Messias de Duna Capítulo 23: Os Filhos de Duna

“Era uma vez um homem sabido
Que caiu do céu
Num vasto areal
E os olhos na chama viu perdidos!
E, sabendo não ter mais olhos,
Não se ouviu seu pranto.
Conjurou uma visão
E fez de si um santo.”

O artigo a seguir se baseia em minhas reflexões. CONTÉM SPOILERS DO LIVRO DOIS.

Do lado de fora do sietch Tabr, Paul luta com as linhas temporais de sua presciência, cansado das chagas que suas lembranças tanto lhe causam. No interior cavernoso fremen, Chani, sua amada, luta com todas as forças para trazer ao mundo a semente de Arrakis, seu filho com o Usul. Sim, para Chani a gravidez não significa a manutenção de um império, a vida de um herdeiro que um dia deve se sentar em um trono de esmeralda. Não, a gravidez de Chani é o elo de amor com um fremen que veio de outro planeta para se tornar seu homem.
Paul respira fundo, entende tudo isso. Queria poder voltar no tempo para viver o idealismo de Chani, ou mesmo com ela poder fugir. Mas a obrigação o chama, se posta atrás de si. Hayt.
O ghola surge com o nervosismo a desenhar o suor frio sobre a pele. Hayt então tenta avisar o que Paul já sabe.

“Nenhuma violência partirá de Duncan.”

As palavras de Paul Atreides entram pelos ouvidos de Hayt como um antídoto para um veneno. O ghola treme, aparentemente incapaz de seguir sua programação e matar ao seu senhor.
No capítulo anterior eu fiz uma correlação entre Chani e Hayt, ambos lutando contra suas realidades, mesmo impelidos a encará-las. No momento em que a programação do ghola se perde, Hayt morre para que Duncan Idaho desperte. É então o momento em que Chani também se vai, para seu filho venha a vida. E o pior de tudo é que Paul sabia que isso aconteceria.

Em análise anterior eu havia conjecturado que Paul Atreides poderia estar planejando não só a sua morte, como também a de Chani. Isso se confirmou neste capítulo, mostrando um aspecto que a muitos pode ser considerado triste (e até odioso) no que se trata da frieza das ações de Paul.
Paul Atreides sabia o que Irulan estava fazendo com Chani e deixou que Chani engravidasse na hora certa (quando seu império pudesse ser desfeito). Então arquitetou não só o seu fim como o de sua amada, pela insuficiência fisiológica da mesma, graças ao ardil de Irulan, que quebrou a integridade física da fremen com a dieta de contraceptivos gerida pela Bene Gesserit.
O intuito de Paul parece ser o de não deixar sua divindade impressa na persona de Chani, desintegrando a crença fanática dos fremen, uma vez que, com a morte de Chani, não restariam deuses vivos para os fremen, já que seu filho (de futuro incerto) vai demorar muito para crescer ainda.
Como Alia se encaixa nesse plano de Paul não se sabe, mas é esperado que, com o choque, sua irmã abandone o posto sacerdotal fremen, na procura por outra vida. Mas isso é algo que não dá para cravar ainda. Não neste livro.

Convidados para a cerimônia de parto de Chani, todos os membros da conspiração estão presentes, então outra teoria que eu havia desenvolvido anteriormente vem a tona. Os Tleilaxu haviam de fato planejado a rebeldia de Hayt para que a identidade de Duncan Idaho fosse resgatada pelo ghola e a atenção do imperador fosse aos Tleilaxu completamente voltada, gerando assim uma possibilidade de acordo direto entre o imperador e a irmandade de cientistas amorais.
No fim da contas, o importante foi o despertar de Duncan Idaho, que combinou com o desmoronamento da conspiração. Paul levou seus inimigos consigo para a morte em uma série de execuções liderada por Stilgar.

No que concerne ao filho de Paul e Chani, na verdade é um casal de gêmeos, algo que curiosamente escapou ao oráculo de Paul Atreides.

“A natureza sequencial dos fatos reais não é iluminada com precisão exaustiva pelos poderes da presciência, a não ser nas circunstâncias mais extraordinárias.”

É o que diz o excerto do capítulo 21 e cabe ao caso. Leto e Ghanima são os nomes dados aos pequenos bebês de futuro completamente incerto. “Sim, pai. Veja!”, Paul murmura, lembrando do duque Leto, seu pai, em um último momento de contentamento antes do fim.
Leto e Ghanima acabaram de nascer. Os filhos de Duna terão a sua frente um mundo completamente diferente e dificilmente os vejo como os futuros líderes de um Jihad de Muad’Dib reformado.

A desarticulação do império de Paul está quase completa, com a exceção de uma peça: ele mesmo.

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