Os Anéis de Poder: Uma jornada muito esperada

Bruno Birth
brunobirth
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18 min readOct 22, 2022

Após um embate milionário entre os mais importantes serviços de streaming da Terra e anos de produção e expectativa, eis que a primeira temporada de O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder enfim saiu da forja para ganhar forma e apresentar seu imenso poder de gerar controvérsia entre os povos.
Neste artigo, vou expôr minha visão das principais características dos oito episódios liberados pelo Prime Video, primeiro delineando os aspectos técnicos e depois aprofundando na estrutura narrativa da temporada 1.
Atenção! O artigo está cheio de spoilers e utilizarei a sigla TROP (The Rings of Power) em várias partes, para simplificar os argumentos.

Bora pra Terra-média, tropetes?

Como estamos falando de uma adaptação para as telas, o caráter visual é de extrema importância para o desenvolvimento narrativo. Mais até do que muitos pensam. Neste ponto inicial eu quero juntar a Fotografia com o CGI para refletir sobre como o visual da série se comporta de modo muito favorável como uma ferramenta que ajudar a contar a história.

Veja, a Terceira Era da Terra-média carrega um ar soturno. Os elfos estão indo embora de vez, as civilizações humanas (Rohan e Gondor) estão em decadência e Khazad-dûm, o maior reino anão, está completamente destruído. Sem falar no absurdo poderio de Sauron a se impor como a derradeira ameaça aos povos livres.
Com essas características contextuais em mãos, Peter Jackson adota uma Fotografia de cores frias, muitas vezes com paleta fosca, construindo o ar mítico próprio da Terra-média em mistura com a tristeza silenciosa a pairar no ar. A exceção de Mordor, que representa uma antítese total a todo o resto. Há um choque quando o vale de Udûn ou as planícies de Gorgoroth ganham a tela; um contraste mortal e grotesco que grita ao espectador como é a essência daquele estranho pedaço de Arda.
O resultado de tais abordagens técnicas se esboça nas imagens de filmes que possuem um visual que nos relata do que se forma aqueles ambientes habitados por nossos amados personagens.

Já a Segunda Era é o completo oposto, o mundo vive o seu apogeu. O maior inimigo dos povos livres (Morgoth) fora finalmente derrotado, ao final da Era anterior. A maior civilização humana que a história já viu (Númenor) ascende e se estabelece em glória, bem como o poderoso e imponente reino anão de Khazad-dûm e os maravilhosos reinos élficos de Lindon (que apesar de surgir na Primeira Era, brilha na Segunda) e Eregion. Tudo resplandece e se enaltece. Tudo respira o auge, a vivacidade ao extremo.
Então vemos a paleta de cores vivas e resplendentes que a série "O Senhor dos Anéis - Os Anéis de Poder" imprimem na tela para, usando as imagens, nos mostrar a grandeza da Terra-média em pleno exercício.

Acima, temos Edoras - Rohan (Terceira Era). Abaixo, temos Eregion (Segunda Era).

Até Mordor é diferente em TROP. O surgimento da pátria dos orques é literalmente uma explosão de ódio e intrometimento das mais variadas formas no equilíbrio da existência. Uma ode brutal à violação da vida e a natureza que se traduz em um vermelho que cega, um amarelo alaranjado que atordoa. Se trata de uma ilustração que demonstra uma espécie de processo gradual de transformação desde a erupção de Orodruin até o negro uniforme que vemos na Mordor da Terceira Era.

Galadriel nas corrompidas Terras do Sul.

Bom, a arte audiovisual se sustenta com a junção de imagem e som, o que aqui me obriga a falar sobre o trabalho fenomenal de Bear McCreary. O compositor norte-americano (God of War e Outlander) conseguiu desempenhar uma função que tinha um altíssimo nível de exigência: equiparar-se às excelentes trilhas compostas por Howard Shore na trilogia cinematográfica.
Não gosto de fazer comparações e nem vou aqui afirmar se Bear é melhor que Howard ou vice e versa. Só digo que o trabalho de ambos é igualmente espetacular. Eu sou um aficcionado em trilhas sonoras e simplesmente não consigo parar de ouvir músicas como Into Númenor, Khazad-dûm, Galadriel, In The Mines, Nobody Goes Off Trail e tantas outras. McCreary impõe particularidades às músicas de cada núcleo, condensando-as em uma abordagem épica comum. São todos povos diferentes, mas são todos povos da Terra-média.
A trilha sonora de TROP é indene.

Seguindo na seara dos aspectos técnicos que auxiliam na contação de uma história, te convido agora a refletir sobre o caráter sobrenatural da Terra-média.
O mundo de Tolkien possui uma magia impregnada em sua essência. Uma estrutura mística que age em todos os âmbitos na natureza de uma forma espontânea e funcional. Ninguém precisa soltar uma bola de fogo da mão para que se saiba que naquele mundo há uma aura sobrenatural.
É como se a magia da Terra-média fosse a ciência da Terra-média, agindo tal como, por exemplo, a força da gravidade em nosso mundo, ou seja, exercendo, ao mesmo tempo, imponência e sutileza em sua atividade.

Eu acho lindo como os filmes do Peter Jackson traduzem com maestria para as telas a relação da natureza da Terra-média com seus aspectos mágicos. E agora, a série Os Anéis de Poder segue o mesmo caminho em um roteiro calculado, planejado para tal.
Tão significativo e tocante é ver Arondir, um elfo silvestre, pedindo perdão a uma árvore por ser obrigado a cortá-la, expondo a íntima relação que os elfos silvestres nutrem com a natureza à sua volta. A relação dos seres vivos e o mundo natural é algo muito presente nos escritos tolkienianos.

“Ánin apsene”.

Tão marcante é ver Adar falando sobre como raízes e rochas compartilham da compreensão das coisas que acontecem no mundo, sentindo e presenciando, ao seu modo, os acontecimentos históricos de Arda.
Tão emocionante é ver um elfo e dois humanos fugindo de orques para se refugiarem no amanhecer iluminado pelo Sol, o astro criado a partir do último fruto da árvore Laurelin pelo Vala Aulë e vigiado por Arien, uma Maia. É óbvio que, diante de uma criação tão sagrada, os orques não suportam a luz do Sol.
É arrepiante assistir à princesa Disa cantando para, com sua ressonância vocal, convencer a rocha pura de Khazad-dûm a libertar seus conterrâneos anãos mineradores.
É angustiante ver as pétalas brancas da árvore de Númenor se espalharem pelo ar em eco de mau presságio.
Está tudo lá em Os Anéis de Poder para quem quiser ver. A magia agindo em conjunto com a natureza da Terra-média, em ilustração de honra à essência do Legendarium.

Uma última e rápida pontuação técnica antes de partir para o roteiro.
O figurino segue o mesmo altíssimo padrão de qualidade da Fotografia e CGI da série, então irei poupar-me de chover no molhado. Contudo, há um aspecto em específico que me chamou a atenção: as claras diferenciações que existem nos subnúcleos elficos.
Nos filmes, eu não era capaz de diferenciar os elfos de Lothlórien e Valfenda, por exemplo. Mas em TROP há uma muito interessante distinção entre os elfos silvestres e os de Lindon, não só em figurino, como também até mesmo em comportamento, eu diria. Há uma certa leveza e cálculo nos movimentos dos elfos de Lindon, que muito lembra a fineza dos elfos de Peter Jackson. Já em Ostirith, os elfos possuem ereta postura militar, com trejeitos mais firmes, o que condiz com seu dia-a-dia mais próximo de trabalho braçal, um pragmatismo que não dilui sua complexa conexão filosófica com a natureza, mas a torna diferente dos demais.

Eu amei isso e faz todo o sentido. Os elfos são diferentes culturalmente. Dando o exemplo mais básico possível no Legendarium, quando as hostes de Fëanor e Fingolfin chegam a Terra-média e se encontram com os elfos de Doriath, o reino de Elu Thingol, há um intenso contraste cultural traduzido primordialmente no idioma distinto destes povos distintos, separados por muito tempo desde o despertar em Cuiviénen.
Preciso ressaltar aqui que os elfos de Peter Jackson e os elfos de TROP representam visões artísticas particulares e não uma criação detalhadamente transcrita de Tolkien. São várias as características em ambos os casos do audiovisual que jamais são mencionadas nos escritos de Tolkien. Lembrem-se disso antes de assumirem “ah mas os elfos são desse ou daquele jeito”.

Acima, os elfos de Lindon. Abaixo, os elfos de Ostirith.

Eu quero abrir os debates sobre o roteiro de O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder com as seguintes passagens, que são as sementes de absolutamente toda a temporada 1.

“O que empurra Tolkien para escrever narrativa, descrevendo a beleza a partir do terror, foi a experiência dele na guerra, algo que ele afirma em suas cartas para o filho, Christopher.”
-
Reinaldo José Lopes, em participação no NerdCast 665.

“Às vezes não se sabe o que é luz, até que se toque a escuridão.”
-
Finrod Felagund, no episódio 1.

“Não acredito em mal absoluto, mas acredito em bem absoluto. O lorde das Trevas descrito nos livros não era mal no começo. Ele caiu.”
- John Ronald Reuel Tolkien, em entrevista para a BBC, em 1962.

“Nada é mau no começo.”
- Galadriel, no episódio 1

Para a absorção das escolhas de roteiro de TROP na temporada 1, é preciso entender o significado, bem como a intersecção entre as visões dessas afirmações supracitadas. A junção dessas ideias está em uma das falas de Galadriel para Elrond:

“O mal não dorme, ele espera. E quando menos esperamos, o mal nos cega.”

Basicamente, a temporada fala sobre a corrupção que o mal, através de sua relação próxima com o bem, consegue estabelecer. Apesar de serem opostos, bem e mal não estão tão longe um do outro como pode parecer, e é exatamente por isso que a corrupção do mal se torna possível; pela sua proximidade, sua atuação sempre à espreita. Nada é mau no começo.
Veja. Em TROP, na maior parte do tempo não há uma divisão clara, dicotômica entre as duas forças morais. O roteiro leva o espectador a questionar o que está acontecendo em diferentes escalas, e até mesmo expõe mais camadas narrativas para a face do mal, como nunca antes em adaptações do Legendarium.

Partindo de tal premissa, quero primeiro falar de Númenor.
A ilha-estrela é o maior reino humano já visto na história de Arda, resultado do galardão de Eru aos que lutaram junto aos elfos contra Morgoth. Os numenorianos eram donos de maior longevidade correlação aos ouros humanos da Terra-média, considerados inferiores, apesar de não estarem no mesmo patamar de expectativa de vida dos elfos.
O sentimento de superioridade aos homens da Terra-média e ressentimento contra os elfos (por também não serem “imortais”) foi lentamente crescendo no coração da população numenoriana, ao longo de muitos e muitos anos, como Galadriel explica em resumo para Halbrand.
A série adapta Númenor em um estágio bem avançado desse preconceito; a ilha aqui está iniciando seu processo de declínio social e moral.

“Trabalhadores elfos tomando nossos empregos?”

Há uma necessidade de construir o passado e presente de Númenor para preparar o porvir derradeiro da narrativa da ilha. Eu vi alguns criticarem uma cena dos protestos do povo de Númenor como um suposto erro de roteiro. Bem, é preciso deixar claro o que de fato está acontecendo nela.
O povo numenoriano, em determinado momento, vai embarcar em navios para declarar guerra aos "deuses" (Valar), o que é absurdo, não faz o menor sentido. Mas como isso é possível?! Essa atitude acontece do nada?
As ações manipulativas de Sauron, enquanto capturado por Ar-Pharazon em Númenor, são a razão? Em grande parte sim, mas não essencialmente.
O que fundamenta essa ação ridícula dos numenorianos é a histeria social que, durante gerações, se alimentou do ranço ufanista e arrogante de Númenor contra os elfos.
Histeria social se constrói a partir de inverdades que percorrem os ouvidos de muitos até que a cólera compartilhada se transforme em ações estúpidas, como "revolta da vacina", "o estrangeiro é inimigo", "a raça tal é inferior à nossa", "o nosso deus é superior ao deles" e assim por diante.
Ver a frase "os elfos vão tomar nossos empregos, pois elfos não se cansam" é só mais um capítulo da absurda falta de lógica que cresce em meio à retórica do populacho numenoriano.
Uma histeria coletiva que vai ser percebida e utilizada por Sauron no futuro para fazer com que a declaração de guerra aos Valar seja possível. A revolta exposta na frase do numenoriano da cena é ridícula, assim como a decisão de atacar os “deuses” também será.
Lembre-se de nunca subestimar o poder da histeria, que no roteiro de TROP nada mais é do que um exercício prático da lenta e gradual corrupção do mal.

A marinha numenoriana.

Ainda em Númenor, é válido destacar o enredo envolvendo a família de Isildur e seu pai, Elendil.
Há aspectos pessoais na vontade de Elendil querer se desapegar do passado, enquanto Isildur deseja o contrário. Já sabemos que a mãe de Isildur morreu de alguma forma trágica e traumática para Elendil. Mas não é só isso, pois tem um lado ideológico por trás destes personagens. Ao soltar as cordas do navio, em seu “teste do mar”, Isildur está conscientemente virando as costas para a “nova Númenor”.
A ilha de Númenor é uma estrela de terra no meio do mar. O braço mais ocidental dessa estrela é onde fica o território de Andustar, e também a cidade de Andúnië, local de origem da família Isildur. O título de “Príncipes de Andúnië” percorre a ancestralidade de Isildur, por ter ligação colateral com a linhagem real numenoriana, ou seja, Elros Tar-Minyatur, fundador de Númenor e seu irmão, Elrond, são ancestrais de Isildur.
Forçados pela nova política de Númenor, os príncipes de Andúnie deixaram o oeste e se estabelecerem no leste da ilha. Ar-Gimilzôr era o rei nessa época de ascensão do ranço e inveja numenoriana para com os elfos, em abandono às origens de Númenor.
Isildur quer voltar para a terra de origem de seu povo. Por isso ele não concorda com a ideia de “esquecer o passado” trazida por Elendil. Por isso Isildur fica olhando para o oeste, desejando-o. Por isso Isildur é um dos primeiros a aceitarem entrar para o exército de Galadriel, uma elfa pedindo auxílio. Anárion, ao que tudo indica, se afastou do pai após a morte da mãe e deve ser outro entusiasta pelos valores do passado.
Elendil quando fala sobre esquecer as tradições é mais uma pessoa pragmática (no sentido de querer sobreviver neste novo mundo numenoriano) do que alguém que desgosta dos elfos. Isso fica claro no fim da temporada, no diálogo que o capitão tem com Míriel sobre o desejo de manter vivo o “caminho dos fiéis”.
É difícil viver em Númenor atualmente, ter ideologia em uma Númenor tão bagunçada por pensamentos coletivos adversos. Apesar de ser um lugar tão lindo e exuberante, é até desconfortável acompanhar tal subnúcleo decadente, ao passo que o roteiro caminha de maneira calma no desenvolvimento das personagens, principalmente de Isildur, um personagem tão importante para o futuro desta história.

A série desenvolveu uma camada diferente na história de Mordor. Após a queda de Morgoth e ascensão de Sauron, há uma espécie de movimento social de dissidência, ilustrado em grupos de orques que aparentemente não desejam seguir Sauron, optando por uma outra liderança. Tal movimento rebelde se personifica em Adar, um elfo corrompido, que serve de exemplo para nos contar como surgiram os primeiros orques. Lembre-se: o mal nada cria, só corrompe. E Tolkien descreve que mesmo os elfos corrompidos por Morgoth jamais se esqueceram do resquício de luz preso em sua essência, o que tornava a servidão dos orques às trevas uma existência de ódio e amargura, nunca amor a Morgoth ou Sauron.

A construção de Mordor através da erupção provocada de Orodruin era um plano reserva de Morgoth, para o caso de uma possível derrota; um plano que Adar toma para si ao confrontar Sauron pelo governo da nação orque.
Os povos liderados por Adar continuam sendo colonizadores assassinos, incapazes de respeitar ou conviver com qualquer outra forma de vida e encontram em Adar um guia para o que consideram como a emancipação de sua existência racial, algo inexistente sob o pragmático jugo escravista de Sauron.

“Adar” significa “pai” em Quenya.

Sabemos que isso não vai para frente. De um jeito ou de outro, Sauron vai se sobrepôr como liderança inalienável de Mordor. Mas a narrativa em torno do tudo envolvendo Adar possui uma riqueza admirável, dando maior profundidade aos orques. Eles não se veem como maus e defendem que “só querem uma casa”.
Adar confronta Galadriel ao dizer que todos eles, como criaturas vivas, possuem a Chama Imperecível de Eru em sua essência, o que é verdade.
De novo o roteirno torna presente a complexidade que a corrupção do mal causa ao confundir o que no início é bom mais se altera e, por isso, muitas vezes confunde. Impressionante.

O núcleo dos harfoots é talvez o melhor desta temporada. não só em caracterização, mas a narrativa envolvendo os antepassados dos hobbits do Condado é mais um exemplo de resgate do espírito dos escritos tolkienianos ao mostrar a relação das criaturas da Terra-média com a natureza.
As migrações, as canções e o anseio aventureiro de Nori, que mostra que mesmo o povo pequeno sendo bem recluso, ainda assim possui um desejo desbravador aceso no fundo de sua essência. É fascinante.
Até a inocência dos harfoots chama a atenção. Eles não sabem bem como lidar o mundo além de sua compreensão, por isso a presença do Estranho (e todas as suas implicações) os assustam tanto.

No fim das contas, o Estranho é um Istar.

Ao final da temporada, descobrimos que a identidade do Estranho é Gandalf, o que me faz voltar uma vez mais à base do roteiro.
Durante os oito episódios, os espectadores são levados a questionar se o Istar é bom ou não. Até ele mesmo se questiona. Contudo, Nori está o tempo inteiro presente para “puxá-lo” para o lado do bem, o que me fez pensar: imagina se Gandalf tivesse caído em outro lugar, em contato com outras pessoas, sob influência moral de outras pessoas. Sua essência poderia sim ser corrompida.
Veja. Gandalf não é imune ao mal. É só recordar o que aconteceu com Saruman, outro Istar, e até mesmo o que Gandalf diz a Frodo quando lhe é oferecido o Um Anel:

“Não me tente, Frodo. Eu gostaria de usar este anel para o bem, mas através de mim, o Um Anel teria um poder terrível.”

É preciso estar sempre atento às artimanhas da corrupção do mal. Mesmo aqueles cuja confiança à primeira instância é de que sejam incorruptíveis. Como Galadriel afirma para Elrond, o mal cega os dormentes.
Eu acho que a trajetória de Gandalf na série vai passar por um processo que vai levá-lo a uma quase morte (tal qual ocorre na transformação entre o Cinzento e o Branco, após a luta contra o Balrog) para que Gandalf volte a Terra-média pelos Portos Brancos, na Terceira Era, como ocorre nos livros. O Gandalf da série ainda está longe de ser o Mithrandir, famoso em todos os cantos. Este é o meu palpite para a jornada do Istar ao lado de Nori.
Com as despedidas que vimos, provavelmente não veremos mais os harfoots na série, o que faz sentido com os livros, uma vez que pouquíssimo é mencionado sobre eles, sendo que não existe atuação dos harfoots nos assuntos importantes das “pessoas grandes” que estão por vir.

Em Khazad-dûm, gostaria também de focar minha análise geral no empenho de Durin IV em ajudar o amigo. Essencialmente, se trata de um objetivo nobre, em nada mau. Todavia, Durin IV é um nobre que foi impedido de agir pelo pai, o rei, o que frustra muito o seu espírito que anseia por grandeza. Então, eis que Disa se apresenta para, junto do marido, permitir à ganância regada ao sentimento de elevação desmedida alimentar-se em suas almas. O que antes era uma vontade de ajudar um amigo, se transforma em ambição vaidosa. Nada é mau no começo. O mal não cria, ele corrompe.
Neste momento de leve virada na determinação destes personagens, a série apresenta o preço a ser pago pelos anãos no futuro: o Balrog. Apesar de eu estranhar o retcon que a série estabeleceu para a origem do mithril, colocando a luz de uma silmaril na gênese do minério, isso foi genial na construção narrativa da famosa ganância anã, tão descrita no Legendarium.

Princesa Disa e Durin IV .

Sauron se revela no fim como Halbrand. O tempo inteiro em nossa cara e eu tentei negar, não aceitando a primeiro momento quando enfim houve a revelação. Mas depois, analisando a trajetória do personagem, pude perceber a boa construção de um Sauron que passou por uma fase de questionamento pessoal e um dúbio arrependimento, como nos diz Tolkien:

“Quando Morgoth foi sobrepujado, Sauron abjurou todos os seus malfeitos. E alguns sustentam que isso não foi, no começo, feito com falsidade, mas que em verdade se arrependeu, ainda que apenas por medo.”

Este é o Halbrand tentando refazer sua vida de modo pacato em Númenor. Os showrunners já revelaram que a trajetória dele até chegar àquela jangada será explorada na temporada 2.
Eis que então o lorde das trevas muda sua predileção:

“…Sauron não estava disposto a se humilhar e receber dos Valar uma sentença. Portanto, escondeu-se na Terra-média e recaiu no mal, pois os laços que Morgoth lançara sobre ele eram muito fortes.”

Há um diálogo muito importante entre Halbrand e Galadriel no episódio 6, no qual o Maia diz que havia sentido uma boa sensação ao lutar ao lado da elfa e queria poder, de alguma forma, prender tal sensação à sua essência. Aquilo é Sauron relutando em retornar ao seu antigo posto, ainda imaginando como seria agir em prol do bem, em vez do mal. Mas como Tolkien descreve, isso não era possível a Sauron.
Em Númenor, Halbrand, após muita resistência, resolve voltar a Terra-média, entrando para a tropa de reconhecimento de Galadriel, mas creio que o momento no qual Sauron retornou de fato às suas antigas predileções malignas foi quando Orodruin explodiu, ficando claro que Adar havia roubado para si a hegemonia na criação de Mordor, algo que Sauron foi incapaz de aceitar e fica claro em suas palavras no fim do episódio 7, quando diz “não vou abandonar as Terras do Sul”.

De fato, a erupção de Orodruin chacoalhou as certezas de muitos. Galadriel, que no começo da temporada se demonstrava completamente impávida, se vê impactada em questionamento às suas próprias convicções, algo que se escancara no episodio finale, quando descobre que Sauron esteve ao seu lado o tempo inteiro, sem que fosse percebido.

“Três anéis para os reis elfos sob este céu.”

Quando os três anéis elficos estão para serem feitos, Elrond questiona “aonde está Halbrand?”, ao que Galadriel responde “ele não está mais aqui e duvido que volte, mas não devemos mais tratar com ele”.
Isso estabelece algo que ocorre no Legendarium, que é quando Galadriel alerta Celebrimbor para que não confie em Annatar, desconfiando da aura sombria do Senhor dos Presentes. Na série, Galadriel sabe que ele é Sauron, mas acho que isso não será revelado de cara na temporada 2.
Creio que Halron (Halbrand/Sauron) retornará a Eregion quando a elfa for embora. Então Celebrimbor, assim como nos livros, vai ignorar o aviso de Galadriel e vacilar por ter ficado fascinado pelo conhecimento de Halron.

Não penso que Galadriel contará que Halbrand é Sauron, pelo menos a primeiro momento, por vergonha e medo até. Lembrem-se do que exclamou Halbrand: “O que seus amigos farão quando descobrirem que você me ajudou esse tempo todo?!”
Talvez Galadriel só revele a verdade quando Sauron usar o Um Anel (algo que ela não sabe que ele está planejando), que é quando os elfos sentem a tentativa de controle de seus anéis por Sauron e então param de usá-los.
É importante ressaltar que Galadriel na série pensa que qualquer coisa que Sauron possa ter feito enquanto estava trabalhando em Eregion foi desfeito ou pode ser controlado pelos elfos, graças à atitude dela de dividir a forja em três anéis. Galadriel ainda não sabe do plano maior envolvendo todos os anéis.

O olho de Sauron.

Nos livros, Celebrimbor em pessoa forja um dos sete anéis dos anãos, o anel de Durin III. Creio que este anel será feito no retorno de Halron a Eregion.

Eu acho que o final foi muito corrido. Sauron em Eregion deveria ter mais desenvolvimento narrativo. A decisão de roteiro de manter até o máximo o segredo da identidade de Sauron sacrificou um maior desenrolar do roteiro nesta parte.
Como Adar conta para Galadriel, Sauron estava há muito tempo buscando uma forma de poder do mundo invisível. Um poder “não da carne, mas sobre a carne”. Entretanto, apesar de muitas tentativas, o lorde das trevas só havia falhado nesta busca. Faltava algo em específico, um ingrediente para que tal poder fosse descoberto por Sauron. Este ingrediente é encontrado em Eregion.
Sauron percebe a janela de oportunidade ao ver que implementando seus conhecimentos ocultos à poderosa forja de Celebrimbor, é possível alcançar o que queria. Sauron aprende em Eregion uma forma de executar seu plano.
É ruim que precisemos ver isso acontecendo de modo tão rápido em tela. O roteiro precisava de mais calma aqui.

O lorde das trevas está pronto para tomar para si o governo de Mordor.

Diante de todo o ódio que a série recebe, a verdade é que o roteiro de TROP falha pouco. Algum diálogo meio perdido aqui, uma solução rápida mal executada ali (Galadriel botando soldados em filinha na prisão; Sauron sendo levado às pressas para Eregion…). Fora isso, a jornada dos personagens funciona de modo elogiável, complementando as bases ideológicas de uma narrativa cuja essência está mergulhada no Legendarium Tolkieniano.
As expectativas para a segunda temporada são imensas, pois a tarefa mais complicada, que era estabelecer o mundo, os principais personagens e a narrativa principal, já foi feito; agora é seguir em frente, em direção ao épico.

Viram o tamanho do artigo, né? E olha que eu resumi. Tem tanta coisa a mais que pode ser dita sobre essa temporada…
Se quiser me perguntar qualquer coisa, me sigas nas redes sociais clicando AQUI. Mande mensagem que eu respondo assim que puder!

Namárië!

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Bruno Birth
brunobirth

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