Direto da Estante: Piranesi

O encanto e mistério da Casa-Mundo

Bruno Maroni
LADO B
3 min readFeb 20, 2024

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Piranesi é um livro atípico. Ao menos foi para mim, acostumado com descrições teóricas e explicação de conceitos. Mas, como parte do plano de explorar o universo da literatura ficcional e nutrir minha imaginação, cheguei até a obra mais recente da premiada autora britânica Susanna Clarke. Conto aqui um pouco desta jornada.

Com esta obra, Clarke segue desbravando o gênero da fantasia, e seus contornos aqui são peculiares. Como premissa, vale entender que a ambientação da narrativa é tão protagonista quanto seu personagem principal, o próprio Piranesi. A construção de mundo é primorosa.

Sua história se passa na Casa, um espaço onírico e misterioso, labiríntico, repleto de salões e estátuas, invadido por nuvens e ondas. Não é que a Casa faz parte do mundo: a Casa é o Mundo – uma espécie de mansão cósmica. Seu clima soa majestoso, contudo, sombrio e solitário. Afinal, Piranesi a divide apenas com “O Outro”, figura enigmática que mantém contato com o protagonista.

A Casa intriga Piranesi e seu instinto investigativo-científico. Ele vive estudando o regime das marés, mapeando os vastos salões em seu diário. Além disso, a Casa provê a ele alimento, vestimenta e proteção. Beleza e provisão. O ponto é que a Casa encanta Piranesi, contorna sua percepção e consciência. Não no sentido de enganá-lo, mas de maravilhá-lo. Há um senso de pertencimento e participação, o que a meu ver evoca muito da narrativa bíblica da criação. Este é um mundo pessoal, sagrado – e, claro, misterioso.

A beleza da Casa é incomensurável; sua bondade, infinita.

Ler Piranesi é entrar nas rotinas de contemplação e solitude de seu protagonista.

O suspense que se desenrola da metade para o final do livro, obviamente, descortina uma série de porquês que se acumulam enquanto acompanhamos o dia a dia supostamente tedioso de pesquisa e contemplação do protagonista. Como surgiu a Casa? Por que Piranesi está aqui? Bem, isso só lendo para descobrir.

Piranesi fez o que todos os grandes romances fazem, que é me tirar de mim mesmo e depois me devolver como alguém novo e mudado.

– Constance Grady, correspondente da revista Vox

Curiosidade: o protagonista da história, bem como seu cenário e linguagem, foi inspirado numa figura histórica de mesmo nome, o arquiteto e gravurista italiano Giovanni Battista Piranesi (1720–1778). Ele é quem assinou a série de gravuras “Carceri d’invenzione”, como salas subterrâneas enormes, escadarias, máquinas e salões. Além dessa referência, é nítida a alusão à Caverna de Platão e a “homenagem” a grandes nomes da literatura britânica.

Piranesi é estranho e encantador, com páginas que alternam entre a introspecção contemplativa e a tensão crescente. Boa combinação.

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Bruno Maroni
LADO B
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Marido da Lari e pai do Tim. Teólogo, jornalista cultural (improvisado) e escritor em formação. Gosto de livros, discos, pizzas e tartarugas.