Entre o Gerenciamento do Tempo e a Curadoria da Atenção

Bruno Maroni
LADO B
Published in
5 min readMar 14, 2024

O tempo continua passando

Não há e nem haverá solução para a angústia do tempo escasso. Quando o dia acaba a impressão é que acabou também o tempo. Que não tivemos tempo o bastante para realizar as tarefas, entregar as demandas ou até satisfazer-se com os prazos cumpridos.

Tempo não funciona assim, no entanto. Essa mentalidade supõe um sistema de saldo — ganho e perda (como operação financeira) — para o tempo, sendo que ele é uma realidade dada. Literalmente, uma dádiva. Saltos técnicos, mudanças nas configurações de trabalho e a interação com dispositivos digitais de fato alterou nossa percepção. Mas não muda a natureza do tempo.

Gerenciando o tempo — ou a atenção?

Jen Pollock, prolífica escritora na área de vida cristã e espiritualidade, sugere, certeiramente, deslocarmos o foco do gerenciamento do tempo para a administração da atenção. Faz sentido. O tempo continua passando — como sempre foi. Nossa atenção, por sua vez, é cada vez mais disputada por uma série de estímulos que vão do inevitável ao inútil, e assim fragmenta-se em estilhaços. Pollock diz:

O que parece muito mais importante do que disciplinas para gerenciamento do tempo são disciplinas para gerenciamento da atenção. [1]

Tony Reinke, em poucas palavras, define que:

Atenção é a habilidade de deixar de lado todas as coisas a fim de lidar com algumas coisas. [2]

Nossa atenção se esgota na corrida pela produtividade, mas também é drenada pela sobrecarga de entretenimento. O avanço da digitalização e da hiperconectividade contribuem para esse desgaste. Não é por acaso.

O mercado quer sua atenção

Nos bastidores da indústria midiática, por exemplo, nossa atenção é um bem acirradamente disputado pelas grandes marcas, produtores culturais e influencers.

Entre os estudiosos da área fala-se bastante sobre a economia da atenção. Pense nas plataformas de streaming. Para elas é ótimo que o aumento de assinaturas gere mais lucro. O sucesso dessas mídias, no entanto, passa primeiro pela conquista da atenção da audiência. Competindo pela atenção do grande público, o mercado batalha por sua alma (como diz o ambicioso Kendall Roy em Succession).

Sem fronteiras sabiamente definidas, nossa atenção será invadida sem escrúpulos.

Resgatando a presença atenta

Sem contar com todas as demandas corriqueiras do cuidado doméstico, da família, do trabalho, da igreja e das demais relações. Em tudo queremos ser produtivos. Não exatamente porque assim nossos chefes, filhos, cônjuges e amigos serão bem atendidos, serão satisfeitos e se sentirão amados, mas porque encontramos redenção na produtividade. Voltando a Jen Pollock vislumbramos um caminho alternativo que nos leva à sabedoria e ao amor.

Quer estejamos sentados em um aeroporto, na fila do supermercado ou folheando as manchetes do dia — há sempre alguém tocando seu megafone, agressivamente e alto, implorando para comprarmos, assinarmos, acreditarmos em algo. A atenção é um recurso disputado e, assim como uma cidade sem muros, será invadida, a menos que construamos muros, coloquemos neles sentinelas e a fortaleçamos contra os ataques. [3]

O oposto da atenção fragmentada é a presença atenta. Disciplina que há séculos é praticada por cristãos dipostos a uma vida mais profunda com Deus, com o outro e com o mundo. Estar integralmente presente para Ele e para as pessoas. Afinal, quando a noite chegar, você pode ter cumprido todas as suas tarefas, limpado a casa inteira, respondido todas as mensagens, mas o dia se foi vazio de sentido e amor.

Reimagine o tempo

Antes de pensar em exercícios de atenção, ressignifique o tempo. Reimagine-o. Usamos metáforas comerciais para descrever o tempo — “Perdi tempo fazendo isso”, “Assim a gente ganha tempo”. Ao contrário da nossa imaginação consumista, as Escrituras tratam o tempo como dádiva do Senhor. Ele é quem governa o tempo (Sl 75.2), quem nos doa o tempo (Ec 3:1) sustenta a nossa finitude (Jó 14.1–2) e nos chama a deleitar-se nela (Sl 90.12). Todo tempo é valioso.

A vida com Deus não nos tira das rotinas do tempo, mas a entrelaçam em ritmos escatológicos. Em outras palavras: relances de eternidade no presente momento — lavando a louça, trabalhando, conversando com as pessoas, estando à mesa com a família, caminhando, ouvindo uma boa música, tendo comunhão com o Senhor. Mike Cosper nos lembra:

Cada momento, cada encontro, é significativo e misterioso. Todo lugar é sagrado. [3]

Releia o seu cotidiano, considere o que tem fragmentado a sua atenção. Como isso causa fissuras no seu relacionamento com Deus e no seu amor pelas pessoas? A corrida por produtividade tem impedido você de se deleitar no tempo que te foi dado? Tem drenado do seus dias a beleza e o significado? A sobrecarga de estímulos e distrações tem tornado você menos presente? Pense em pequenos roteiros de atenção para os seus dias.

Roteiros para a curadoria da atenção

Dedique pequenos espaços de silêncio na transição de demandas diárias — ao sair do trabalho e voltar para casa, por exemplo. Pode ser um modo de treinar o cérebro (e o coração) para redirecionar sua atenção para o que de fato precisa dela. Preserve “momentos inúteis” ao longo do dia. No intervalo de tarefas, resista ao entretenimento instantâneo. Mas separe também um tempo dedicado para ele: assista às suas séries com atenção, desfrute das suas playlists e foque nas pequenas coisas que te divertem. Orações breves podem te ajudar:

  • “Senhor, agora vou jantar com a minha família. Que eu reconheça o valor deste momento e esteja presente.”
  • “Tenho realmente muita coisa para fazer no meu trabalho hoje. Me ajude a desfrutar deste momento e desafio.”
  • “Pai, agora vou ter um tempo com meus amigos. Que eu me lembre que pequenos encontros são sagrados e redentivos.”

Esboce o seu próprio roteiro para a curadoria da atenção e a contracultura da presença atenta. Um bom dia não será mais aquele em que você consegue “fazer as coisas”, e sim aquele em que você estiver simplesmente presente.

POLLOCK, Jen Michel. Gerenciamento de tempo não existe.

REINKE, Tony. A guerra dos espetáculos: o cristão na era da mídia.

COSPER, Mike. Recapturing the wonder: transcendent faith in a disenchanted world.

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Bruno Maroni
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Marido da Lari e pai do Tim. Teólogo, jornalista cultural (improvisado) e escritor em formação. Gosto de livros, discos, pizzas e tartarugas.