonnen consiste em fazer a exploração da especiaria diminuir, culpando os Atreides. A diminuição do consumo industrial da especiaria faria o lucro das grandes casas da cúpula política do Landsraad cair, tornando os Atreides inimigos do império, uma vez que não se pode influenciar no acúmulo de riquezas das grandes Casas. Paul chega a citar uma tal “Grande Convenção” como um escudo a proteger os Atreides, porém duque Leto exclama que isso não os protegeria no caso. A Grande Convenção, pelo pouco que o duque explica, é uma espécie de acordo comercial com nuances diplomáticas; tal acordo (que julgamos contar com a assentimento de todas as Casas) ajuda a manter a ordem no império. Os aspectos diplomáticos a permearem a convenção são relativos, uma vez que o duque cita que se os Harkonnen obtiverem sucesso e o mercado financeiro do império for atingido, as grandes casas “ignorariam” ataques contra os Atreides.

A situação fica um pouco pior pois o duque acredita que o próprio imperador padixá pode estar envolvido na trama dos Harkonnen, sob promessa de acréscimo de poder e riquezas. É nesse momento que Salusa Secundus, o chamado planeta-prisão do imperador, é citado pela segunda vez no livro (anteriormente citado por Hawat). Como o barão Harkonnen já havia falado em sua reunião secreta com seu sobrinho e mentat, o exército dos inimigos mortais dos Atreides ganharia reforço dos sardaukar, soldados do império, nativos do planeta Salusa Secundus. Segundo Leto, os sardaukar são muito fortes e resistentes, graças ao absurdo ambiente hostil do planeta-prisão, além de cegamente fiéis ao imperador.
Na parte mais marcante do capítulo, Paul chega a questionar como é possível obter tamanha lealdade de um exercito aparentemente tão brutal. O duque Leto responde:

“Existem métodos comprovados: explore a certeza de sua superioridade, a mística do pacto secreto, o espírito do sofrimento compartilhado. É factível. Já foi feito em vários planetas e em várias épocas.”

Essa afirmação de Leto Atreides possui completa aplicabilidade ao nazifascismo:
1- “explore a certeza de sua superioridade”- Um dos principais pontos fomentados por Hitler e Mussolini. A idealização desses líderes era essencial para passar confiança e segurança ao povo alemão e italiano;
2- “a mística do pacto secreto”- O resgate do arianismo por Hitler, bem como o resgate do orgulho do império romano por Mussolini, ambos com aspectos misticistas, marcam um ideal que ia além da realidade do momento de ascenção do nazismo e do fascismo;
3- “o espírito do sofrimento compartilhado”- A situação econômica da Alemanha pós 1° Guerra era de grande miséria, bem como a da Itália no início dos anos 1920, o que auxiliou fortemente a união dessas populações em torno do propósito totalitário do nazifascismo.

O duque Leto ainda termina a afirmação com “é factível. Já foi feito”. É de arrepiar esse trecho.
O plano de contingência do duque? Os fremen, tão cascas-grossas quanto os sardaukar e odeiam mortalmente os Harkonnen. Nos planos de Leto, os fremen se uniriam aos Atreides.

Os preparativos para a viagem dos Atreides estão bem avançados e algumas poucas características da Guilda (que fará o transporte dos Atreides de Caladan a Arrakis) aparecem na conversa de Paul e Leto. É pouca coisa ainda, Frank Herbert com certeza vai desenvolver mais esse núcleo, contudo já se percebe o quão misteriosos e reservados são os membros da Guilda. Paul chega a falar de um boato que diz que eles são, de algum modo, mutantes. O que esperar desse, que é um poderoso grupo a monopolizar o transporte interestelar no império?

O capítulo termina com duque Leto Atreides questionando ao filho se ele deseja continuar recebendo os treinamentos iniciados por lady Jessica e que dão a ele o potencial para se tornar um mentat, por conta das atribuições psíquicas que Paul está desenvolvendo. O garoto se assusta quando o pai diz que um futuro duque mentat teria um potencial absurdo pois é de conhecimento comum que as características de um mentat o credenciam para se tornar mestre assassino. Paul teme o “propósito terrível”, segundo suas palavras, que ser um mentat pode acarretar para sua vida.
Contudo, isso não o impede de responder positivamente ao pai. A sede por alcançar grandeza parece galopar nos pensamentos e na personalidade do possível Kwisatz Haderach.

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Bruno Birth
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