Mad Men Temporada 4: O Homem do Verão, As Mulheres da Primavera

Bruno Birth
brunobirth
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6 min readSep 22, 2021

A quarta temporada de Mad Men foi marcada por duas esferas narrativas muito, mas muito interessantes. Antes de partir para o que fez com que essa temporada fosse, para mim, a melhor até aqui, devo dizer que o chacoalhão que o desesperado fim da Sterling Cooper, bem como o fim do casamento de Don Draper, foram acontecimentos que serviram como elementos de choque no enredo, prendendo o interesse de seu espectador ao fim da temporada 3, mas que, além disso, elevaram o nível da série como um todo, pois, como visto ao longo da temporada 4, tais acontecimentos causaram diversas consequências de desenvolvimento dos personagens e do contexto da série de uma forma muito bem construída e que nos proporcionou um aprofundamento narrativo impressionante. Em Mad Men parece que cada momento marcante não existe apenas de modo circunstancial, mas reverbera ao longo de todo o decorrer da narrativa da série.
Falarei melhor sobre isso agora, que partirei para as duas esferas mais importantes do enredo de Mad Men em seu quarto ano.

“Quando um homem entra em um local, ele traz toda a sua vida consigo. Ele tem um milhão de razões para estar em qualquer lugar, basta perguntar a ele. Se você ouvir, ele lhe contará como chegou lá. Como ele esqueceu para onde estava indo e que acordou. Se você ouvir, ele contará sobre uma vez em que pensou que era um anjo ou sonhou em ser perfeito. E então ele vai sorrir com sabedoria, contente por ter percebido que o mundo não é perfeito. Temos falhas, porque queremos muito mais. Estamos arruinados porque conseguimos essas coisas e perseguimos o que já temos.”

A primeira esfera narrativa que vou desenvolver aqui é de caráter pessoal, pois envolve um personagem em específico.
Don Draper praticamente tomou a temporada 4 de assalto pra si. É emblemático o quão significativa se tornou a presença do protagonista do mundo de Mad Men com os desdobramentos da temporada 4. Assistimos uma verdadeira jornada de autoconhecimento (o início pelo menos, haja visto que Draper se mostra muito perdido, muito longe de controlar e entender sua própria essência) embebida pelo fracasso matrimonial com Betty, sua incapacidade em ser um pai presente e criar os filhos; até mesmo os acumulados reveses que seu dia-a-dia na nova empresa (na qual ele teoricamente está em um posto superior do que antes) se tornam exemplos da irônica contradição que na verdade é a vida inteira de Don Draper.
Donald Draper para todos os efeitos é um “homem do inverno”, fundamentado no vazio existencial, depressivo para si e destrutivo para os que estão a sua volta, porém travestido de um belo, contente e bem decidido “homem do verão”.
Draper nada de modo atlético e cinematográfico, somente para se ver tossindo no fim da raia da piscina. Draper exibe sua solteirice - sentindo a necessidade de afirmar que prefere dormir sozinho - mas na primeira oportunidade se joga em um infantil e repentino novo laço matrimonial, tirando das costas a responsabilidade de afeto paterno incompleto que o perseguia de maneira mais aguda após o divórcio e jogando-a sobre sua nova e muito atenciosa esposa, que tem um tato especial com ele e seus filhos. Com Megan, Don pôde enfim preencher a lacuna de propriedade doméstica deixada pela ausência de Betty. E a mulher vê nele o que aparentemente todas veem: o homem desejado.
Quase todas, devo corrigir. No momento em que Don perde a única pessoa que via por completo todas as suas facetas, os roteiristas fazem o homem erguer os olhos e em sua frente está Peggy, que o assiste ceder e chorar, no importantíssimo episódio 7 (Suitcase).

Don: - Morreu a única pessoa que me conhecia de fato.
Peggy: - Isso não é verdade.

O fim da temporada, com Peggy refletindo sobre o casamento de Don de modo debochado e totalmente alheio a qualquer tipo de romantização, só mostra como a personagem não só desvendou Draper completamente, como também o trata da mesma forma que ele a trata. Sim, dá pra concluir que existe um nível de afinidade entre Don e Peggy, mas a forma de Don interpretar Peggy em sua mente ainda não é (pelo menos para mim) a de uma amizade pura e verdadeira, pois o cinismo próprio da arrogância egoísta de Don o impede de ter um laço de amizade pura e afetuosa com a mulher; então Peggy o trata do mesmo jeito, considerando-o com o devido respeito que seus cargos na Sterling Cooper Draper Pryce exigem, mas com o mesmo cinismo a ela direcionado pelo homem.

Falando em Peggy Olson, devo aqui puxar a segunda esfera narrativa, que é de caráter coletivo, muito bem desenvolvida nessa temporada de Mad Men.
A presença feminina nunca esteve tão em alta e com tanta influência na série. O passar dos anos no mundo da série vai imprimindo graduais mudanças no status quo dos sistemas sociais em torno da narrativa e, mesmo de maneira bem modesta, tais mudanças se apresentam de modo bem realista para nos mostrar como a temporada 4 de Mad Men já é muito diferente da temporada 1.
E é curioso ver como novo patamar do núcleo feminino da série se desenvolve de uma forma orgânica e aquém à ideia de exploração romântica de bandeiras progressistas. As mulheres de Mad Men mostram serem capazes das ações mais belas como também das mais horríveis, como podemos ver na relação de Betty com Carla, por exemplo. As mulheres de Mad Men sofrem e causam sofrimento.
Aqui dou destaque para Joan e Sally, cujas trajetórias se encontram em pontos vitais diferentes, uma claramente já não tendo mais posse de todos os artifícios que a juventude um dia lhe deu e a outra estando apenas no início infanto-juvenil da formação de sua identidade.
A Joan da quarta temporada tem que lidar com uma passagem de tempo que fere sua existência, parte por conta de companheiros de trabalho que praticamente não respeitam sua carreira, inclusive com um roteiro que evidencia o quão comum é a presença feminina do tipo de Joan no mundo corporativo da Madison Avenue (contrariando o quão especial era a atmosfera em torno da personagem na temporada 1, onde a presença feminina de destaque no contexto da série era bem menor), e parte por conta do abandono afetivo ao qual Joan se vê forçada a suportar com a ausência do esposo, que lhe é muito significativa. Não se enganem, Joan por vários motivos é uma personagem gigante e não foi jogada ao simples posto de mulher depressiva pelo roteiro. A situação de Joan nessa temporada na verdade é apenas um reflexo do próprio desenvolvimento da personagem.
Já Sally amarga a completa ausência materna em sua educação e formação de personalidade. Betty não consegue sequer ser uma referência de afeto para a filha, demonstrando o quão abismal é sua própria superficialidade ao livremente se consultar com uma psiquiatra pediatra.
Em uma das cenas mais impressionantes de drama da série até aqui, Sally se desespera quando percebe que se sua mãe não pode lhe dar o mínimo que ela como garota em pleno desenvolvimento psicológico anseia e precisa, o pai pior ainda. A garota corre, tentando fugir da inevitável que é a vida tendo os pais que tem e cai, como que sendo obrigada pela natureza a se conformar.
As mulheres da SCDP se juntam a sua volta, com apenas Don como presença masculina na cena. É a convergência das duas esferas narrativas de grande peso nessa temporada.

A ascensão feminina em Mad Men não é bela e colorida, pois não é nada fácil para as mulheres do inverno lutarem todos os dias para se tornarem mulheres da primavera.
Estou genuinamente ansioso pelas próximas temporadas.

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Bruno Birth
brunobirth

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