Mad Men Temporada 2: O Diário do Fim do Mundo

Bruno Birth
brunobirth
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7 min readSep 2, 2021

A segunda temporada de Mad Men é marcada pelo aprofundamento das histórias individuais das personagens marcantes que haviam sido introduzidas na temporada 1.
Sim, parece óbvio que uma série se desenvolva dessa forma, primeiro apresentando suas figuras principais e, aos poucos, com o passar das temporadas, engaje sua narrativa para que mergulhe nas características mais profundas de suas personagens. Contudo, a maneira como Mad Men faz isso é muito diferenciada, como explicarei brevemente adiante.
Para fazer essa análise em resumo, preciso primeiramente dizer que, assim como o primeiro artigo que escrevi sobre essa série (leia clicando AQUI), este novo artigo é um trabalho voltado àqueles que assistiram a segunda temporada de Mad Men, pois citarei alguns momentos pontuais, nos quais a narrativa da série evoluiu de modo mais progressivo nesta temporada, em direção à temporada 3.

Após fechar duas temporadas, acho que sei mais ou menos o que faz alguém se prender à narrativa de Mad Men. Para acompanhar e se engajar com essa série do começo ao fim, o espectador precisa trazer consigo toda a sua carga pessoal de juízo de valor, pois Mad Men é uma obra que discute de modo ininterrupto o que é moral e ética, sob vários aspectos analíticos. A série pergunta o que é moral e ética, pergunta quais os limites da moral e da ética, pergunta também onde moram os significados da moral e da ética segundo a divisão sexista da civilização ocidental, haja visto que a absurda diferença entre nascer homem e mulher se faz presente de modo gritante ao longo de todo o roteiro dessa série.
Então você pode me perguntar: “que tipo de juízo de valor eu devo trazer para assistir a Mad Men?” Aí é com você. Não te julgarei neste artigo e já vi várias formas de julgamento ideológico moral que as pessoas fazem dessa obra internet a fora.
Meu ponto é que existe uma realidade em torno do que se entende como o público de Mad Men. Apesar de ser uma série super aclamada e premiada, Mad Men é uma série de nicho. Mais do que isso, Mad Men é uma série ideológica, que pede ao seu espectador que analise junto com ela cada uma das sutis situações criadas nas cenas preenchidas por suas personagens de várias camadas, desenvolvidas pelos criadores de Mad Men com extrema abordagem gradativa. Através das figuras importantes de Mad Men, os roteiristas imprimem seu discurso de criação do modo mais orgânico e contemplativo possível, para que as reflexões que dessa série possam surgir ocorram da mesma forma, ou seja, reflexões abrangentes, globais, nunca superficiais.
Não tem como assistir essa série completamente sem seguir essa regra primordial, sem querer embarcar no entretenimento da série dessa forma.

Algo que me marcou nesta temporada foi como a ideia de fuga vs enfrentamento da verdade proporcionou cenas muito fortes.
Começo pela família Draper, que é bem explorada nos primeiros momentos com um dia-a-dia pautado pela atmosfera familiar caseira, até que os episódios avançam ao ponto de ruptura entre Betty e Don. Durante toda a temporada 1 eu me questionei se Betty sabia ou não que Don a traía e até hoje ainda tenho a impressão de que ela sempre soube mas preferiu desviar o olhar, fugir da verdade em prol das aparências e do salvaguardo da própria integridade emocional diante de uma hipótese de potencial tão devastador, uma vez que ela (como toda mulher em sociedade patriarcal) foi levada a convergir todo o significado de sua vida ao casamento com Don. Mas, quando os fatos se tornaram alarmantes demais para ignorar, vi uma Betty que me surpreendeu e agiu firme, uma Betty que inclusive parecia estar resoluta em se separar de Don.
Mas não se engane, enfrentar a verdade da traição mexeu com Betty de um jeito muito triste. Mexeu com suas idealizações, mexeu com sua essência, afinal de contas, Betty é uma mulher que cresceu com sonhos individuais, sendo vários os momentos nos quais os episódios exemplificam os dias de juventude de Betty, uma vida passada e por ela trocada pela muito tradicional função de dona de casa. É triste ver como Don fez Betty renunciar sua moral e traí-lo, ao melhor estilo chumbo trocado. Aqui é interessante ver a diferença da posição masculina e feminina na narrativa, pois em vários momentos da série Betty é e quis ser desejada, mas sempre se refreou, ao contrário de Don, que nunca sequer cogitou a possibilidade de se refrear e respeitar o contrato de monogamia que selou com sua esposa. Sem falar no julgamento que se faz de Don ao trair Betty, em comparação ao julgamento de Betty ao trair Don. E aí, espectador? O que me diz?
No fim da temporada, quando enfim chega a cena em que Betty se viu forçada por toda uma vida construída e condicionada por padrões de doutrinação sobre o papel da mulher na sociedade a ficar com Don por estar grávida, não tem como não se chocar. Don, por outro lado, sabe bem o que está acontecendo. Como ele mesmo diz, enfrentando sua verdade em uma cena anterior, “se você me deixar, eu vou acabar sozinho”. Na cabeça de Don, esse é o significado do casamento com Betty: o único ponto de estabilidade no mar caótico que é sua vida, nada mais. As mulheres do mundo de Mad Men são ensinadas a serem dependentes dos homens e os homens se perdem no primeiro momento em se vêem sem nada além do próprio hedonismo para sustentar sua própria posição de vazio poder egoísta.
Como eu falei, não tem como não se chocar com uma cena tão marcante, pois não é a cena em si, são todos os elementos humanos que a compõem.

Joan Holloway, a secretária de alto escalão, começa a temporada comprometida, exibindo o status caçado por todas as mulheres da micro célula social Sterling Cooper: o relacionamento sério e moral, nos padrões benquistos pela sociedade. E Joan está apaixonada, aparentemente acompanhada de um homem educado, belo e bem sucedido. A personagem é praticamente um contraste com sua própria versão da primeira temporada, onde rebola muito bem no papel de Femme Fatale que a levou à posição feminina mais alto da Sterling Cooper.
Então veio a cena mais desconfortável da série até aqui. Greg, o noivo de Joan, mostra sua verdadeira face e a mulher enfrenta a verdade de como, ao contrário do idealizado, é selvagem o relacionamento sério com um homem nos moldes extremamente machistas do mundo de Mad Men. E a reação dela é o que mais choca, apesar de ser marcada pela atitude da personagem durante toda a sua vida em sociedade. Joan suporta, Joan sobrevive. Se trata de uma cena amarga demais.

Outra cena impressionante da temporada foi pautada pela conversa entre Peggy e Campbell, na qual Peggy revela que teve uma filha de Peter e a doou para a adoção. Costumo pensar em Peggy como uma personagem escrita por vários roteiristas, que nada mais são do que outros personagens da série. Existe em Peggy um pouco de contribuição ideológica de Don Draper, Joan Holloway, Peter Campbell, Freddy Rumsen, e etc; cada um ajudando, de forma direta ou indireta, a construir a transformação pela qual a personagem vai passando desde o início do episódio piloto da série.
Peggy agora tem postura, tem outra aparência, muito diferente da que marcou seu passado, o qual ela quer cada vez mais esquecer. Contudo, a verdade trazida na conversa com Campbell resgata as fraquezas de Peggy, desfazendo sua nova faceta altiva por alguns segundos, ilustrando ao espectador a garota sem muita perspectiva que conhecemos no episódio 1 da temporada 1. A cena em si é brutal pois mal vemos o bebê de Peggy em Mad Men, como se a narrativa nos fizesse esquecer a existência da criança, então, quando sua vida é relembrada, a cena de Peggy e Campbell, que já é tensa, ganha um novo nível de profundidade dramática.
Campbell, no exercício de sua essência completamente alheia a ideia de empatia, passa a cena inteira sem entender uma palavra dos sentimentos de Peggy, algo que está tão evidente para o espectador que chega a assustar quando vemos a reação do homem.

Eu gostaria de terminar este artigo fazendo uma analogia entre o senso de vazio, vidas superficiais meio que sempre em estado terminal das pessoas que formam a Sterling Cooper e o temido e hipotético fim do mundo alardeado pelo embate entre EUA e URSS, potências globais vigentes na época discorrida no enredo da temporada 2 série.
Nada em Mad Men parece tranquilo, com o potencial de ser vivido, contemplado e apreciado em seu modo mais natural e afetuoso de qualquer forma que se pode imaginar. No mundo dos personagens (homens) dessa série parece haver apenas a desesperada e ininterrupta necessidade de consumo sem limites e reflexões, como se a vida se resumisse ao que se pode possuir e devastar no momento mais presente possível.
É como se tudo, absolutamente tudo fosse acabar no dia seguinte mas o dia seguinte sempre chega, e o ciclo vicioso e de relações destrutivas persiste, sem que ninguém se esforce para revisá-lo, ressignificá-lo. Assistir Mad Men tendo ciência disso chega a ser perturbador em vários momentos.
As bombas atômicas dos capitalistas e dos comunistas ameaçam voar e destruir a vida de todos, mas nunca voam. Os homens urgentes da Sterling Cooper esfumaçam sua moral com cigarro e diluem o medo momentâneo do fim de suas vidas no whisky, que nunca para de jorrar, enquanto prendem-se à ideia de que nada além daquele andar de escritórios importa para sua compreensão da natureza, da vida.

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Bruno Birth
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